sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Oportunismo de direita, oportunismo de esquerda

POR JOSÉ BENEDITO PIRES TRINDADE E OTTO FILGUEIRAS

O ano de 2014 começa com a esperança de mudanças e que ruas e praças do Brasil serão retomadas, a exemplo do que aconteceu no ano que findou, quando estudantes, trabalhadores, jovens excluídos, negros e pobres das periferias das grandes cidades fizeram manifestações pelo país.

 Os capitães da indústria, capitães do mato, a mídia comercial e a direita representada em vários partidos do sistema – PSDB, DEM, PP, PMDB e até no PT, nos comunistas de logotipo e outros mais - também estão animados com o novo ano que se inicia.

Do seu lado, a oposição de esquerda, incluindo partidos e movimentos sociais, aposta na virada e acredita poder avançar em direção à conquista de um governo socialista ou pelo menos democrático e popular.

Os mais consequentes sabem que há uma crise capitalista no mundo, provocada pelo próprio capitalismo, e que não haverá solução douradora se não for pela conquista do modo de produção socialista, mais eficiente do que o capitalismo.

Há unidade genérica nas críticas aos governos sociais-liberais de Lula/Dilma, à política econômica que engorda bancos, que ceva o sistema financeiro, que cultiva com papas finas os capitalistas nacionais e internacionais.

No entanto, se quiser avançar seus peões no tabuleiro das realidades brasileira e mundial, a oposição de esquerda, e particularmente os vários agrupamentos da esquerda marxista que continuam acreditando no sonho socialista e sabem que a utopia não tem nada ver com o socialismo dito científico, precisa de tática e estratégia adequadas para a complexa e atual situação.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Os EUA e o jornalista Karl Marx

Ele correspondia-se com presidente Lincoln e colaborou, por mais de uma década, com New York Tribune, então o maior diário do mundo

Por Renato Pompeu, em Retrato do Brasil

O relacionamento do próprio Karl Marx com os EUA teve início concretamente em 1851, quando Charles Dana, editor do New Yorl Tribune – considerado na época o maior diário do mundo, com 200 mil exemplares de circulação –, convidou-o a escrever sobre as mudanças ocorridas na Alemanha a partir das revoluções de 1848. O convite foi bem aceito por Marx, entre outras razões, porque ele precisava de dinheiro para manter a família. Marx vivia exilado em Londres e, rapidamente, recorreu a seu parceiro e amigo Friedrich Engels para realizar o trabalho. Ambos escreveram artigos para o jornal americano por mais de uma década, explica Jams Ledbetter, editor de Dispatches for the New York Tribune – selected journalism of Karl Marx (Penguin Books, 2007). No total, o jornal publicou 487 textos da dupla, 350 dos quais assinados por Marx, 125 por Engels e 12 por ambos. Os artigos tomam cerca de sete dos 50 volumes das obras de Marx e Engels – mais do que O capital. [A relação completa está disponível no site www.marxists.org. É possível ler alguns textos na íntegra]

Em 1864, quando já encerrara a colaboração com o Tribune, em nome da recém-fundada Associação Internacional dos Trabalhadores, Marx escreveu ao então presidente americano, Abraham Lincoln, cumprimentando-o por sua reeleição e liderança na luta antiescravista. Lincoln respondeu por meio do embaixador americano na Inglaterra, o que teria deixado Marx exultante.

Duas décadas mais tarde, quando ele já havia falecido, suas ideias foram divulgadas pela filha caçula, Eleanor, a qual acompanhou Edward Aveling, seu marido, e Wilhelm Liebknecht, veterano militante socialista, numa viagem aos EUA, a convite do Partido Socialista dos Trabalhadores da América do Norte, composto basicamente por alemães. Ao longo de 12 semanas eles passaram por 35 cidades, “onde se encontraram com milhares de militantes de esquerda, feministas, socialistas e sindicalistas e falaram em quase todas as paradas no caminho, às vezes em quatro eventos no mesmo dia”, escreveu Mary Gabriel em Amor & Capital (Zahar, 2013). Em Chicago – cidade que vivia grande agitação política – milhares de pessoas compareceram às palestras. “Com um discurso pronto, Tussy [apelido de Eleanor] orientou o público a ‘jogar três bombas no meio da massa: agitação, educação e organização’.”

Fonte: Outras Palavras

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Slavoj Žižek: O fracasso socialista de Mandela

Por Slavoj Žižek.

