segunda-feira, 30 de maio de 2011

Assista a entrevista de Slavoj Žižek para a Globonews



Entrevista do filósofo esloveno Slavoj Žižek (pronuncia-se Slavói Gijéque) para a Globonews. Um intelectual amado e odiado pela direita e pela esquerda. Um marxista ferrenho que acredita em Jesus e prega um cristianismo sem a figura opressora de Deus.
A entrevista do repórter Jorge Pontual com Žižek foi dividida em dois programas. No primeiro, o convidado analisa as as relações entre os Estados e defende que os protestos anticapitalistas, os movimentos ecológicos, os fundamentalistas de qualquer religião, as redes terroristas e todas as manifestações sociais que estão, na verdade, reforçando um mergulho cada vez mais sem volta para um mundo do capitalismo selvagem, onde as relações financeiras é que contam.



Neste segundo programa, Žižek se concentra em sua maior paixão: o cinema! Considerado por ele como a "arte suprema", analisar como o cinema relfete, até sem querer, uma série de ideologias e perversões da sociedade que representa. Crítico ácido e ferrenho de Hollywood, Žižek não se acanha em criticar (e demolir) James Cameron, Oliver Stone, Francis Lawrence, e até mesmo Robert Wise (diretor de "A Noviça Rebelde"). Só se salvam Alfred Hitchcock e Robert Altman.

domingo, 29 de maio de 2011

Slavoj Zizek: "A liberdade da internet é falsa"

Um dos pensadores mais polêmicos da atualidade, o filósofo esloveno diz que a sociedade digital é dominada por empresas e que nela não há democracia

O filósofo esloveno Slavoj Zizek escolheu um lugar inusitado para gravar a entrevista para um documentário em São Paulo. Enquanto os produtores debatiam, Zizek sugeriu: “Por que não fazem a entrevista comigo sentado numa privada? Dizem que eu falo muita m..., então é o lugar ideal!”. O episódio resume o espírito de seu protagonista: é um provocador que sabe manipular as aparências. Profundo e às vezes até incompreensível em seus textos, Zizek recorre com frequência a temas pop para explicar suas convicções. “Kung Fu Panda, por exemplo, tem toda aquela ideologia de kung fu por trás, mas é emblemático de nossa sociedade: tudo se resume à luta e à comida”, diz ele. O polemista admite que, às vezes, é provocador: “Eu gosto de complicar as coisas”. No Brasil para uma série de palestras e o lançamento de dois livros, Zizek recebeu ÉPOCA no saguão de um hotel de luxo em Copacabana, de frente para o mar. De jeans e camiseta, bem-humorado, afirmou que não existe sociedade completamente livre, defendeu um debate sobre o modelo econômico mundial e chamou o diretor David Lynch de idiota.

ÉPOCA – O senhor tem criticado a nova tendência de armazenar as informações em grandes computadores externos (as “nuvens”), e não mais nos computadores pessoais. Isso não é paranoia?

Slavoj Zizek – Não é para transformar em paranoia, mas é um perigo. O que eu digo é que pensamos na internet como um espaço público e aberto, mas ela não é isso. É um espaço privado. Gostamos de dizer que nosso uso da internet é aberto, em contraste, por exemplo, com o que é feito na China.

ÉPOCA – Mas qualquer um pode abrir um site, escrever o que quiser...
Zizek – E isso sempre estará vinculado a alguma empresa. É uma falsa ilusão de espaço público. É mais ou menos como um shopping: é público, mas existe exclusão. O espaço é controlado por uma empresa, está dentro de uma cúpula, controlado.

ÉPOCA – Então não somos livres?
Zizek – Tudo é permitido, mas nem tanto. Recentemente, na China, eles proibiram na TV histórias que tivessem viagens no tempo e realidades alternativas. A explicação oficial é que a história é uma coisa muito séria para ser submetida a esse tipo de ficção. Na verdade, eles têm medo de que as pessoas possam simplesmente pensar que a realidade poderia ser diferente. Aqui não temos esse tipo de controle, mas existem áreas onde não é possível pensar em realidades diferentes.

ÉPOCA – Quais?
Zizek – Nós achamos que quase tudo é possível na tecnologia. Viajar pelo espaço, clonar, fazer crescer órgãos, usar células-tronco. Mas, na economia, se você propuser qualquer alternativa, eles dizem: “Não! É impossível. Você não pode nem pensar nisso”. Até a esquerda aceita que a receita liberal, do jeito que é, está certa.

ÉPOCA – Isso não é um paradoxo, já que temos informações de todas as partes do mundo, ainda mais com a internet?
Zizek – Um exemplo: como a imprensa trata a questão do Oriente Médio? A imprensa vai lá quando algo está acontecendo. O ideal seria saber o que acontece lá quando nada está acontecendo. Como é a vida quando nada que interessa à mídia está acontecendo. Aí é que estará o verdadeiro horror. De repente, do nada, ocorre algo e a mídia vai correndo e todos se perguntam: “Por que aconteceu isso?”. Não deveríamos ser tão fascinados apenas pelo que está acontecendo. Olhe o que está por trás, o que acontece quando nada acontece.

ÉPOCA – A democracia e a liberdade de escolha nos protegem?
Zizek – A democracia funciona assim: é um pacto secreto entre as pessoas e a elite. As pessoas não querem decidir de verdade. Eles querem que alguém diga o que fazer, mas querem manter a aparência de que estão decidindo. Toda pessoa tem medo de decidir. É difícil ser realmente livre e decidir. É um pesadelo. Quer dizer que você tem de assumir completamente a responsabilidade.

"Nós achamos que quase tudo é possível
na tecnologia. Mas, na economia,
se você propuser qualquer alternativa,
eles dizem que é impossível" 

  Dois livros de Zizek lançados no Brasil.
Ele analisa a cultura contemporânea

ÉPOCA – O senhor já provocou polêmica ao dizer que Hitler não foi violento o suficiente. Acha que a liberdade é poder dizer coisas assim?
Zizek – Admito que eu gosto de provocar, mas não disse isso no sentido literal. As pessoas quase tiveram um ataque do coração quando eu disse que o problema de Hitler é que ele não foi violento o suficiente. Meu ponto é simples: Gandhi foi mais violento do que Hitler. A verdadeira violência é a violência da mudança social. Hitler fez o que fez para evitar uma mudança social. Nesse sentido, ele foi basicamente um covarde, mesmo tendo matado milhões.

