sexta-feira, 28 de junho de 2013

O caráter das novas manifestações



Nutro a convicção de que a partir de agora se poderá refundar o Brasil a partir de onde sempre deveria ter começado, a partir do povo mesmo que já encostou nos limites do Brasil feito para as elites.

Por Leonardo Boff

"Estou fora do país, na Europa a trabalho e constato o grande interesse que todas as mídias aqui conferem às manifestações no Brasil. Há bons especialistas na Alemanha e França que emitem juízos pertinentes. Todos concordam nisso, no caráter social das manifestações, longe dos interesses da política convencional. É o triunfo dos novos meios e congregação que são as mídias sociais.

O grupo da libertação e a Igreja da libertação sempre avivaram a memória antiga do ideal da democracia, presente, nas primeiras comunidades cristãs até o século segundo pelo menos. Repetia-se o refrão clássico: "o que interessa a todos, deve poder ser discutido e decidido por todos". E isso funcionava até para a eleição dos bispos e do Papa. Depois se perdeu esse ideal nas nunca foi totalmente esquecido. O ideal democrático de ir além da democracia delegatícia ou representativa e chegar à democracia participativa, de baixo para cima, envolvendo o maior número possível de pessoas, sempre esteve presente no ideário dos movimentos sociais, das comunidades de base, dos Sem Terra e de outros. Mas nos faltavam os instrumentos para implementar efetivamente essa democracia universal, popular e participativa.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Os Novos Subversivos




Oscarino Arantes

A onda de protestos que se espalhou pelo Brasil, em poucos dias, pôs abaixo o mito da passividade do povo brasileiro, construído pela grande mídia a partir da estabilização da economia nos anos 90, então interessada em promover uma ‘governabilidade’ com política previsível e a tecnocracia na administração pública.

Mas a despeito de seu mérito, o que essa onda de protestos tem em amplitude falta-lhe em profundidade. Segue o senso comum das insatisfações pontuais da classe média, misturadas a um sentimento difuso de desconfiança do Estado e repúdio às instituições políticas. Daí o seu anti partidarismo atávico. Os partidos estão ligados ao modelo político vigente, visto como falido, mesmo os de esquerda, que hoje são associados ao governo federal.

Por isso, essa onda de manifestações se assemelha em muitos aspectos à uma revolta mais até do que a um movimento. Impossível negar a falta de credibilidade de nossas instituições, após décadas de escândalos e imposturas. Além da corrupção endêmica, o descaso e a omissão do poder público, muito contribuiu para a desconstrução do referencial de autoridade no Brasil. Em muitos sentidos a autoridade no Brasil está desmoralizada e, desta forma, o recurso à violência passa a ser sua principal expressão de poder. Há um desprestígio do Estado que não cumpre suas mais básicas obrigações, mas abriga todo tipo de desvios e privilégios. Como então cobrar do manifestante o respeito pelo patrimônio público?

Toda revolta popular se manifesta em atos de maior ou menor violência. Sempre que o aparato de repressão do Estado busca conter a expressão direta da soberania popular, choques violentos são esperados. Em qualquer parte do mundo é assim. Por isso, a pedra arremessada no confronto com a polícia, também é uma forma de expressão política, gostemos ou não. Os ataques às sedes e representações do poder constituído, também expressam a revolta crescente contra um poder público divorciado da sociedade. No nível de cinismo e falta de compromisso de nossos políticos e governantes, é impossível negar a força da mensagem enviada por esses ataques.

É preciso, portanto, distinguir os manifestantes que respondem à repressão violenta e entram em confronto com a polícia, dos saqueadores, que são criminosos e devem ser presos. Esses não atiram pedras, nem chamam a atenção da polícia. Não são manifestantes, apenas se aproveitam do tumulto causado para furtar. Também é preciso distinguir os atos de vandalismo contra o patrimônio público e privado, da depredação causada por manifestantes envolvidos no confronto com o aparato de repressão do Estado.