Nas últimas duas décadas da vida, Nelson Mandela foi festejado como modelo de como libertar um país do jugo colonial sem sucumbir à tentação do poder ditatorial e sem postura anticapitalista. Em resumo, Mandela não foi Robert Mugabe, e a África do Sul permaneceu democracia multipartidária com imprensa livre e vibrante economia bem integrada no mercado global e imune a horríveis experimentos socialistas. Agora, com a morte dele, sua estatura de sábio santificado parece confirmada para toda a eternidade: há filmes sobre ele (com Morgan Freeman no papel de Mandela; o mesmo Freeman, aliás, que, noutro filme, encarnou Deus em pessoa). Rock stars e líderes religiosos, esportistas e políticos, de Bill Clinton a Fidel Castro, todos dedicados a beatificar Mandela.

Mas será essa a história completa? Dois fatos são sistematicamente apagados nessa visão celebratória. Na África do Sul, a maioria pobre continua a viver praticamente como vivia nos tempos do apartheid, e a ‘conquista’ de direitos civis e políticos é contrabalançada por violência, insegurança e crime crescentes. A única mudança é que onde havia só a velha classe governante branca há agora também a nova elite negra. Em segundo lugar, as pessoas já quase nem lembram que o velho Congresso Nacional Africano não prometera só o fim do apartheid; também prometeu mais justiça social e, até, um tipo de socialismo. Esse CNA muito mais radical do passado está sendo gradualmente varrido da lembrança. Não surpreende que a fúria outra vez esteja crescendo entre os sul-africanos pretos e pobres

A África do Sul, quanto a isso, é só a mesma versão repetida da esquerda contemporânea. Um líder ou partido é eleito com entusiasmo universal prometendo “um novo mundo” – mas então, mais cedo ou mais tarde, tropeçam no dilema chave: quem se atreve a tocar nos mecanismos capitalistas? Ou prevalecerá a decisão de “jogar o jogo”? Se alguém perturba esse mecanismo, é rapidamente “punido” com perturbações de mercado, caos econômico e o resto todo. Por isso parece tão simples criticar Mandela por ter abandonado a perspectiva socialista depois do fim do apartheid. Mas ele chegou realmente a ter alguma escolha? Andar na direção do socialismo seria possibilidade real?

É fácil ridicularizar Ayn Rand, mas há um grão de verdade no famoso “hino ao dinheiro” do seu romance A revolta de Atlas: “Até que e a não ser que você descubra que o dinheiro é a raiz de todo bem, você pede por sua própria destruição. Quando o dinheiro deixa de ser o meio pelo qual os homens lidam uns com os outros, tornam-se os homens ferramentas de outros homens. Sangue, chicotes e armas de fogo ou dólares. Faça sua escolha – não há outra.” Não disse Marx algo semelhante em sua conhecida fórmula de como, no universo da mercadoria, “as relações entre pessoas assumem o disfarce de relações entre coisas”? (O capital, p.147)

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Revoltas 2014: contra governos ou o capitalismo?

Mídia, naturalmente, não enxerga. Mas movimentos expressam, no fundo, colapso das relações econômicas e políticas hegemônicas em todo o mundo
Por Paul Mason | Tradução: Antonio Martins

Foi como uma faixa de CD saltada, ou um vídeo que derrapa de repente para a cena seguinte. Eu filmava uma barricada em Istambul, tentando ficar fora do alcance das bombas de gás disparadas pela polícia, quando uma delas me atingiu na testa. O rombo que ela fez em meu capacete é hoje parte de uma apresentação em PowerPoint, para cursos de treinamento sobre a segurança de jornalistas.

Durante a Ocupação do Gezi Park, gente típica de classe média ergueu barricadas que mantiveram a polícia turca à distância por quatro noites. No interior do parque, organizaram uma versão-maquete da sociedade em que gostariam de viver. Estocaram montes de comida grátis, cantaram e beberam cerveja, em desafio ao governo conservador religioso.

De dia, os gramados abrigavam estudantes fazendo suas tarefas. À noite, as ruas no entorno enchiam-se de jovens mascarados – e os fãs de futebol trocavam flâmulas, para sinalizar uma trégua, no ódio de cem anos entre os clubes de Istambul. Quando perguntava sobre suas profissões, sussuravam: “Arquiteto, despachante de cargas, engenheiro de software”.

