segunda-feira, 31 de março de 2014

50 ANOS DO GOLPE: Filme "PRA FRENTE BRASIL" (1982)

Sete lições que já deveríamos ter aprendido sobre o golpe de 1964 e sua ditadura

Há 50 anos, o Brasil foi capturado pela mais longa, cruel e tacanha ditadura de sua história. Meio século é tempo suficiente para aprendermos algo sobre isso.

Por Antonio Lassance


1ª Lição: Aquela foi a pior de todas as ditaduras

No período republicano, o Brasil teve duas ditaduras propriamente ditas. Além da de 1964, a de 1937, imposta por Getúlio Vargas e por ele apelidada de "Estado Novo".
A ditadura de Vargas durou oito anos (1937 a 1945). A ditadura que começou em 1964 durou 21 anos.
Vargas e seu regime fizeram prender, torturar e desaparecer muita gente, mas não na escala do que ocorreu a partir de 1964.
Os torturadores do Estado Novo eram cruéis. Mas nada se compara em intensidade e em profissionalismo sádico ao que se vê nos relatos colhidos pelo projeto "Brasil, nunca mais" ou, mais recentemente, pela Comissão da Verdade.
Em qualquer aspecto, a ditadura de 1964 não tem paralelo.

2ª Lição: Qualificar a ditadura só como "militar"escamoteia o papel dos civis

Foram os militares que deram o golpe, que indicaram os presidentes, que comandaram o aparato repressivo e deram as ordens de caçar e exterminar grupos de esquerda.
Mas a ditadura não teria se instalado não fosse o apoio civil e também a ajuda externa do governo Kennedy.
O golpismo não tinha só tanques e fuzis. Tinha partidos direitosos; veículos de imprensa agressivos; empresários com ódio de sindicatos; fazendeiros armados contra Ligas Camponesas, religiosos anticomunistas. Todos tão ou mais golpistas que os militares.
Sem os civis, os militares não iriam longe. A ditadura foi tão civil quanto militar. Tinha seu partido da ordem; sua imprensa dócil e colaboradora; seus empresários prediletos; seus cardeais a perdoar pecados.

3ª Lição: Não houve revolução, e sim reação, golpe e ditadura

Ernesto Geisel (presidente de 1974 a 1979) disse a seu jornalista preferido e confidente, Elio Gaspari, em 1981:

"O que houve em 1964 não foi uma revolução. As revoluções fazem-se por uma ideia, em favor de uma doutrina. Nós simplesmente fizemos um movimento para derrubar João Goulart. Foi um movimento contra, e não por alguma coisa. Era contra a subversão, contra a corrupção. Em primeiro lugar, nem a subversão nem a corrupção acabam. Você pode reprimi-las, mas não as destruirá. Era algo destinado a corrigir, não a construir algo novo, e isso não é revolução".

Quase ninguém usa mais o eufemismo “revolução” para se referir à ditadura, à exceção de alguns remanescentes da velha guarda golpista, que provavelmente ainda dormem de botinas, e alguns desavisados, como o presidenciável Aécio Neves, que recentemente cometeu a gafe de chamar a ditadura de “revolução” (foi durante o 57º Congresso Estadual de Municípios de São Paulo, em abril de 2013).
Questionado depois por um jornal, deu uma aula sobre o uso criterioso de conceitos: “Ditadura, revolução, como quiserem”.
A ditadura foi uma reação ao governo do presidente João Goulart e à sua proposta de reformas de base: reforma agrária, política e fiscal.

4ª Lição: A corrupção prosperou muito na ditadura

Ditaduras são regimes corruptos por excelência. Corrupção acobertada pelo autoritarismo, pela 
ausência de mecanismos de controle, pela regra de que as autoridades podem tudo.
A ditadura foi pródiga em escândalos de corrupção, como o da Capemi, justo a Caixa de Pecúlio dos Militares. As grandes obras, ditas faraônicas, eram o paraíso do superfaturamento.
Também ficaram célebres o caso Lutfalla (envolvendo o ex-governador Paulo Maluf, aliás, ele próprio uma criação da ditadura) e o escândalo da Mandioca.