ÉPOCA – O que o senhor acha das críticas a Lars Von Triers, que disse que entendia Hitler?
Zizek – Não devemos ser livres para celebrar Hitler, nada disso. Claro que Hitler fez coisas horríveis. No caso de Lars tem outra questão: o artista deve ser julgado pelo que ele faz. Eu odeio essa ideia de que, se você conversar com um diretor ou com um autor, você vai descobrir algo incrível, algum segredo. O que eles sabem está no que eles produzem. Muitos deles são idiotas. David Lynch, francamente, é um idiota. Ele está agora numa empreitada para coletar milhões de dólares para construir uma imensa cúpula de meditação porque ele acha que se mais de dez pessoas meditarem num lugar isso vai liberar energia que vai trazer paz ao mundo. Mas nos filmes ele é um gênio.

ÉPOCA – O senhor também já tentou resgatar reputações como a de Lênin e Robespierre. Por que defender figuras tão controversas?
Zizek – Eu disse claramente: Lênin está morto, o comunismo do século XX é passado, foi um fracasso. Eu apenas tentei entender a tragédia do comunismo. Uma imensa onda de liberdade e emancipação explodiu e terminou como um terror impensável. Estamos cientes do que a revolução de outubro trouxe em termos de emancipação, de liberdade. Falo da revolução em si. O que veio depois, veio depois. Eu não aceito a forma como algumas figuras são pintadas.

ÉPOCA – O que acha de Bin Laden?
Zizek – Lênin, Bin Laden, onde você vê conexão? É o oposto. Como Bin Laden veio? Bin Laden era como um agente da CIA. Os Estados Unidos criaram Bin Laden. O Afeganistão era o mais tolerante dos países do Oriente Médio. Tinha uma tradição de tolerância religiosa. Havia muçulmanos, budistas, inclusive visitavam uns aos outros. Para lutar contra os comunistas, os Estados Unidos se uniram aos fundamentalistas. Olhe para os Estados Unidos. O sistema deles gerou o fundamentalismo.
 
QUEM É
Slavoj Zizek, de 62 anos, é filósofo e crítico esloveno
O QUE FEZ
É autor de vários livros. Considera sua obra-prima A visão em paralaxe, sobre o deslocamento aparente de um objeto, quando, na verdade, quem mudou de posição foi o observador
O QUE PUBLICOU
Está no Brasil para lançar os livros Primeiro como tragédia, depois como farsa e Em defesa das causas perdidas, ambos pela editora Boitempo

ENTREVISTA DO FILÓSOFO MARXISTA SLAVOJ ZIZEK AO GLOBO

“Quando as pessoas me dizem “você é um utópico”, eu digo: “a única utopia de fato é acreditar que as coisas podem seguir indefinidamente seu curso atual”.”

Slavoj Zizek e a novidade do comunismo

Sentado num hotel em Copacabana, um dia após fazer uma palestra sobre os impasses da democracia liberal para um Odeon lotado (a convite da PUC-Rio, Uerj, Boitempo e Flacso), o filósofo esloveno Slavoj Zizek parece tomado por um excedente de energia que o deixa num estado próximo à convulsão: durante uma hora de entrevista sobre seus livros “Em defesa das causas perdidas” e “Primeiro como tragédia, depois como farsa” (Boitempo, tradução de Maria Beatriz de Medina), seus braços se lançam em todas direções possíveis pontuando as respostas aceleradas, cheias de parênteses, diálogos encenados e exclamações. Ao mesmo tempo enfática e digressiva, a fala é fiel aos textos que fizeram de Zizek uma referência para a esquerda mundial, nos quais uma aproximação original dos pensamentos de Marx e Lacan serve de ferramenta para um ímpeto aparentemente inesgotável de interpretação crítica da cultura moderna e contemporânea, dos filmes de Hollywood aos pressupostos da democracia representativa até o pensamento de Deleuze ou Antonio Negri. Nessa entrevista ao GLOBO, Zizek explica (entre outras coisas) o que significa hoje ser comunista, e por que é preciso recuperar a idéia de revolução.

Seu livro “Em defesa das causas perdidas” começa pela constatação de que a ideia de revolução está hoje desacreditada no debate político. Esse descrédito, o senhor argumenta, não se explica simplesmente pelo fim da União Soviética ou pela queda do Muro de Berlim, como muitas vezes se diz. Ele estaria ligado a diversas críticas feitas no século XX às noções de verdade e totalidade. Quais são os principais argumentos dessas críticas, e como o senhor pretende contestá-los?

SLAVOJ ZIZEK: Há uma certa moda na filosofia pós-moderna de se tomar a verdade como algo opressivo, que deve ser subvertido. Questiona-se: “quem tem o direito de dizer que algo é verdade?” Em vez da verdade, existiriam apenas opiniões. Até as ciências naturais são tomadas como um fenômeno discursivo, que não teria nenhuma diferença de princípio em relação a superstições e formas de conhecimento baseadas na tradição. Discordo disso. Penso que existe a verdade, que existe a verdade universal, e que ela pode mesmo ser vista politicamente. Por exemplo, o que aconteceu recentemente no Egito foi a universalidade em sua forma mais pura. Não precisamos de nenhuma teoria multiculturalista para entender o que se passava nas ruas do Egito. Quando você tem uma rebelião pela liberdade, pode se identificar com ela de maneira imediata. Quanto à totalidade, esse é um grande mal entendido. A noção hegeliana de totalidade não significa que todos fenômenos particulares sejam no fundo parte de um mesmo todo orgânico. Não! Se você lê Hegel, vê que totalidade é quase o oposto disso. A totalidade é uma categoria crítica, que implica perceber as maneiras pelas quais um certo fenômeno dá errado como sendo parte da essência desse fenômeno. Detesto os marxistas que dizem: “Stalin traiu o verdadeiro espírito do marxismo”. Não, não se pode permitir que isso seja dito. Se as coisas deram tão terrivelmente errado com Stalin, isso significa que havia uma falha estrutural no próprio edifício de Marx. Não acredito nessa baboseira do tipo “a idéia era boa mas infelizmente foi mal realizada”. Aqui eu sou freudiano. O resultado da idéia é como um sintoma, que aponta para algo errado na idéia. Não acho que os liberais de hoje consigam admitir isso. Por exemplo, tive um debate na França com Guy Sorman, um defensor radical do capitalismo e ele dizia: “capitalismo significa justiça e democracia”. Então eu perguntei, “mas e a China hoje?”, e ele respondeu “Ah, mas isso não é capitalismo”. Isso é um pouco fácil demais. Quando você tem um capitalismo que não se encaixa no seu ideal, você diz “não, não, não é disso que se trata”. É como a piada contada por Lacan, “meu noivo nunca está atrasado pois no momento em que se atrasa ele deixa de ser meu noivo”. Claro que você pode dizer, “o comunismo é sempre democrático pois no momento em que não é democrático ele deixa de ser comunismo”. Ok, mas isso é fácil demais.