Os acontecimentos do Gezi Park marcaram uma virada nas revoltas globais de nosso tempo. Embora não seja oficialmente parte dos BRICS, a Turquia tem a maior parte das características destes – alto crescimento, população jovem, um Estado repressor associado a corrupção e atos arbitrários. Depois de Gezi, não foi surpresa ver um milhão de pessoas nos movimentos de protesto do Brasil. Nem as 17 milhões que participaram das manifestações que derrubaram Mohamed Morsi, no Egito, nem os protestos da Ucrânia, que ainda estão em curso. Estas sociedades foram, supostamente, beneficiárias da globalização. Mas as classes médias sentiram-se batidas. Por isso, agora, o “garoto mascarado que frequenta academia e odeia a corrupção” somou-se ao “diplomado sem futuro”, na lista de arquétipos sociais por meio dos quais procuramos entender a revolta.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

A COMPRA DOS GRIPEN E A DOUTRINA MILITAR DE DEFESA


Por Mauro Santayana

(JB) - Depois de 13 anos, finalmente o governo brasileiro deu sua aprovação à compra de 36 novos caças para a Força Aérea Brasileira, optando pelos Gripen NG suecos, em detrimento do Rafale, da Dassault francesa e do F-18 da Boeing norte-americana. O menor preço, unitário e por hora de voo, a transferência de tecnologia e a questão política foram fatores determinantes para a escolha.

Como ainda não está totalmente desenvolvido, o caça sueco-brasileiro será projetado em conjunto por técnicos e empresas das duas nações, como as brasileiras Akaer — que já participa do projeto — e Embraer e a própria Saab. Está prevista a criação inicial de aproximadamente 2 mil empregos em São Bernardo do Campo, São Paulo, onde seria instalada a unidade de montagem. O pacote financeiro — cada avião sairá por aproximadamente 125 milhões de dólares — também foi o mais atraente. O Brasil só começaria a pagar os aviões depois de recebida a última das 36 aeronaves, no começo da próxima década.

Para o Brasil, o Gripen NG representa um novo patamar, do ponto de vista da indústria aeronáutica militar, bem acima do turboélice de ataque leve e treinamento avançado Super-Tucano, da Embraer. Mas ele — como bem lembrou o ministro Celso Amorim, ao dizer que o país continuará negociando um caça de quinta geração — não solucionará todos os problemas do país nessa área.

Como o Brasil será dono do projeto, com o tempo, ele poderá ser vendido para outros países da Unasur e até mesmo do Brics, como é o caso dos sul-africanos, que já possuem Gripen mais antigos em sua Força Aérea. Com eles estamos desenvolvendo conjuntamente mísseis A-Darter, que podem armar esse avião.

domingo, 12 de janeiro de 2014

LIVRO: “O homem que amava os cachorros” de Leonardo Padura



A Boitempo lançou em dezembro de 2013 o premiadíssimo e audacioso romance O homem que amava os cachorros, do escritor cubano Leonardo Padura. O livro relata a vida de Leon Trotski e de seu assassino, o militante comunista Ramón Mercader, em um thriller histórico que coloca em perspectiva a grande utopia do século XX.

Esta premiadíssima e audaciosa obra do cubano Leonardo Padura, traduzida para vários países (como Espanha, Cuba, Argentina, Portugal, França, Inglaterra e Alemanha), é e não é uma ficção. A história é narrada, no ano de 2004, pelo personagem Iván, um aspirante a escritor que atua como veterinário em Havana e, a partir de um encontro enigmático com um homem que passeava com seus cães, retoma os últimos anos da vida do revolucionário russo Leon Trotski, seu assassinato e a história de seu algoz, o catalão Ramón Mercader, voluntário das Brigadas Internacionais da Guerra Civil Espanhola e encarregado de executá-lo.


Crítica intenacional


“Leonardo Padura confirma seu status como o melhor escritor de ficção-policial em língua espanhola, um digno sucessor a Manuel Vázquez Montalbán.”
– The Times


"Um exelente romance, rico em sugestões sobre a condição humana e sobre nosso mundo que vão além da estória narrativa direta."
– El Mundo


"Melhor romance histórico do ano. O assassinato de Trotski com uma picareta como o ponto de partida de um dos melhores romans noirs sobre o século XX."
– Lire


"Uma narrativa de tirar o fôlego, uma obra prima"
– Le Figaro


“Um grande romance habilmente construído sobre uma rigorosa base histórica.”
– Livres-Hebdo


“Um romance magnífico, o mais poderoso desse autor. É crítico, sem recorrer a fanatismos, e tem uma grande densidade humana e um intenso dinamismo narrativo.”
– La Vanguardia