5ª Lição: A ditadura acabou, mas ainda tem muito entulho autoritário por aí

O Brasil ainda tem uma polícia militar que segue regulamentos criados pela ditadura.
A Polícia Civil de S. Paulo, em outubro de 2013, enquadrou na Lei de Segurança Nacional (LSN) duas pessoas presas durante protestos.
A tortura ainda é uma realidade presente, basta lembrar o caso Amarildo.
Os corredores do Congresso ainda mostram um desfile de filhotes da ditadura - deputados e senadores que foram da velha Arena (Aliança Renovadora Nacional, que apoiava o regime).

6ª Lição: banalizar a ditadura é acender uma vela em sua homenagem

Há duas formas de se banalizar a ditadura. Uma é achar que ela não foi lá tão dura assim. A outra é chamar de ditadura a tudo o que se vê de errado pela frente.
O primeiro caso tem seu pior exemplo no uso do termo "ditabranda" no editorial da Folha de S. Paulo de 17 de fevereiro de 2009.
Para a Folha de S. Paulo, a última ditadura brasileira foi uma branda (“ditabranda”), se comparada à da Argentina e à chilena.
A ditadura brasileira de fato foi diferente da chilena e da argentina, mas nunca foi “branda”, como defende o jornal acusado de ter emprestado carros à Operação Bandeirantes, que caçava militantes de grupos de esquerda para serem presos e torturados.
Como disse a cientista política Maria Victoria Benevides, que infâmia é essa de chamar de brando um regime que prendeu, torturou, estuprou e assassinou?


A outra maneira de se banalizar a ditadura e de lhe render homenagens é não reconhecer as diferenças entre aquele regime e a atual democracia. Para alguns, qualquer coisa agora parece ditadura.
A proposta de lei antiterrorismo foi considerada uma recaída ditatorial do regime dos “comissários petistas” e mais dura que a LSN de 1969. Só que, para ser mais dura que a LSN de 1969, a proposta que tramita no Congresso deveria prever a prisão perpétua e a pena de morte.
O diplomata brasileiro que contrabandeou o senador boliviano Roger Pinto Molina para o Brasil comparou as condições da embaixada do Brasil na Bolívia à do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), a casa de tortura da ditadura.
Para se parecer com o DOI-CODI, a Embaixada brasileira em La Paz deveria estar aparelhada com pau de arara, latões para afogamento, cadeira do dragão (tipo de cadeira elétrica), palmatória etc.
Banalizar a ditadura é como acender uma vela de aniversário em sua homenagem.

7ª Lição: já passou da hora de parar com as homenagens oficiais de comemoração do golpe

Por muitos e muitos anos, os comandantes militares fizeram discursos no dia 31 de março em comemoração (isso mesmo) à “Revolução” de 1964.
A provocação oficial, em plena democracia, levou um calaaboca em 2011, primeiro ano da presidência Dilma. Neste mesmo ano também foi instituída a Comissão da Verdade.
A referência ao 31 de março foi inventada para evitar que a data de comemoração do golpe fosse o 1º. De abril – Dia da Mentira.
A justificativa é que, no dia 31, o general Olympio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar, em Minas Gerais, começou a movimentar suas tropas em direção ao Rio de Janeiro.
Se é assim, a Independência do Brasil doravante deve ser comemorada no dia 14 de agosto, que foi a data em que o príncipe D. Pedro montou em seu cavalo para se deslocar do Rio de Janeiro para as margens do Ipiranga, no estado de São Paulo.
A palavra golpe tem esse nome por indicar a deposição de um governante do poder. No dia 1º. De abril, João Goulart, que estava no Rio de Janeiro, chegou a retornar para Brasília. Em seguida, foi para o Rio Grande do Sul e, depois, exilou-se no Uruguai mas só em 4/4/1964. Que presidente é deposto e viaja para a capital um dia depois do golpe?
O Almanaque da Folha é um dos tantos que insistem na desinformação:
“31. Mar.64 — O presidente da República, João Goulart, é deposto pelo golpe militar”. Entende-se. Afinal, trata-se do pessoal da ditabranda.
O que continua incompreensível é o livro “Os presidentes e a República”, editado pelo Arquivo Nacional, sob a chancela do Ministério da Justiça, trazer ainda a seguinte frase:

“Em 31 de março de 1964, o comandante da 4ª Região Militar, sediada em Juiz de Fora, Minas Gerais, iniciou a movimentação de tropas em direção ao Rio de Janeiro. A despeito de algumas tentativas de resistência, o presidente Goulart reconheceu a impossibilidade de oposição ao movimento militar que o destituiu”.