O senhor no entanto sugere em seu livro que as revoluções são violentas apenas quando não são de fato revolucionárias. Ou seja: quanto mais revolucionária for uma revolução, menos violenta ela será num sentido estrito. Poderia falar sobre isso?

ZIZEK: Escrevi num outro livro algo que me deu muitos problemas: eu disse, “o problema de Hitler é que ele não foi violento o bastante”. E as pessoas ficaram “aaai, você queria que ele tivesse matado todos os judeus?!” Não! Ele não foi violento o bastante nesse sentido autêntico, revolucionário, em que a violência significa transformação das relações sociais, e não tortura ou assassinato. Hitler matou milhões de judeus em nome da manutenção do sistema. O que estou dizendo é que não quero dar a Hitler sequer esse crédito, na linha “ele foi um criminoso, mas era um líder corajoso”. Não, ele não era. Nesse sentido, Mahatma Gandhi foi mais violento do que Hitler. Gandhi é sem dúvida um modelo de paz, mas nesse sentido básico ele foi violento, organizou protestos de massa com o objetivo de impedir o funcionamento do Estado colonial inglês na Índia. Isso é algo que Hitler nunca ousou fazer.

Os críticos da totalidade apontam um outro tipo de violência, que é a violência das idéias. Toda revolução tem pelo menos dois momentos. Um de suspensão total daquilo que é dado, o que o senhor chama de “evento”, citando o termo usado por Alain Badiou. E um segundo momento de estabelecimento de uma nova ordem. É este segundo momento que é percebido como inerentemente violento, na medida em que a nova ordem é estabelecida a partir de abstrações totalizantes que são impostas à sociedade.

ZIZEK: Sim, essa é a crítica padrão, iniciada por Edmund Burke e Joseph de Maistre. Mas, escute. A violência emerge, admito, como uma limitação desses modelos abstratos. Mas acho que essa análise é muito simplista. Há revoluções, afinal, que são bem sucedidas. Veja o milagre da democracia. Sou um crítico das democracias atuais, mas a idéia de democracia é um exemplo maravilhoso de como algo que era percebido na sociedade pré-moderna como o maior momento de perigo e instabilidade pode se tornar parte da estabilidade do novo sistema. Na época das monarquias, ou mesmo nos regimes totalitários, o momento de maior perigo se dá quando o líder morre e o trono fica vazio. Na União Soviética, quando Stalin morreu, mantiveram a morte em segredo por três dias. A idéia da democracia, no entanto, é muito engenhosa. Ela diz: “e se, em vez de tratar o fato de que o trono está vazio como um problema, nós o considerarmos uma solução? O trono está originariamente vazio, e apenas algumas pessoas eleitas democraticamente podem ocupá-lo por um certo período de tempo, de forma limitada. Ninguém tem um direito natural a ocupar o espaço do poder”. Esse é para mim um ótimo exemplo de algo que parecia violento e se torna o próprio fundamento da estabilidade. Então concordo que há um perigo das idéias, mas acho que o dia seguinte é a parte mais importante das revoluções. Não me sinto fascinado por esses momentos de grande mobilização onde todos estão nas ruas, juntos, pedindo mudança. Isso sempre me lembra da França, onde todo conservador hoje, a começa por Sarzoky, diz: “claro, em 1968 eu estive nas barricadas”. O que me interessa é o dia seguinte. A violência do dia seguinte é sinal de uma falha, mas não há sempre necessariamente violência. Se aqueles no poder resistem, é claro que deve haver alguma violência, mas apenas como forma de defesa.

O senhor argumenta, porém, que no interior do horizonte da democracia só é possível pensar em mudanças parciais, reformas...

ZIZEK: Não, aqui serei bem específico. Falo do horizonte da democracia atual. O problema é como revitalizar a democracia. Mesmo Badiou, que às vezes disse coisas malucas, como “o nome do inimigo hoje é democracia”, já especificou essa declaração, explicando que o que ele critica é o modelo atual de democracia representativa. Vou dar um exemplo. Estive na Inglaterra anos atrás, nas últimas eleições vencidas pelos Trabalhistas, quando Blair ainda era o líder do partido. Duas semanas antes da votação, houve na BBC uma grande eleição pública para se escolher a pessoa mais odiada da Inglaterra. Sabe quem ganhou? Tony Blair. E duas semanas depois, Tony Blair foi eleito. O que isso mostra? Mesmo críticos conservadores admitem isso: há uma disfunção da democracia, uma certa quantidade de energia de protesto, frustração, insatisfação, que não pode ser capturada por esses modelos tradicionais puramente partidários e representativos. E então há reações distintas a isso. Desde os “movimentos de uma questão só”, como um movimento pela redução de certos impostos, até essas revoltas aparentemente irracionais, como a queima de carros nos subúrbios de Paris. Isso deveria preocupar qualquer democrata sincero hoje. Como tornar o sistema democrático mais eficiente, de modo que não se tenha explosões de descontentamento que dão expressão a uma energia não capturada pela representação política?

Mas a criação de novos canais de expressão ou atuação política pode ser defendida dentro de uma agenda democrática puramente reformista. Por que seria necessário então recuperar, como o senhor propõe, a noção de revolução?

ZIZEK: Mas espere um minuto, por revolução não quero dizer estado de emergência, polícia revolucionária etc. Por revolução quero dizer apenas, num sentido puramente formal, mudança radical. Talvez nem mesmo uma mudança radical veloz. A revolução seria, simplesmente, por exemplo, que as pessoas no Japão ameaçadas pela radiação nuclear se unissem e exigissem algum tipo de regulação internacional eficiente... Revolução para mim é mudança nas relações sociais de poder.

Um lento processo de transformação não seria o oposto do “evento”, do qual fala Badiou?