“Um romance que exala a experiência narrativa dos bons contadores de histórias.”
– El Correo Español


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Fonte: Blog da Boitempo


sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

DEMOCRACIA EM XEQUE: As empresas contra a sociedade civil

Dossiê revela: para neutralizar ativismo, grandes corporações contratam militares, espionam e sabotam grupos que lutam por direitos humanos e meio-ambiente


Por Taís Gonzalez

Em março deste ano, quando ativistas brasileiros desmascararam um funcionário da Vale que se infiltrara em um encontro de mobilização, para espionar e registrar imagens, alguns pensaram tratar-se de ato raro, praticado por iniciantes atabalhoados. Acaba de sair nos Estados Unidos um relatório que revela, com riqueza de dados, o contrário. Nos últimos anos, vigiar, ameaçar e trapacear os movimentos sociais tornou-se prática comum entre as grandes empresas transnacionais. Elas passaram a adotar táticas idênticas às de agências como a CIA e a NSA – mas talvez provoquem ainda mais danos, pois têm um número muito maior de alvos. Perseguem ativistas ligados a um amplo leque de causas: entre outras, o ambientalismo, a oposição às guerras, defesa dos serviços públicos, segurança alimentar, agroecologia, reforma urbana e direitos dos animais. Entre as envolvidas, são citadas nominalmente Walmart, Bank of America, McDonalds, Monsanto, Shell, Chevron, Burger King, Kraft, Dow Química e Câmera Americana do Comércio

O relatório foi preparado pelo Centro de Estudos das Políticas Corporativas, um grupo dedicado a denunciar abusos corporativos e exigir responsabilidade empresarial. Com redação final de Gary Ruskin, tem 53 páginas e enorme quantidade de material inédito: após uma breve apresentação, seguem-se dezenas de casos concretos. O estudo remonta ao século 19. Lembra que desde então o mundo empresarial – particularmente o norte-americano – serve-se de vigilância para tentar impedir ações como greves e mobilizaçõs sindicais.

Mas sustenta que o fenômeno assumiu proporções completamente distintas após o fim da Guerra Fria. Num certo sentido, as corporações transnacionais privatizaram – e expandiram agressivamente – a vigilância sobre a sociedade civil antes praticada por agências estatais. “Onde antes havia um punhado de agências de detetives privadas, há agora centenas de organizações multinacionais de segurança, que têm sobre si muito menos controle que os serviços do Estado”, diz o texto.

As grandes corporações procuram detonar, principalmente, ações que denunciam suas práticas e atingem, em consequência, sua imagem. Para impedi-las ou desacreditá-las, demonstram os casos citados pelo relatório, as grandes empresas infiltram agentes entre os movimentos e instalam equipamentos de vigilância (inclusive sobre telefones e internet) nos locais de articulação e mobilização. Mas não se limitam a isso. Roubam documentos, atacam computadores e derrubam sites. Transmitem denúncias falsas sobre si próprias, com a intenção de desmoralizar quem as difunde. Vigiam as vidas pessoais de seus críticos e familiares, buscando produzir informações e imagens comprometedoras.

Os departamentos de vigilância das grandes corporações, sustenta Gary Ruskin, estão repletos de ex-agentes da CIA e NSA. Mas, ao contrário do que ocorre com estes serviços, foco de intensas denúncias nos últimos anos, o mundo da espionagem empresarial permanece à sombra. As informações agora publicadas, diz o autor, foram obtidas quase por acidente – em poucos casos bem-sucedidos de ações judiciais requerendo acesso à informação, vazamentos os descuidos. As dimensões do problema podem ser muito maiores que se pensa. “O tema é mantido sob sigilo. Nos últimos anos, houve poucos esforços jornalísticos – e nenhum esforço governamental sério – para desvendar a espionagem empresarial contra a sociedade civil”, diz Ruskin.


Fonte: Outras Palavras

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

A biometria e o totalitarismo

Estranhíssima resolução da Justiça Eleitoral determina coleta de dados físicos dos cidadãos. Medida não tem justificativa razoável e pode prestar-se a fins obscuros e antidemocráticos

Por Mauro Santayana

É necessário refletir sobre Estado, Sistema e indivíduo, neste momento em que o TSE está implementando — por simples Resolução – o Recadastramento Biométrico obrigatório da população brasileira.