De novo, o conto da Carochinha do 31 de março.
Ainda mais incompreensível é o livro colocar as juntas militares de 1930 e de 1969 na lista dos presidentes da República.
A lista (errada) é reproduzida na própria página da Presidência da República como informação sobre os presidentes do Brasil.
Nem os membros das juntas esperavam tanto. A junta governativa de 1930 assinava seus atos riscando a expressão “Presidente da República”.
No caso da junta de 1969, o livro do Arquivo Nacional diz (p. 145) que o Ato Institucional nº. 12 (AI-12)"dava posse à junta militar" composta pelos ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. Ledo engano.
O AI-12, textualmente: “Confere aos Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar as funções exercidas pelo Presidente da República, Marechal Arthur da Costa e Silva, enquanto durar sua enfermidade”. Oficialmente, o presidente continuava sendo Costa e Silva.
Há outro problema. Uma lei da física, o famoso princípio da impenetrabilidade da matéria, diz que diz que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo – que dirá três corpos.
Não há como três chefes militares ocuparem o mesmo cargo de presidente da República. Que república no mundo tem três presidentes ao mesmo tempo?
O que os membros da Junta de 1969 fizeram foi exercer as funções do presidente, ou seja, tomar o controle do governo. O AI-14/1969 declarou o cargo oficialmente vago, quando a enfermidade de Costa e Silva mostrou-se irreversível.
Os três comandantes militares jamais imaginaram que um dia seriam listados em um capítulo à parte no panteão dos presidentes. A Junta ficaria certamente satisfeita com a homenagem honrosa e, definitivamente, imerecida.

Que história, afinal, estamos contando?

Uma história que ainda não faz sentido.

Uma história cujas lições ainda nos resta aprender.

Antonio Lassance


50 ANOS DO GOLPE: "TEMPO DE RESISTÊNCIA" - Documentário completo

50 ANOS DO GOLPE: "Pra não dizer que não falei das flores" (Caminhando) de Geraldo Vandré


(Geraldo Vandré / 1968)

Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Caminhando e cantando
E seguindo a canção

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Pelos campos há fome
Em grandes plantações
Pelas ruas marchando
Indecisos cordões
Ainda fazem da flor
Seu mais forte refrão
E acreditam nas flores
Vencendo o canhão

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Há soldados armados
Amados ou não
Quase todos perdidos
De armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam
Uma antiga lição
De morrer pela pátria
E viver sem razão

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Somos todos soldados
Armados ou não
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não

Os amores na mente
As flores no chão
A certeza na frente
A história na mão
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Aprendendo e ensinando
Uma nova lição

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora

Não espera acontecer

quarta-feira, 26 de março de 2014

Žižek: O que é um autêntico evento político?

Por Slavoj Žižek.*

Em dezembro de 2013 visitei Julian Assange na embaixada equatoriana localizada logo atrás da loja Harrods em Londres. Foi uma experiência um tanto deprimente, apesar da gentileza do pessoal da embaixada. A embaixada é um apartamento de seis cômodos sem jardim anexo, de forma que Assange não pode nem dar uma andada diária ao ar livre. Ele também não pode pisar para fora do apartamento, ao corredor principal da casa – policiais esperam por ele lá. Algo como uma dúzia deles estão o tempo todo em torno da casa e em alguns dos prédios circundantes, um deles inclusive debaixo de uma pequena janela de banheiro que dá para o jardim dos fundos, caso Assange tente escapar por aquele buraco na parede. O apartamento é grampeado de cima a baixo, sua ligação de internet é suspeitosamente lenta… então como assim o Estado britânico decidiu empregar em torno de 50 pessoas em tempo integral para vigiar Assange e controlá-lo sob o pretexto legal de que ele se recusa a ir à Suécia para ser questionado sobre uma má conduta sexual leve (não há acusações legais contra ele!)? É tentador se tornar um thatcherita e perguntar: onde está a política de austeridade aqui? Se um ninguém como eu fosse procurado pela polícia sueca para uma interrogação semelhante o Reino Unido também empregaria 50 pessoas para me vigiar? A pergunta séria está aqui: de onde brota tal desejo ridiculamente excessivo de vingança? O que Assange, seus colegas e fontes denunciantes fizeram para merecer isso?