ZIZEK: Badiou é muito preciso: para ele, um evento é algo que só pode ser reconhecido retroativamente. E aqui entra o que ele chama de fidelidade ao evento. Não é o grande evento, mas esse trabalho paciente de busca por novas formas, a reinscrição do evento na forma do ser, da vida cotidiana. Para mim, foda-se a revolução, o que me interessa é aquilo que permanece. Não ligo para o que aconteceu na Praça Tahrir. O que me importa é o que vai permanecer daquilo daqui a cinco anos. Nesse sentido, o evento é apenas um ponto de início mítico que abre um certo horizonte de atividade política, e esse é o verdadeiro trabalho, lento e duro. Badiou faz uma referência maravilhosa na qual ele lê esse processo revolucionário segundo as qualidades cristãs definidas por São Paulo: fé, esperança e amor, das quais o amor é a mais importante. Badiou diz: fé é a fé no evento, no sentido de que algo novo é possível; esperança é a esperança de que chegaremos ao objetivo; e amor é para Badiou, como disse São Paulo, o trabalho do amor. O que significa trabalho paciente. É disso que precisamos hoje. Deixe-me dar um exemplo: Obama. Gostei de Obama no começo, e mesmo agora ainda gosto dele em alguma medida, mas sabe por quê? John McCain falava uma língua que para mim era revolucionária de modo apenas superficial. Ele dizia “temos inimigos, como a burocracia, devemos combatê-los e tudo vai dar certo”. Obama, por sua vez, dizia: “nós temos problemas sérios e o que precisamos é de trabalho paciente”. Essa reabilitação do trabalho cinzento diário, talvez a esquerda precise de um pouco disso, não? 

O comunismo vai vencer, como o senhor disse ao jornal inglês “The Guardian”?

ZIZEK: Ah, isso é uma provocação. Quis dizer: o comunismo vai vencer ou então estaremos todos na merda. Você tem que dizer algo assim de vez em quando para fazer as pessoas pensarem. Ainda sou um comunista, mas não um continuísta. O século XX acabou. O resultado geral do comunismo foi um fiasco. A social-democracia foi boa enquanto funcionou, mas está hoje em crise. E a lição do sucesso econômico da China e de Cingapura é que o casamento aparentemente eterno entre capitalismo e democracia está se desfazendo. Temos aqui uma forma de capitalismo ainda mais dinâmica do que o capitalismo ocidental, e que funciona perfeitamente em condições autoritárias. Isso deveria nos preocupar. A razão por que me considero ainda um comunista é que vejo uma série de problemas para os quais não há solução possível dentro do modelo do capitalismo liberal global. Entre eles, a questão ambiental, a biogenética, a propriedade intelectual. Para enfrentá-los vamos precisar de um esforço coordenado de larga escala, algo de que nem o mercado nem o Estado tradicional são capazes. Quando as pessoas me dizem “você é um utópico”, eu digo: “a única utopia de fato é acreditar que as coisas podem seguir indefinidamente seu curso atual”. É claro por exemplo que se a China continuar se desenvolvendo na escala atual haverá uma demanda materialmente impossível de se atender. Para mim, comunismo é o nome de um problema. Todos esses problemas são problemas de algo comum (“problems of commons”), de algo que deveria ser compartilhado por todos nós. É uma alegação muito modesta.

Fonte: Prosa e Verso, O Globo em 28/05/2011.

sábado, 28 de maio de 2011

Eduardo Galeano: 'Dois séculos de conquistas estão sendo jogados no lixo'

"Esse é um dos dramas do nosso tempo. Dois séculos de lutas operárias que conquistaram direitos muito importantes para a classe trabalhadora, estão sendo jogados na lata de lixo por governos que obedecem à uma tecnocracia que se julga eleita pelos deuses para governar o mundo. É uma espécie de governo dos governos, como este senhor que agora parece que se dedica a violar camareiras, mas antes violava países e era aplaudido por isso".
Em entrevista ao programa "Singulars", da Televisão da Catalunha (TV3), o escritor uruguaio Eduardo Galeano fala sobre as manifestações dos últimos dias que levaram milhares de jovens para as ruas de diversas cidades espanholas. Galeano esteve em Madri e pode presenciar ao vivo as mobilizações na Porta do Sol. Disponibilizamos abaixo a entrevista concedida ao jornalista Jaume Barberà e destacamos alguns trechos da fala de Galeano:
"Há hoje em quase toda a América Latina um problema visível e preocupante que é o divórcio entre os jovens, as novas gerações, e o sistema político, o sistema de partidos vigente. Eu não reduziria a política à atividade dos partidos, por que ela vai muito mais além, mas isso é preocupante mesmo assim".
"Nas últimas eleições chilenas, por exemplo, 2 milhões de jovens não votaram. E não votaram porque não se deram ao trabalho de fazer o registro eleitoral. Suponho que a maioria não fez o registro por que não acredita nisso. E me parece que isso não é culpa dos jovens. Neste sentido, gostei muito de ter presenciado essas manifestações que tive oportunidade de ver na Porta do Sol".
"Um dos lemas que ouvi era 'com causa e sem casa', o que é muito revelador da situação atual. Muitos daqueles jovens ficaram sem casa e sem trabalho. Isso deve ser levado em conta. Esse é um dos dramas do nosso tempo. Dois séculos de lutas operárias que conquistaram direitos muito importantes para a classe trabalhadora, estão sendo jogados na lata de lixo por governos que obedecem à uma tecnocracia que se julga eleita pelos deuses para governar o mundo".
"É uma espécie de governo dos governos, como este senhor que agora parece que se dedica a violar camareiras, mas antes violava países e era aplaudido por isso. É essa estrutura de poder, muitas vezes invisível, que de fato manda. Por isso, quando se consegue aglutinar vozes capazes de dizer 'basta' a primeira coisa a fazer é ouvi-las com respeito, sem desqualificá-las de antemão e saber esperar. Esses jovens não parecem esperar ordens de ninguém. Agem espontaneamente, aliando razão à emoção. Como vai acabar isso? Não sei. Talvez acabe logo, talvez não. Vamos ver".
"O mundo está preso em um sistema de valores que coloca o êxito acima de todas as virtudes. Ele é uma fonte de virtudes. Em troca, condena o fracasso. Perder é o único pecado para o qual, no mundo de hoje, não há redenção. Estamos condenados a ganhar ou ganhar. Os dois homens mais justos da história da humanidade, Sócrates e Jesus, morreram condenados pela Justiça. Os mais justos foram condenados pela Justiça. E nos deixaram coisas muito importantes como amor e coragem".
Fonte: Diário Liberdade

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Professora revela o drama vivo da educação pública no Brasil




Vídeo com mais de 1 milhão de visualizações no Youtube com o protesto da professora Amanda Gurgel, do Rio Grande do Norte, comove o Brasil não por falar da situação da educação no RN, mas por pintar um quadro vivo do drama vivido pelos professores em todo país. Pelo eco que o protesto encontrou, a educação está longe de ser uma prioridade para qualquer governo tupiniquim.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Palocci é jênio!