Bakunin nos recorda que, na maioria das vezes, a cada aumento da autoridade do Estado, corresponde igual ou maior diminuição da liberdade do cidadão. John Locke, na mesma linha, reflete que a finalidade da justiça – e da Lei – não pode ser nunca a de abolir ou restringir a Liberdade, mas sim, de fortalecê-la e aumentá-la.

E lembra que cada homem é proprietário de sua própria pessoa, e, com relação a ela, a ninguém poderá ser dado o direito de estar acima dele.

Há que se tomar cuidado com a biometria. Os nazistas a usavam para medir o crânio de ciganos e judeus, Mengele arrancava os olhos de crianças gêmeas para classificá-los pela cor da íris. Membros masculinos de prisioneiros de campos de extermínio eram amputados e guardados em vidros, cheios de formol, no “museu” de biologia racial de Munique.

O objetivo era catalogar e separar – como se fosse possível em compartimentos estanques – toda a herança genética humana estabelecida pelo acaso, durante milhares de anos.

No mundo inteiro, as mentes mais lúcidas estão se perguntando qual será o próximo passo, no controle do indivíduo pelo Sistema. Os governos espionam nossas comunicações. Softwares de reconhecimento facial são usados para reconhecer-nos na multidão. Sinais de celular são usados por drones para localizar, via satélite, seus alvos, matando, no processo, dezenas de civis inocentes.

Quando o Estado nos obrigará a deixar que nos registrem o fundo da pupila, ou recolherá o DNA de nossas bocas?

O que será feito desse banco de dados, quando concluído? Há poucos meses, não fosse pronta intervenção da Ministra Cármen Lúcia, dados pessoais de todos os eleitores brasileiros teriam sido entregues, graciosamente, pelo TSE, ao Serasa, instituição privada de controle de crédito.

O que irá ocorrer se a polícia pedir uma cópia desses arquivos? O cidadão saberá que dados recolhidos para fazer seu novo título poderão ser usados um dia contra ele? E se formos invadidos por outro país, ou, por causa de uma tentativa de golpe, voltarmos a mergulhar no autoritarismo?

Onde se esconderão nossos heróis, no futuro, se os repressores puderem identificar qualquer um, em segundos, com um simples toque do dedo de um suspeito, na passagem de uma barreira ou no meio de uma manifestação?

Quantos inocentes não teriam sido capturados, antes de conseguir escapar da Europa nazista, caso seus algozes tivessem acesso à internet, a um scanner de dedo e a um banco de dados como esse?

A essência da democracia está na possibilidade de se resistir ao Sistema quando o Sistema erra. Cada vez que tolhemos e aumentamos o controle sobre o indivíduo, fazemos o mesmo com nossos filhos e netos, e com o destino da liberdade, amanhã.

Fonte: www.maurosantayana.com

sábado, 4 de janeiro de 2014

DESAFIANDO A "MATRIX": Exortação à Dissidência


Um grupo de ex-agentes dos serviços de vigilância sobre cidadãos propõe a seus colegas: Denunciem a espionagem. Ajudem a salvar a democracia…

Por Thomas Drake, Daniel Ellsberg, Katharine Gun, Peter Kofod, Ray McGovern, Jesselyn Radach e Collen Rowley | Tradução: João Aroldo

Pelo menos desde Setembro de 2001, os governos ocidentais e agências de inteligência estão trabalhando duro para expandir o escopo de seu próprio poder, enquanto corroem a privacidade, liberdades civis e controle público da política. O que era visto como fantasias conspiratórias paranoicas, orwellianas parece, após Snowden, ser apenas parte de uma história real.

O que é realmente notável é que há anos avisávamos que essas coisas estavam acontecendo: vigilância completa de populações inteiras, militarização da internet, o fim da privacidade. Tudo é feito em nome da “segurança nacional”, o que se tornou mais ou menos uma ladainha para evitar o debate e garantir que os governos não sejam responsabilizados – que não possam ser responsabilizados – porque tudo é feito no escuro. Leis secretas, interpretações secretas de leis secretas por tribunais secretos e nenhum controle do Poder Legislativo.

Em geral a mídia deu pouca atenção , mesmo cada vez mais corajosas e de princípios revelassem segredos. A perseguição sem precedentes daqueles que contam verdades, iniciada pelo governo Bush e acelerada pelo governo Obama, foi ignorada, enquanto gente bem intencionada, em grande número, é acusadas de graves delitos simplesmente por dizer a seus concidadãos o que está acontecendo.

