sexta-feira, 25 de junho de 2010

O Governo Lula para além de Lula

Não nego os sucessos do governo Lula, principalmente quando comparado com os recentes governos de FHC, que é sua auto-referência recorrente. Se bem que substancialmente, principalmente na condução macroeconômica, pouco se diferenciaram, a verdade é que não se deve subestimar esse “pouco”, onde algumas prioridades foram invertidas, sucessos alcançados e fracassos marcados. O primeiro ponto diferencial era que o governo FHC não tinha nenhum senso de interesse nacional. A “privataria” realizada por FHC, não redundou em nenhum avanço sócio-econômico para o país, como prometido. Bilhões em ativos foram transferidos das mãos do Estado para a iniciativa privada, principalmente estrangeira, enquanto a dívida pública se multiplicou em escala crescente, a carga tributária disparava e o salário mínimo permaneceu abaixo de 100 dólares.

Por pouco FHC não privatizou a Petrobrás que, aliás, em seu governo, passou a ter a maior parte de seu capital nas mãos de investidores privados e estrangeiros (o governo brasileiro manteve apenas o controle das ações com direito a voto da Cia). Chegou-se a pensar inclusive na troca do nome da Petrobrás para “Petrobrax”, para torná-la uma marca internacional, disseram na ocasião. A falta de compromisso nacional só não era maior que o cinismo pedante do intelectual ex-presidente. Tivesse FHC concluído a privatização da Petrobrás e feito a privatização do Banco do Brasil, como queria, e nosso país teria se atolado na crise internacional de 2008, por falta de meios de intervenção direta do governo para reativar a economia.

Mas avaliar o governo Lula, deve ir além de simplesmente compará-lo ao governo de FHC. Aliás, não se trata de uma tarefa fácil. É preciso primeiramente fugir dos clichês da crítica pueril e do preconceito elitizado, sempre a espreita, sem cair na tentação do ufanismo lulista. Nem o Brasil foi “inventado” em 2003, nem o Estado está refém de um aparelhamento sindical-bolchevique para implantar o bolivarianismo. Somos uma nação que amadureceu o suficiente para conduzir o debate político de nossa democracia para além dos reducionismos classistas. Não devemos cair na armadilha do pensamento maniqueísta-pragmático, muito comum da cultura política norte-americana. Daí o perigo da falsa polarização entre PT e PSDB, urdindo um bipartidarismo fleumático e inerte sobre a realidade complexa da sociedade. É o que chamo de fábula do pensamento único que hoje tenta engessar nossa política.

“Nunca na história desse país...”

O erro comum que muitos críticos cometem é avaliar o governo Lula através do próprio Lula. Nosso carismático presidente é a pior fonte possível para uma avaliação de seu governo, para o bem ou para o mal. Mas abstraindo sua figura central e contextualizando os dados, atos e políticas do seu governo, podemos alcançar um esboço, não definitivo, que revela a fragilidade de seu relativo sucesso. Em oito anos, o governo não produziu uma única realização que possa ser projetada nas gerações futuras como seu legado. Seu maior erro, a meu ver, foi a falta de um investimento maciço em educação. Pouco foi feito e mesmo assim de forma pontual. Era de se esperar uma vigorosa política educacional, que o país tanto necessita, aliás, desesperadamente. Apostar em desenvolvimento econômico sem educação é como apostar no vôo de uma galinha. O maior entrave hoje para mantermos uma taxa razoável de crescimento anual é a carência de mão-de-obra qualificada. Dados sobre o analfabetismo funcional de 2009 demonstram que apenas 25% dos brasileiros estão em condições de serem capacitados, pois dominam a escrita, a leitura e a matemática, suficientemente para se expressarem. Isso é um atestado de falência governamental que o governo Lula compartilha com seus antecessores.