Jacques Lacan propôs como axioma da ética da psicanálise: “Não cedas de teu desejo”. Não seria esse axioma uma designação precisa dos atos dos denunciantes? A despeito de todos os riscos envolvidos na sua atividade, eles não estão dispostos a ceder – de que? Isso nos traz à noção de evento: Assange e seus colaboradores realizaram um verdadeiro e autêntico evento político – com isso, pode-se facilmente compreender a reação violenta das autoridades. Assange e seus colegas são frequentemente acusados de traidores, mas são algo muito pior (aos olhos das autoridades) – para citar Alenka Zupančič:

“Mesmo se Snowden vendesse suas informações discretamente a outro serviço de inteligência, esse ato ainda contaria como parte dos ‘jogos patrióticos, e se necessário ele seria liquidado como um ‘traidor’. No entanto, no caso de Snowden, estamos lidando com algo inteiramente diferente. Estamos lidando com um gesto que questiona a própria lógica, o próprio status quo, que por um bom tempo vem servindo de único fundamento para toda a (não)política ‘ocidental’. Com um gesto que, digamos, põe tudo a perder, sem nenhuma consideração por lucro e sem seus próprios interesses em jogo: assume-se o risco porque baseia-se na conclusão de que o que está acontecendo é simplesmente errado. Snowden não propôs nenhuma alternativa. Snowden, ou melhor, a lógica de seu gesto, assim como, digamos, o gesto de Bradley Manning –é a alternativa.”

Essa descoberta fundamental do WikiLeaks está lindamente sintetizada na auto-designação irônica de Assange como um “espião para o povo”: “espiar para o povo” não é uma negação direta da espionagem (o que seria antes agir como um agente duplo, vendendo nossos segredos para o inimigo) mas sua auto-negação, isto é, ele mina o próprio princípio universal da espionagem, o principio do sigilo, já que seu objetivo é tornar segredos públicos. Funciona portanto de forma semelhante à forma pela qual a “ditadura do proletariado” marxiana deveria ter funcionado (mas raramente o fez, é claro): como uma auto-negação iminente do próprio princípio de ditadura. Àqueles que continuam pintando o espantalho do comunismo devemos responder: o que o WikiLeaks está fazendo é a prática do comunismo. O WikiLeaks simplesmente realiza o bem comum na informação.

Na luta das ideias, a ascensão da modernidade burguesa foi exemplificada pela Enciclopédia francesa, um empreendimento gigantesco apresentando de forma sistemática todo o conhecimento disponível a um amplo público – o destinatário desse conhecimento não era o Estado mas o público como tal. Pode parecer que a Wikipédia já é a enciclopédia de hoje, mas algo falta a ela: o conhecimento que é reprimido e ignorado pelo espaço público, reprimido porque concerne precisamente a forma pela qual mecanismos estatais e agências controlam e regulam a todos nós. O objetivo do WikiLeaks deveria ser tornar esse conhecimento disponível para todos nós a um simples clique. Assange é efetivamente o d’Alambert de hoje, o organizador dessa nova enciclopédia, a verdadeira enciclopédia do povo para o século XXI. É crucial que essa nova enciclopédia adquira uma base independente internacional, para que seja minimizado o jogo humilhante de se colocar um grande estado contra outro (como Snowden tendo que buscar asilo na Rússia). Nosso axioma deve ser o de que Snowden e Pussy Riot são parte da mesma luta – que luta?

sábado, 22 de março de 2014

Ucrânia: como o blefe do Ocidente fracassou

Sob influência dos “falcões” neoconservadores, Obama lançou-se a nova aventura arrogante. Nem toda histeria da mídia ocultará sua derrota



Por Pepe Escobar, no Znet | Tradução: Antonio Martins

Vamos aos fatos, rápido e rasteiro:

1. O jogada “estratégica” do governo Obama para subcontratar, junto ao “Khaganato de Nulands1” do Departamento de Estado, e exclusão da Ucrânia da esfera de influência Russa e sua anexação subsequente à NATO está arruinada. Ela baseava-se em instrumentalizar uma coalizão de neonazistas e fascistas, pintada com verniz de banqueiro (o primeiro ministro Arseniy Yatsenyuk).