Por Gilberto Maringoni

Para começar, assunto encerrado. Vamos parar com calúnias e maledicências! O ministro dr. Antonio Palocci Filho é um talento sem igual na área de consultorias. Aliás, dizer que um talento desse coturno faz consultoria é desvalorizar alguém muito conceituado no mercado, como ele mesmo diz. Dr. Palocci faz é parceria público-privada. Nunca em público, frise-se, sempre em privado. O dr. Palocci é, em si, uma parceria público-privada.

Dr. Palocci não é pessoa de trato difícil. É um facilitador. Vende o produto certo para quem procura o incerto. Comercializa facilidades. A coisa está difícil? Nada funciona? Precisa de um empurrãozinho? Procure o dr. Palocci e tudo se facilita

O dr. Palocci é o homem certo no lugar certo. Mostrou na prática que o povo brasileiro está melhorando de vida. Deve ter sido convidado para assumir uma pasta no governo com a missão estrita de multiplicar também por vinte a renda do brasileiro.

Dr. Palocci é um desenvolvimentista, ao contrário do que muitos pensam. Seu patrimônio se desenvolveu a olhos vistos.

Assunto encerrado.

A ótica da ética

Não bastasse, o Dr. Antonio Palocci Filho é um altruísta! Um ético, como poucos. Praticamente fechou a própria empresa, a Projeto. Num caso inédito na história do capitalismo, o dr. Antonio Palocci encerrou as contas de uma empresa no auge de seu sucesso.

Até os dias que correm, o usual tem sido uma empresa parar com suas atividades quando o lucro cessa, as dívidas travam sua atuação e a situação aperta. Pois a empresa Projeto não só lucrou R$ 20 milhões em quatro anos, como desse montante a metade foi amealhada entre novembro e dezembro de 2010, mês de fechamento do estabelecimento. Perguntem a qualquer empresário o que faria com uma empresa dona de tão retumbante trajetória, caso não desejasse continuar no balcão. Teria duas alternativas: a) venderia o ponto, b) deixaria tudo nas mãos de um sócio.

Para não entrar em conflito de interesses, o dr. Palocci o que fez? Fechou o estabelecimento. Uma ética a toda prova. Muito valorizada no mercado.

Assunto encerrado.

Mais com menos

Homem de rara competência, o dr. Palocci faz o que prega: mais com menos. Outras consultorias, menos afeitas ao seu ramo de atividades, contam com mais de cem funcionários, para apenas alcançar resultado semelhante ao da Projeto. Pois o dr. Palocci, austero e comedido, prova que nada disso é necessário. Se competência há, basta um lugarzinho ali pelos Jardins, uma telefonista e ele mesmo. Que devia dar expediente durante a noite e aos fins de semana, de vez que seguia em profícua carreira parlamentar enquanto o botequim crescia.

Várias personalidades da República já atestaram a inocência de Antonio Palocci. São homens da estatura moral e cívica de um dr. Candido Elpídio de Souza Vaccarezza, de um dr. Michel Temer, de um dr. Paulo Maluf. Surpresas nos aguardam nas próximas horas.

O dr. Palocci disse que ex-ministro tem muito valor no mercado. Olha aí uma boa idéia que ele mesmo nos dá. Com certeza, a essa hora, o dr. Palocci já deve estar pensando em se tornar ex-ministro. Tá valorizado à beça...

E a empresa dele chama-se Projeto. Já pensou se fosse Obra Pronta?

Assunto encerrado, pô!


* Gilberto Maringoni é jornalista.

Fonte: Correio da Cidadania

domingo, 22 de maio de 2011

Fatah ignora Obama e luta pelo reconhecimento de Estado palestino

Nabil Shaat, um dos principais assessores do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, disse neste sábado (21) que os palestinos vão seguir adiante com o plano de pedir à ONU em setembro o reconhecimento de um Estado de acordo com as fronteiras de 1967. Segundo Shaat, a medida será tomada apesar da oposição do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.

Em discurso sobre a política americana em relação ao Oriente Médio, pronunciado na quinta-feira, Obama afirmou que "ações simbólicas para isolar Israel na votação da ONU em setembro não vão criar um Estado independente".

Um dos principais líderes do Fatah — partido do presidente Abbas —, Shaat também reagiu ao pronunciamento do primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, feito durante encontro com Obama na sexta feira. Netanyahu rejeitou o chamado de Obama por um acordo de paz com os palestinos baseado nas fronteiras pré-1967, afirmando que Israel está pronto para fazer concessões, mas que não a paz "baseada em ilusões".

As fronteiras de 1967 referem-se ao traçado existente antes da Guerra dos Seis Dias, na qual Israel ocupou a Cisjordânia e Jerusalém Oriental, que pertenciam à Jordânia, além da Faixa de Gaza e da Península do Sinai (sob controle do Egito) e das Colinas de Golã (da Síria). "Não penso que podemos falar sobre um processo de paz com um homem que afirma que as fronteiras de 1967 são uma ilusão, que Jerusalem é indivisível e que não quer o retorno de um refugiado palestino sequer", disse Shaat.

Hamas

Segundo o porta-voz de Abbas, Nabil Abu Rodeina, os palestinos pedirão a Obama que pressione Israel a aceitar as fronteiras de 1967. Rodeina também disse que a posição de Netanyahu significa "uma rejeição oficial" à iniciativa do presidente americano.

Já o grupo Hamas, que controla a Faixa de Gaza, declarou que o discurso de Netanyahu em Washington "demonstra que as negociações com Israel seriam inúteis". Segundo o porta-voz do grupo, Sami Abu Zuhri, o pronunciamento de Netanyahu prova que "é um erro acreditar que algum acordo seria possível. O Hamas não vai reconhecer a ocupação israelense em qualquer parte da Palestina”.