Devemos também considerar que uma manifestação de rua, aberta e ampla como as que estão ocorrendo no Brasil, possibilita a infiltração de todo tipo de indivíduo ou grupo com as mais diversas intenções. Mas não existe nenhuma “minoria radical” responsável pela violência nos protestos, como a mídia liberal enfatiza, buscando revolver os temores recônditos da classe média. Isso é claro, tem o propósito de desviar o foco dos protestos, dividindo os manifestantes e criando clima de 'caça as bruxas'. Além disso, como sempre, o fantasma da subversão serve ainda para justificar o aumento da repressão policial, que é a única resposta de um Estado fracassado, incapaz de compreender a mensagem que vem das ruas. Já vimos isso por aqui.

O governo cometerá um grande erro se decidir criminalizar esses confrontos, pois irá legitimar o aparelho policial repressor na escalada da violência e perderá a oportunidade de interlocução com parcela significativa da sociedade. Estamos a um passo da convulsão social e uma atitude impensada pode precipitar o pior. 

sábado, 22 de junho de 2013

AS MASSAS E AS RUAS




Por Mauro Santayana

A máscara de Guy Fawkes, o conspirador católico inglês que queria atear fogo ao Parlamento, no início do século 17, tem sido usada, por equívoco, pelos manifestantes de nossos dias. Embora hoje símbolo do grupo Anonymous e tendo aparecido como ponto comum em manifestações em todo o mundo, o malogrado rebelde, que, semienforcado e, ainda consciente, teve sua genitália cortada antes de ser eventrado e  suas vísceras fervidas, para então ser esquartejado, sabia o que desejava. Sob a influência dos jesuítas, o complô, de que participava, queria uma Inglaterra católica. Seu mérito pessoal foi o de, sob tortura — que só o rei James I podia, então, autorizar, e autorizou — proteger, até o limite do sofrimento, os seus cúmplices. Instrumento de intrigas internacionais de seu tempo, que envolviam a Espanha e a Áustria — países católicos — e se valiam de dissidentes ingleses,  Fawkes é objeto de chacota em 5 de novembro de cada ano, quando se celebra a sua desdita em pequeno Carnaval nas ruas de Londres. Os vencedores escrevem a História, e a Inglaterra é, em sua esmagadora maioria, protestante até hoje.

E os que, agora, se manifestam no mundo inteiro? O que pretendem? Aparentemente, se revoltam contra o sistema econômico neoliberal, a corrupção e a inépcia dos governantes, que se refletem na desigualdade social. É também dessa forma que se identificam os manifestantes norte-americanos: a rebelião dos 99% espoliados, contra 1%, que são os espoliadores.

AUMENTA A REPRESSÃO POLICIAL CONTRA MANIFESTANTES NO BRASIL











sexta-feira, 21 de junho de 2013

NÃO SUBESTIMEM A VOZ DAS BARRICADAS



Oscarino Arantes 

A onda de protestos que varre o país cresce na mesma medida da perplexidade de nossos governantes. O governo federal parece perdido, atônito, sem saber que resposta deve dar à uma sociedade em ebulição. O vício na política viciada imobilizou prefeitos, governadores e até a senhora presidente. A incapacidade de nossas instituições democráticas de lidar com a democracia real, ficou evidente nesses dias e muito contribui para a escalada da violência nos protestos de rua Brasil a fora. 

É preciso entender este movimento sem nome, que desafia os modelos tradicionais de análise e performance política. Mais do que apartidário, ele se revela anti partidário e aí reside sua principal incógnita. Que rumo irá tomar, se não há rumo a ser traçado? Nesse primeiro momento a novidade de seu surgimento possui tal força de mobilização que é capaz de compensar polissemia que lhe caracteriza. Com o tempo, contudo, decairá em suas plúrimas reivindicações como o Occupy ou, se conseguir radicalizar sua luta, definirá uma pauta reformista.

Desta forma, também precisamos compreender os manifestantes que buscam o confronto. Não subestimem a voz das barricadas, eis a lição da História. Nem todos que jogam pedras na polícia são “vândalos” ou “marginais”, como a mídia liberal se apressou em rotular. Também não são "radicais". Muitos apenas reagem à costumeira repressão policial. Não há como impedir os mais revoltados de participarem dos protestos, por isso mesmo precisamos de policiais preparados para agir com equilíbrio e preparo. Coisa que não temos.