2. O contra-ataque de Moscou consistiu em evitar, na Crimeia, um repetição programada do putsch de Kiev. O referendo na Crimeia (85% de comparecimento, em torno de 93% dos eleitores a favor da reincorporação à Rússia) é fato consumado, ainda que a “tão democrática…” União Europeia continue ameaçando punir o povo por exercitar seus direitos democráticos.

3. A principal razão para todo o movimento “estratégico” dos EUA – levar seus aliados, os putschistas de Kiev, a cancelar o acordo que permite a presença de uma base naval russa em Sebastopol – virou fumaça. Moscou continua presente no Mar Negro, com pleno acesso ao Mediterrâneo Oriental.

O resto é blablablá.

Nos últimos dias, o Departamento de Estado dos EUA praticamente concordou com uma Ucrânia federativa e, em termos práticos, finlandizada2. Por sinal, é a solução proposta pelo ministro das Relações Exteriores russo, Sergey Lavrov desde o início, com atesta um documento russo. O secretário de Estado dos EUA, John Kerry vai tentar roubar todo o crédito dos russos, assim como fez na crise síria. A mídia corporativa norte-americana comprará a versão docilmente, mas não publicações independentes, como Moon of Alabama3.

terça-feira, 18 de março de 2014

UCRÂNIA E BRASIL

Adriano Benayon *

Guerra e depressão

1. O móvel da oligarquia financeira para desencadear guerras em grande escala, bem como  conflitos localizados, é ganhar mais poder, subordinando países e regiões ao império e enfraquecendo os que poderiam conter essa expansão.
2. Na 1ª e 2ª Guerras Mundiais, respectivamente França versus Alemanha e  Alemanha versus Rússia (União Soviética), as potências angloamericanas só se engajaram com intensidade,  no final,  para ocupar espaços, estando aqueles contendores desgastados.
3. As duas grandes conflagrações eclodiram após longos períodos de depressão econômica e serviram como manobra de diversão em face das consequências sociais e políticas da depressão.
4. No Século XXI, os conflitos armados grandemente destrutivos estão tornando-se mais frequentes após o golpe preparatório: a implosão das Torres Gêmeas, em setembro de 2001. 
5. Os principais alvos têm sido países islâmicos, envolvendo a geopolítica da energia. Desde 2001 o Afeganistão está sob agressão. Em 2003, destruição e ocupação do Iraque. Ataques a Sudão, Somália e Iêmen.  Em 2011 a brutal agressão e intervenção da OTAN na Líbia. Durante todo o tempo, pressão e hostilização a Síria e Irã.
6. Em 2013, a agressão à Síria foi intensificada com a  invasão por mercenários e extremistas, grandemente armados, com  participação das monarquias petroleiras do Golfo Pérsico, lideradas pela Arábia Saudita, e colaboração da Turquia e de outros membros da OTAN.
7. Mas, na Síria, o governo conseguiu resistir, com seus recursos e disposição  e  com apoio militar e político da Rússia, inclusive no Conselho de Segurança da ONU.