Entrevista de Barack Obama à BBC sobre a política de seu governo para o Oriente Médio



Em entrevista exclusiva à BBC o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama fala sobre Oriente Médio, a morte de Bin Laden, a relação com o Paquistão, a guerra no Afeganistão, as revoltas populares nos países árabes, a paz entre Israel e um futuro Estado palestino.

Obama repetiu na entrevista o que afirmou no discurso sobre o Oriente Médio, dizendo que as chamadas fronteiras de 1967 devem ser a base da negociação para o estabelecimento de um Estado palestino.
"A base para negociações envolverá olhar para as fronteiras de 1967, reconhecer que as condições mudaram e que será necessário trocas para acomodar os interesses de ambos os lados", disse Obama à BBC.

Mas advertiu que qualquer tentativa de autoridades palestinas de pedir à ONU o reconhecimento formal de um Estado será apenas "um esforço simbólico" e "pouco realista".

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Sinais invertidos de uma sociedade à deriva

Oscarino Arantes
Embora de certo modo tardiamente, o STF enfim reconheceu a união civil homoafetiva, com todas as conseqüências jurídicas e patrimoniais decorrentes. Não se podia mais ignorar um fato social como as relações entre pessoas do mesmo sexo. Toda democracia que se preze, funda-se no governo da maioria, assegurado o direito das minorias. Porém outro fundamento tão importante quanto, derivado deste, é a garantia do dissenso, em outras palavras, o direito de expressar opinião divergente. E aí onde quero chegar. O deputado federal Jair Bolsonaro, experimentado parlamentar camisa verde, com seu discurso reacionário década de 70, rotulado de “homofóbico”, passou a ser atacado diuturnamente e acendeu a discussão a respeito do tema liberdade de opinião.
Veja bem, não me afino com as idéias do ilustre deputado, se é possível considerar como “idéias” o que ele costuma propagar. Concordo que não cabe ao Estado ou à sociedade intervir na intimidade de um individuo ou de um grupo, para pautar preferências de comportamento sexual. Bastam as regras de conduta para garantir uma relativa paz social. Acredito que uma pessoa deve ser livre para decidir sobre seu corpo e como realizar suas experiências sentimentais. O mesmo sobre a disposição patrimonial subjacente a uma união. Mas não posso concordar com o projeto da “criminalização da homofobia”, que é de uma estupidez ímpar. Não me considero homofóbico por isso, mas entendo quem não se sente à vontade com seus filhos em um local público onde um casal gay esteja aos beijos. Opinião minha, direito meu de tê-la. Nem por isso, creio, mereço a fogueira da inquisição arco-íris. Interessante é ver os sinais invertidos de várias pessoas, ditas celebridades, que enquanto defendem a “criminalização da homofobia”, pregam a “descriminalização das drogas”. Daqui a pouco será proibido ser hetero ‘careta’. Vivemos uma contumaz inversão de valores, característica típica de uma sociedade à deriva.
Assegurar o direito de uma minoria não pode ser à custa da liberdade de opinião da maioria. No Brasil do excesso de “direitos” tutelados pelo Estado, as minorias não se contentam em ser o que são: minoria. Não lhes basta a garantia de seus direitos, mas fazem questão de impor seu modus vivendi, até ostensivamente, sobre a maioria. Acontece que apesar de todo esforço ‘pasteurizador’ da rede Globo, o Brasil ainda não pensa com a cabeça ‘descolada’ da Zona Sul carioca. O modelo ‘Cazuza’ está longe de ser compatível com o brasileiro médio comum.
Por tudo isso, creio que estão exagerando na reação contra o reacionário deputado Bolsonaro. Certo ou errado é direito dele. Estamos numa democracia e o único meio concreto de um indivíduo experimentar a liberdade numa sociedade democrática é através do direito de divergir, premissa básica do dissenso. Mais do que qualquer outra liberdade assegurada, esse direito revela a maturidade de uma sociedade na construção de seu ideal democrático, que permite a crítica como parte de sua dimensão política e cultural. É muito mais do que a livre manifestação de pensamento. É o direito de discordar, discutir e até refutar com ações contrapostas qualquer pensamento manifestado, seja ele de uma pessoa, de um grupo, do governo ou do próprio Estado. Para encerrar lembro o que disse Voltaire: “Não concordo com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte vosso direito de dizê-lo.”

Chomsky: Minha reação ante a morte de Osama

*Noam Chomsky

Fica cada vez fica mais evidente que a operação tratou-se de um assassinato planejado, violando de múltiplas maneiras normas elementares do direito internacional. Aparentemente, não houve qualquer tentativa de aprisionar a vítima desarmada, o que presumivelmente 80 soldados poderiam ter feito sem trabalho, já que virtualmente não enfrentaram nenhuma oposição - exceto, como afirmaram, a da esposa de Osama Bin Laden, que se atirou contra eles.
Em sociedades que professam algum respeito pela lei, os suspeitos são detidos e passam por um processo justo. Sublinho a palavra “suspeitos”. Em abril de 2002, o chefe do FBI, Robert Mueller, informou à mídia que, depois da investigação mais intensiva da história, o FBI só podia dizer que “acreditava” que a conspiração foi tramada no Afeganistão, embora tenha sido implementada nos Emirados Árabes Unidos e na Alemanha.

O que apenas acreditavam em abril de 2002, obviamente não sabiam oito meses antes, quando Washington desdenhou ofertas tentadoras dos talibãs (não sabemos a que ponto eram sérias, pois foram descartadas instantaneamente) de extraditar a Bin Laden se lhes mostrassem alguma prova, que, como logo soubemos, Washington não tinha. Portanto, Obama simplesmente mentiu quando disse, em sua declaração na Casa Branca, que “rapidamente soubemos que os ataques de 11 de setembro de 2001 foram realizados pela Al Qaeda.

Desde então, não foi revelado nada mais sério. Falou-se muito da “confissão” de Bin Laden, mas isso soa mais como se eu confessasse que venci a Maratona de Boston. Bin Laden alardeou um feito que considerava uma grande vitória.

Também há muita discussão sobre a cólera de Washington contra o Paquistão, por este não ter entregado Bin Laden, embora seguramente elementos das forças militares e de segurança estivessem informados de sua presença em Abbottabad. Fala-se menos da cólera do Paquistão por ter tido seu território invadido pelos Estados Unidos para realizarem um assassinato político.