É uma das amargas ironias de nosso tempo que enquanto o ex-agente da CIA John Kiriakou está na prisão por revelar a tortura dos EUA, os torturadores e seus responsáveis estão livres.

Do mesmo modo, a fonte do WikiLeaks, Chelsea (antes, Bradley) Manning, foi acusada de – entre outros sérios crimes – ajudar o inimigo (leia-se: o público). Manning foi sentenciada a 35 anos de prisão, enquanto as pessoas que planejaram a guerra ilegal e desastrosa do Iraque em 2003 ainda são tratadas como dignitários.

Diversos ex-analistas da NSA vieram a público na década passada, revelando fraude em massa, vastas ilegalidades e abuso de poder na agência citada, incluindo Thomas Drake, William Binney e Kirk Wiebe. A resposta foi 100% perseguição e 0% responsabilização, tanto pela NSA quanto pelo resto do governo. Revelar segredos de facções poderosas não é algo divertido, mas apesar do pobre histórico da mídia ocidental, a divulgação ainda é a última via para um debate verdadeiro e equilibrado em defesa da democracia – essa frágil construção que, segundo Winston Churchill, é “o pior tipo de governo, com exceção de todos os outros”.

Desde o verão de 2013, o público tem testemunhado uma mudança no debate sobre esses assuntos. A razão é uma pessoa corajosa: Edward Snowden.

Snowden não só revelou a série de abusos do governo mas forneceu uma avalanche de documentos comprobatórios para alguns poucos jornalistas confiáveis. Os ecos de suas ações ainda estão sendo ouvidos pelo mundo – e ainda há muitas revelações por vir.

Para cada Daniel Ellsberg, Drake, Binney, Katharine Gun, Manning ou Snowden, há milhares de funcionários públicos que continuam com seu trabalho diário de espionar todo mundo e fornecer informações fabricadas ou mesmo inventadas ao público e ao Legislativo, destruindo tudo o que nós como sociedade defendemos.

Alguns deles podem se sentir favoráveis ao que estão fazendo, mas muitos deles são capazes de ouvir sua voz interior sobre a voz de seus líderes e políticos desonestos – e das pessoas cuja comunicação íntima eles estão monitorando.

Escondidos em escritórios de vários departamentos governamentais, agências de inteligência, forças da polícia e forças armadas há dezenas de pessoas que estão muito irritadas com aquilo em que nossas sociedades estão se transformando: no mínimo, tiranias completas.

Uma delas é você.

Você está pensando:

· Meu contrato de trabalho não me obriga a minar a democracia e a corroer liberdades civis.
· Eu cresci numa sociedade democrática e quero continuar assim.
· Eu fui ensinado a respeitar o direito das pessoas comuns, de viver em privacidade.
· Eu não quero um sistema de vigilância estratégica institucionalizada que deixaria verde de inveja a temida Stasi. (Ou quero?!)
· Por que me preocupar? O que uma pessoa pode fazer?

O que uma pessoa pode fazer?! Bem, Edward Snowden mostrou justamente o que uma pessoa pode fazer. Ele se sobressai como revelador tanto pela severidade dos crimes como pela má conduta que está divulgando ao público – e a enorme quantidade de documentos que ele nos apresentou até agora – ainda há mais. Mas Snowden não deveria ser o único, e suas revelações não deveriam ser as únicas.

Você pode ser parte da solução; forneça a jornalistas confiáveis – tanto da velha mídia (como este jornal) ou da nova mídia (como WikiLeaks) documento que provem que atividades ilegais, imorais ou dispendiosas estão acontecendo no seu trabalho.

Há poder na quantidade. Você não será o primeiro – ou o último – a seguir sua consciência e divulgar o que está sendo feito em nossos nomes. A verdade está a caminho – ela não pode ser parada. Políticos desonestos serão responsabilizados. Está em suas mãos estar no lado certo da história e acelerar o processo.

A coragem é contagiosa.

Assinado por:

Peter Kofod, ex-Escudo Humano no Iraque (Dinamarca)
Thomas Drake, ex-analista sênior da NSA (EUA)
Daniel Ellsberg, ex-analista militar (EUA)
Katharine Gun, , ex-GCHQ (Reino Unido)
Jesselyn Radack, ex-Departamento da Justiça (EUA)
Ray McGovern, ex-analista sênior da CIA (EUA)
Coleen Rowley, ex-agente do FBI (EUA)


Fonte: Outras Palavras