Ucrânia

8. O êxito, até o momento, dessa resistência, levou a potência hegemônica retornar a ataques mais incisivos contra a ex-superpotência, que busca reconstruir-se.  Daí, o recente golpe de Estado na Ucrânia.
9.  Ademais, Putin fortaleceu os laços econômicos e políticos da Rússia com a China e países da Ásia Central, frustrando a estratégia angloamericana de manter divididas e vulneráveis as potências  capazes de alguma resistência a seu projeto de governo mundial absoluto.
10. Claro que os EUA nunca deixaram de reforçar o cerco à Rússia, desde a desmontagem da União Soviética, instalando bases de mísseis em ex-aliados de Moscou, com destaque para a Polônia. Teleguiaram a “revolução laranja” na Ucrânia, em 2004, mais um marco no enfraquecimento desse país de consideráveis dimensões e recursos naturais  e população em grande parte russa.
11. Ao verem contida a intervenção na Síria – e presenciar o Irã muito pouco abalado pelas sanções e incessantes hostilizações – os EUA trataram de atingir o flanco da própria Rússia.
12. Instaram a União Europeia (UE), sua virtual satélite, a fazer ingressar nela a Ucrânia, visando a pô-la na OTAN, colocando bases militares contra a Rússia virtualmente dentro desta.
13. Entretanto, o presidente da Ucrânia, Yanukovych, constitucionalmente eleito,  não concordou em aderir à UE sem discutir as draconianas condições impostas: adotar as medidas econômicas do figurino do FMI:  cortar em metade o valor das pensões, suprimir benefícios sociais, demitir funcionários, privatizar mais patrimônio público em favor de plutocratas, tudo para pagar dívidas com bancos ocidentais.

domingo, 16 de março de 2014

Os vivos e os mortos

Por Vladimir Safatle

Cleonice Viera de Moraes, Douglas Henrique de Oliveira, Valdinete Rodrigues Pereira. Luiz Felipe Aniceto de Almeida. Esses são apenas alguns nomes de pessoas que morreram devido à atuação da polícia após o início das manifestações, em junho.

São pessoas que morreram devido a bombas de gás lacrimogêneo, que foram atropeladas ao fugir da violência policial, que caíram de viadutos quando pressionados pela Polícia Militar, entre outros casos.

Poucas pessoas ouviram esses nomes, poucos se lembram deles e não consta que suas mortes tiveram força para gerar indignação naqueles que, hoje, gritam por uma bisonha “lei de antiterrorismo” no Brasil.

Para tais arautos da indignação seletiva, tais mortes foram “acidentais”, por isso, merecem ser esquecidas.

Não há nada a se pensar a partir delas. No fundo, elas não significam nada. Mas a morte do cinegrafista, ao menos na narrativa que assola o país há uma semana, não foi um acidente infeliz e estúpido, que merece certamente ser punido de forma clara por sua irresponsabilidade.

Não, ela é a prova maior de que o Brasil caminha para o caos e que a melhor coisa a fazer é parar com o angelismo diante de “vândalos”.

Bem, é sintomático que a única resposta efetiva às demandas vindas das manifestações de junho seja uma lei que visa transformar o uso de máscaras em crime contra a segurança nacional.

Como nada foi feito a respeito das exigências de melhores serviços sociais, contra os gastos absurdos para a realização da Copa do Mundo, por democracia efetiva, melhor pedir para senadores do porte moral de Renan Calheiros (PMDB-AL) que aprovem uma lei antiterrorista.

Da minha parte, os únicos terroristas que consigo enxergar estão exatamente no Congresso Nacional.

Se querem uma nova lei, uma simples proibição – de uma vez por todas – da venda de rojões resolveria muita coisa. A melhor maneira de lutar contra a violência é com a escuta. A surdez dos governos em relação às exigências de ação, visando criar as condições para uma qualidade de vida minimamente suportável nas grandes cidades, é a verdadeira causa da violência nas manifestações.

Escutar significa, por exemplo, não prometer uma Assembleia Constituinte, depois uma reforma política e acabar por apresentar apenas o vazio.

Significa não baixar o valor das passagens de ônibus para, meses depois, quando tudo parece mais calmo, voltar com o mesmo aumento.

Significa parar de usar a morte infeliz de alguém para tentar criminalizar a revolta da sociedade brasileira.

* Publicado originalmente no jornal Folha de S.Paulo em 18 de fevereiro de 2014.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Wallerstein: crise dos “emergentes” ou do Sistema?