O fervor antiestadunidense já é muito forte no Paquistão e esse evento certamente o exarceba. A decisão de lançar o corpo ao mar já provoca, previsivelmente, cólera e ceticismo em grande parte do mundo muçulmano.
Poderíamos perguntar como reagiríamos se comandos iraquianos aterrisassem na mansão de George W. Bush, o assassinassem e lançassem seu corpo no Atlântico. Sem deixar dúvidas, seus crimes excederam em muito os que Bin Laden cometeu, e não é um “suspeito”, mas sim, indiscutivelmente, o sujeito que “tomou as decisões”, quem deu as ordens de cometer o “supremo crime internacional, que difere só de outros crimes de guerra porque contém em si o mal acumulado do conjunto” (citando o Tribunal de Nuremberg), pelo qual foram enforcados os criminosos nazistas: os centenas de milhares de mortos, milhões de refugiados, destruição de grande parte do país, o encarniçado conflito sectário que agora se propagou pelo resto da região.

Há também mais coisas a dizer sobre Bosch (Orlando Bosch, o terrorista que explodiu um avião cubano), que acaba de morrer pacificamente na Flórida, e sobre a “doutrina Bush”, de que as sociedades que recebem e protegem terroristas são tão culpadas como os próprios terroristas, e que é preciso tratá-las da mesma maneira. Parece que ninguém se deu conta de que Bush estava, ao pronunciar aquilo, conclamando a invadirem, destruírem os Estados Unidos e assassinarem seu presidente criminoso.

O mesmo passa com o nome: Operação Gerônimo. A mentalidade imperial está tão arraigada, em toda a sociedade ocidental, que parece que ninguém percebe que estão glorificando Bin Laden, ao identificá-lo com a valorosa resistência frente aos invasores genocidas.

É como batizar nossas armas assassinas com os nomes das vítimas de nossos crimes: Apache, Tomahawk (nomes de tribos indígenas dos Estados Unidos). Seria algo parecido à Luftwaffe dar nomes a seus caças como “Judeu”, ou “Cigano”.

Há muito mais a dizer, mas os fatos mais óbvios e elementares, inclusive, deveriam nos dar mais o que pensar.

* Noam Chomsky é professor emérito do Departamento de Linguística e Filosofia do MIT. Artigo publicado originalmente no Guernica Magazine, e reproduzido no Portal Vermelho.

sábado, 7 de maio de 2011

Os pilares da mentira

por Mauro Santayana, no Jornal do Brasil
Em suas memórias, Known and Unknown, A Memoir, recém publicadas (Nova York, 2011), Donald Rumsfeld conta, nas páginas 208-209, o momento patético da Queda de Saigon. Ele era chefe de gabinete de Gerald Ford, que assumira o governo depois da renúncia de Nixon e devia administrar a humilhante derrota.

Segundo Rumsfeld, Kissinger assegurava, no Salão Oval, que a evacuação de Saigon já se completara, com a saída do Embaixador Graham Martin que – tal como os comandantes dos navios que naufragam – devia ser o último a escapar, quando se soube que não era verdade. O diplomata escapara antes que personalidades do governo títere e derrotado de Saigon invadissem a embaixada e esbaforidas, tentassem ocupar os últimos helicópteros, disputando espaço com os norte-americanos em fuga. Antes da reunião, o fotógrafo da Casa Branca, David Kennerly, veterano do Vietnã, saudara Ford com duas frases: “A boa notícia é que a guerra acabou. A má notícia é que a perdemos”.

Segundo o autor, alguém sugeriu que não se devia corrigir a falsa informação de Kissinger, e se ajustasse nova versão ao pronunciamento do Secretário de Estado. Rumsfeld diz ter sido contra, lembrando que tudo o que havia sido dito ao povo norte-americano não fora simplesmente a verdade. “Esta guerra tem sido marcada por muitas mentiras e evasivas, e, assim, não há o direito de terminá-la com uma última mentira” – ele teria dito. Ford mandou o secretário de imprensa, Ron Nessen, dizer a verdade aos jornalistas.

No passado, a mentira podia durar muito, embora sempre tivesse pernas curtas. Em nosso tempo, os segredos podem ser guardados, como os da morte de Kennedy, mas a suspeita da mentira é tão danosa quanto a sua revelação. Os Estados Unidos sempre mentiram, a fim de tentar legitimar sua política agressiva. Todos os golpes de Estado, patrocinados pelos norte-americanos em países estrangeiros, ocorreram sob pretextos falsos. Não é necessário ir muito longe: a guerra contra o Afeganistão e o Iraque foi montada sobre os pilares das mentiras mais reles. Saddam Hussein podia ter sido cruel com os inimigos, mas o seu governo era o mais laico e menos obscurantista da região. Depois da guerra contra o Irã, ele abandonara todas as armas químicas. Não dispunha de recursos técnicos para a produção de bombas atômicas. Fotos foram adulteradas, indicando reatores clandestinos, forjaram-se depoimentos, e essas “provas” arranjadas levaram um homem tido como sério, o general Colin Powell, a mentir diante das Nações Unidas.

Poucas horas depois da morte de Bin Laden, começam a se confirmar suspeitas iniciais e perturbadoras. O saudita foi morto desarmado – e poderia ter sido capturado vivo. No avesso da lógica e da ética, Washington diz que não é preciso que o suspeito esteja armado para resistir à prisão. Osama “resistiu”, de mãos nuas, aos soldados protegidos por uniformes à prova de bala e dotados de armas potentes. O saudita tinha que ser morto, antes que pudesse dizer qualquer coisa ao mundo.

O bom senso internacional, passado o entusiasmo frenético diante da execução, começa a prevalecer, para qualificar o ato como agressão criminosa contra o povo do Paquistão e seu governo. Obama declara que agiu em defesa de seu país – e ponto. Foi como dissesse: “tenho o poder e dele faço o que quiser”.

Conta-se que, em Ialta, Churchill propôs que Hitler fosse executado tão logo reconhecido pelas tropas aliadas. Com ironia, Stalin se opôs: na União Soviética se respeitava o direito a um julgamento, conforme “o devido processo da lei”.