Além disso, ouvimos muitas vezes sobre os “gargalos” da infra-estrutura de nossa economia, que limitam nossa capacidade de desenvolvimento sustentado. Não é possível para nosso país continuar a depender, quase que exclusivamente, do transporte rodoviário para escoar sua produção a um custo monumental. Somos o único grande país do mundo, em escala continental, que prescinde de uma malha ferroviária em sua infra-estrutura econômica. Também passamos oito anos falando de nossa carência aéreo-portuária e nenhuma solução foi implantada nos principais portos e aeroportos do país. A burocracia fiscal e a exorbitante carga tributária que beira 40% do PIB, são fatores que extenuam nossa capacidade de investimento, mas que não foram corrigidas pelo governo, mesmo após o auge da crise econômica. Alguns poucos setores da economia sofreram uma desoneração nominal, mas nosso pesado e caótico sistema tributário foi mantido. Aliás, somos o único país do mundo que continua a tributar pesadamente o investimento produtivo e o trabalho. A pesquisa e o desenvolvimento tecnológico esbarram na falta de uma política de incentivos e no desamparo de nossas universidades públicas. Os principais programas do governo como o Fome Zero, o Bolsa Família e o PAC, apesar de louváveis, foram politizados ou utilizados como meros expedientes de propaganda, sem resultados substanciais e confiáveis.

Os bons índices alcançados por nossa economia nos últimos três anos de governo podem ser creditados à conta da persistência na política de estabilidade macroeconômica herdada de FHC, somando-se uma rara conjuntura internacional coincidentemente favorável, com a inversão de prioridade no investimento governamental para um enfoque mais nacionalista. A reativação da indústria naval é um exemplo do êxito dessa inversão de prioridade, o que por si, não pode ser subestimado. Este sim um traço significativo de distinção desse governo, mas que foi prejudicado por sua inequívoca falta de visão de Estado e a completa inexistência de programas estruturais. Na verdade de 2003 a 2009 (Governo Lula) o Brasil teve uma taxa média de crescimento do PIB de 3,57% ao ano, que é 18,68% menor do que a taxa média de crescimento no Governo Sarney (4,39% ao ano), período de moratória e hiperinflação (Fonte IBGE).

À sombra de Vargas

O Brasil de hoje, definitivamente não nasceu com Lula. Foi desenhado há mais 60 anos por Getúlio Vargas, este sim um estadista, no rigor da acepção da palavra. Foi Vargas que, mais do que sonhar, acreditou no Brasil potência e lançou as bases da industrialização nacional em um país predominantemente agrário. Foi muitas vezes incompreendido, mas ainda assim pensou o país 50 anos à frente de seu tempo. Nesse impulso visionário criou os motores que impulsionam o Brasil de hoje: Petrobrás, Eletrobrás, BNDES, CSN, a previdência social, as leis trabalhistas, etc. Isso tudo mantendo uma carga tributária de menos de 16% do PIB, um salário mínimo equivalente ao dobro do atual e uma taxa média de crescimento do PIB de 6% ao ano. Portanto, a despeito do carisma, não há como comparar Lula a Getúlio Vargas.

Por isso ouso dizer que as pesquisas de opinião, que hoje revelam a incrível aprovação do governo Lula em torno de 80%, traduzem em grande parte o carisma pessoal do presidente e não uma refletida avaliação objetiva sobre seu governo. Lula é um fenômeno midiático de empatia instantânea em plena era de conexão e popularização da comunicação. Algo como um presidente “reality show”, subproduto de uma cultura de consumo de massa, onde o vulgo anônimo é alçado a protagonista de um mundo virtual. Mas tudo leva a crer que o governo Lula, com seus méritos e equívocos, não deixará um legado significativo de realizações para nosso país, como se poderia supor pelos índices de sua grande popularidade e pela jactância ufanista de seus inflamados discursos.


Oscarino Arantes

Um comentário:

Francisco Agra disse...

Há de se observar uma tremenda diferença do Governo Vargas (Era Vargas) e a questão do atual presidente, no meu entender. De fato reformas foram feitas, no aspecto Economico e físico do País, como também implantações de leis no Governo Vargas. Certamente muitos dirão do Nacionalismo que o mesmo apresentava. Não deixando de citar que o Mundo estava em guerra.
A chamada Democracia que hoje é implantada no País, oportuna, melhor dizendo obriga a votar no "menos pior". O País está precisando de lideranças voltadas na area política. lamentavelmente depoimentos e exposições do Lula são tão contrários, do Lula Presidente e do Lula Candidato. Mas faz parte da política, não seja surpresa para ninguém.