Novas turbulências sugerem: vivemos época de bifurcação. Em declínio, capitalismo será superado – por algo bem melhor ou bem pior que ele…

Por Immanuel Wallerstein | Tradução: Antonio Martins

Não faz muito tempo, os “especialistas” e os investidores viam os “mercados emergentes” – um eufemismo para China, Índia, Brasil e alguns outros – como salvadores da economia-mundo. Eram eles que iriam sustentar o crescimento e, portanto, a acumulação de capitais, quando os EUA, a União Europeia e o Japão declinavam, em seu papel tradicional de pilastras do sistema capitalista global.

Por isso, é chocante que, nas duas últimas semanas de janeiro, o Wall Street Journal (WSJ), o Financial Times (FT), o Main Street, a agência Bloomberg, o New York Times (NYT) e o Fundo Monetário Internacional tenham, todos, soado o alarme sobre o “colapso” destes mesmos mercados emergentes; e que tenham advertido, em especial, sobre a deflação, que poderia ser “contagiosa”. Tive a impressão de que estão em pânico, quase indisfarçável.

Primeiro, algumas palavras sobre deflação. Mercados “calmos” são aqueles em que os preços nominais não caem, e sobem devagar. Isso permite aos vendedores e compradores prever, com razoável confiança, quais suas melhores decisões. Os mercados mundiais não estão calmos há bastante tempo. Muitos analistas associam o fim desta calma à crise, em 2008, do mercado de hipotecas norte-americano. De minha parte, vou além. Penso que o declínio começou no período entre 1967 e 73, e não foi interrompido desde então.

Os mercados não estão calmos quando há deflação ou inflação significativas. Estes dois fenômenos têm, ambos, impacto nas estatísticas de emprego e, portanto, na demanda mundial efetiva por todos os tipos de produção. Se os índices de emprego real caem, por uma das duas razões, há sofrimento agudo para a vasta maioria da população e um grande aumento das incertezas, que tende a paralisar novos investimentos produtivos. Isso leva a mais sofrimento e mais paralisia, num círculo vicioso.

É claro que alguns capitalistas são capazes de tirar proveito da situação, por meio de manipulações financeiras engenhosas, envolvendo especulação. O problema é que estão fazendo uma grande aposta – que pode levar tanto à valorização maciça de seus ativos quanto à falência. Mas, pelo menos, têm uma chance de lucrar muito. Para a maioria da população mundial, o prognóstico provável é perder, às vezes maciçamente.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Em nome da democracia

POR PAULO METRI

O direito à liberdade de expressão é fundamental para a existência da democracia. Tão fundamental quanto o direito de acesso a informações confiáveis pela população. Contudo, há confusão com relação à liberdade de expressão. Recentemente, ouviu-se da apresentadora do noticiário de um canal de TV o apoio à “justiça feita com as próprias mãos” pela população, ou seja, o apoio ao julgamento sumário pela turba incontrolável de um suposto criminoso, com a imediata aplicação de pena. Ela argumenta que sua posição é respaldada pela liberdade de expressão.

Nada é dito sobre a responsabilidade no uso da liberdade de expressão. Seria um uso correto para esta liberdade, por exemplo, pregar o extermínio de grupos humanos devido à etnia, à opção sexual ou à opção religiosa? Usar este direito de forma errada é exatamente o que a apresentadora faz. Ela incita a população para a execução de crimes. O julgamento e a execução de penas, sem ser através de órgãos do Estado, por mais que este Estado esteja capturado por grupos, são crimes.

Um caso de manipulação das informações é os Estados Unidos serem citados frequentemente como exemplo de democracia no mundo. Eles são um país que, só agora, se esforça para ter um sistema de saúde mais próximo do universal. Assim, não pode ser considerado como exemplo de democracia. Exemplos de sistema de saúde universal, que funcionam, são os da Inglaterra e de Cuba.

Continuando com casos de manipulação de informações, Cuba é sempre citada como uma ditadura. Neste país, não há o multipartidarismo e, assim, nas eleições para a escolha do dirigente máximo, sempre só há um candidato. Também, para a escolha de cargos eletivos lá, só concorrem candidatos do partido único existente. No entanto, creio que o governo de Cuba satisfaz melhor aos interesses do povo cubano do que o governo dos Estados Unidos satisfaz aos interesses do povo estadunidense.