Como se sabe, Hitler se antecipou, matou-se com sua pistola, depois de determinar aos auxiliares que queimassem o cadáver – o que fizeram, em uma pira de molambos embebidos de gasolina.


sexta-feira, 6 de maio de 2011

DOIDICES FEDERAIS

Por Ronald Santos Barata
O IPEA-Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, órgão do Ministério do Planejamento, divulgou que a carga tributária dos ricos é da ordem de 22,7% enquanto os pobres sofrem com 32,8%. É a “justiça social” que os donos do poder propiciam. A maior carga se dá nos impostos indiretos, enquanto o Imposto de Renda tem apenas quatro faixas, 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%. Quem ganha R$ 5.000,00 mensais sofre o mesmo percentual de quem recebe R$ 50.000,00 ou R$ 500.000,00. Já tivemos treze faixas; hoje, somos o único país na América do Sul com essa perversa forma de concentrar renda.

Discute-se uma Reforma Tributária que poderia propiciar distribuição de renda. Para isso, um dos pressupostos seria reduzir os impostos indiretos, principalmente os que incidem sobre a cesta básica e colocar os impostos diretos em patamares justos. Entretanto, a proposta do governo penaliza a Seguridade Social, quando propõe acabar com a CONTRIBUIÇÃO patronal previdenciária sobre a Folha Salarial, transferindo-a para o IVA-Imposto s/ Valor Agregado ou outro nome. Sendo IMPOSTO, deixará de ser receita exclusiva da Seguridade; a arrecadação irá para o Tesouro e os Estados e municípios terão direito a uma parcela.

DOAÇÕES DISFARÇADAS

O governo Lula criou, em maio/2008, a PDP-Política de Desenvolvimento Produtivo em substituição à fracassada PITCE-Política Industrial Tecnológica e do Comércio Exterior, implantada em 2004, que concedeu incentivos à área da tecnologia da informação, com a redução do custo trabalhista. Visava a que as exportações de software passassem de R$ 100 milhões por ano para R$ 2 bilhões. Não funcionou, mas aumentou os lucros das empresas, concentrando renda e sem aumentar investimentos.

À indústria de hardware (multinacionais) foram concedidos incentivos de R$ 3 bilhões em 2006, com base na Lei de Informática e, praticamente, nada investiram. Essas indústrias apenas montam os insumos importados de suas matrizes.

Depois de ter dispensado R$ 2 bilhões por ano da CIDE-Contribuição de Domínio Econômico, para impedir o aumento do preço da gasolina, a PDP-Política de Desenvolvimento Produtivo concedeu à indústria, incentivos de R$ 21 bilhões em três anos. Novamente outorgou benefícios à área de exportadores de software, com redução do custo trabalhista.

Essa política industrial, a PDP, além dos incentivos, estabeleceu a meta de o BNDES emprestar, até 2010, R$ 210 bilhões, a juros da TJLP (6%), mais baixo que a Selic. Pretendia aumentar o nível de investimentos de 18% do PIB para 21% e crescer o volume de exportações. Apenas expectativas! Nada de concreto como a política industrial de Getúlio Vargas que criou a CSN, a Vale do Rio Doce, o BNDE etc. Não há planejamento estratégico para o país, nem projeto de futuro. Em outro artigo, mostrarei a farra com dinheiros públicos, através do BNDES.

O governo Lula, tal como FHC, perdoou dívidas dos grandes proprietários rurais, especialmente do agronegócio. É a ladainha que se repete todo ano, concedendo beneplácito a esses chupa-sangue que não investem nem em pesquisa e desenvolvimento, deixando essa tarefa para o Estado, através da EMBRAPA. E sempre há um pacote de mais benefícios para os ruralistas.

Apenas uma das quatro grandes metas estabelecidas pela PDP obteve êxito, que foi o aumento da participação das exportações brasileiras. Não foi atingida a meta de aumento de investimentos do empresariado nacional em pesquisa e desenvolvimento, A outra, de aumentar a participação da Formação Bruta de Capital Fixo sobre o PIB, também não foi alcançada. E não conseguiu expandir o número de pequenas e médias empresas nas exportações que, em vez de crescer 10% até 2010, transformou-se em queda de 16%.

É de pasmar como a propaganda repetitiva transforma fracassos em grandes vitórias.

Mas a mudança de governo leva a novas políticas. O governo Dilma, anuncia que vai lançar, em maio, uma nova diretriz para a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP).

O FUNDO SOBERANO

Além de tudo isso, em dezembro/2008, foi criado o Fundo Soberano, vinculado ao Ministério da Fazenda, mas gerido por um Conselho Deliberativo composto pelo Ministro da Fazenda, Ministro do Desenvolvimento e o presidente do Banco Central. Tem a finalidade de propiciar empréstimos subsidiados a empresas que atuam no exterior, criar poupança pública e amortecer eventuais crises econômicas (medida anticíclica). Não pode ser utilizado para despesas correntes, mas para promover a internacionalização das empresas brasileiras. Vem sendo usado no mercado cambial, em compra de dólares.

No ato do lançamento, disse o Ministro da Fazenda que o Fundo seria composto das sobras do superávit primário (não inclui o pagamento dos juros da dívida). Mas houve déficit nominal; o nível de poupança nacional é baixíssimo e a dívida pública é elevadíssima. Portanto, não se compreende como havia dinheiro sobrando para o FS. Todavia, a crise econômico-financeira da época levou Lula a suspender e só foi regulamentado em 29/12/2009.

Se realmente houvesse sobra, deveria ser utilizada para construção de rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, navios mercantes, silos, saneamento etc.

O total mundial em Fundos Soberanos é de US$ 3,8 trilhões e o do Brasil tem US$ 16 bilhões. É o 34º na escala mundial. O maior é o dos Emirados Árabes, com US$ 875 bilhões, seguido do norueguês (350 bi) e o de Singapura (330 bi). Todos foram formados com receitas de exportação, principalmente de petróleo. O do Brasil foi formado com R$ 14 bilhões de títulos do Tesouro, hoje acrescido dos juros. O que mais crescia nos últimos anos era o da Líbia, com US$ 70 bilhões que chegam a 150 com outras reservas. É o outro motivo da cobiça dos países imperialistas além das reservas de petróleo de 60 bilhões de barris.

CONCLUSÃO

Usam o dinheiro dos nossos impostos para doações a grandes empresas e para efetuar empréstimos para projetos no exterior, com o próprio governo como garantidor.

E ainda querem criar mais um imposto: a volta da CPMF (já abordei em artigo anterior). E apesar de ter aumentado o IOF e a CSLL. A expectativa de arrecadação com a nova CPMF é menor que as isenções concedidas na PDP.

Ronald Santos Barata (em abril de 2011)