O que vemos nas ruas é um processo de tomada de consciência do protagonismo político das massas. Erros fazem parte e até ajudam. A mensagem é clara: o povo não se sente representado por instituições tomadas por cínicos, vendidos e corruptos. Por isso que os atos de confronto se direcionam contra sedes do poder constituído. É revolta cadente. O manifestante que depreda uma sede de governo, não tem respeito pelo poder ou pelo patrimônio público porque não tem exemplos. Também não tem liderança, ideologia ou propósito. Expressa a sua revolta da mesma forma como ela lhe foi plantada – com violência. Afinal quanta violência o povo brasileiro já suportou calado?

Democracia é povo na rua, protesto, conflito. Pode ser pacífica sim, mas muitas vezes é luta, confronto, conflito. Democracia direta suja a mão, sangra, chora, sua, mas constrói. Democracia asséptica, consensual, negociada em mesa, é bazofia elitista, jogo de oligarquias, tão perigosa quanto o populismo despótico. O confronto nada mais é do que imaturidade de um povo não acostumado a ir às ruas protestar e uma polícia reacionária que não conhece os limites da lei. Mas os problemas da democracia devem ser resolvidos com mais democracia. Por isso é preciso radicalizar a democracia direta para que se crie a base de uma nova política.


terça-feira, 18 de junho de 2013

Primavera Brasileira?


Oscarino Arantes

O que parecia improvável há apenas algumas semanas, de repente irrompeu sem aviso: o povo ganhou as ruas das principais cidades do país. O que começou em Porto Alegre, em protestos contra o aumento da passagem de ônibus, chegou à São Paulo e daí – graças a reação violenta da força policial – se espalhou rapidamente pelo país.

Pondo a prova a crise de representatividade de nossas instituições, partidos políticos e sindicatos foram pegos de surpresa e o governo, estupefato, reagiu com a tradicional repressão policial. Num primeiro momento, a imprensa tratou o movimento como caso isolado, rotulando seus participantes como “vândalos e baderneiros”. Só quando percebeu uma adesão crescente na sociedade, que rompia o cerco da mídia adestrada, é que o tom da cobertura jornalística mudou.

Num país onde o 1º de maio é comemorado com shows de duplas sertanejas e sorteios de carros, onde greves não tem adesão e a passividade social ante aos sucessivos escândalos de corrupção beira a “anestesia moral”, a ebulição das ruas é uma surpreendente virada de rumo. Mais uma vez a internet mostra sua capacidade extraordinária como instrumento de mobilização social. Seria o início de uma “Primavera Brasileira”?

O que anima esse movimento espontâneo que segue a linha horizontal do “Occupy”, sem direção ou organicidade? Muito mais do que R$ 0,20 do transporte urbano, são várias as reivindicações que mobilizam milhares de pessoas em protestos pelo Brasil. No caudal das insatisfações acumuladas, há uma clara nota de rebeldia, de revolta de uma sociedade exausta com sua própria passividade diante de tanta cretinice do meio político, do desperdício escancarado de dinheiro público e da corrupção generalizada. Os gastos com as obras da Copa do Mundo causaram indignação, mas impossível também não perceber o desgaste social de uma carga tributária altíssima e serviços públicos de péssima qualidade. Da diversidade de motivações que inflamam os protestos, é possível deduzir uma causa subjacente comum: a reforma política em nosso país. Do estupor político da última década ao estopim das ruas, sem aviso, a democracia representativa no Brasil entrou em xeque. Já era hora.

Sem dúvida que o déficit de nossas instituições não é nenhuma novidade, mas é preciso antes de tudo, compreender a conjuntura atual, onde a pauta dos movimentos sociais esteve suprimida pela cooptação lulista nos últimos 12 anos. Podemos dizer que existe uma crescente demanda democrática reprimida no “país do faz de conta”. A era Lula construiu sua hegemonia baseada no falso consensualismo político, com o uso articulado do assistencialismo, fisiologismo e patrimonialismo, criando a ilusão de uma democracia contida, “estável”, palatável aos fiadores classistas de seu governo. Não à toa que a primeira reação do ex-presidente aos protestos das ruas, foi recomendar a “negociação”, velha fórmula para emular um movimento de base, promovendo sua liderança. Só que dessa vez, “cara-pálida”, não há com quem negociar.

Entre a surpresa e incredulidade, os políticos perderam o discurso, os partidos perderam as bandeiras e o governo perdeu o compasso diante dos acontecimentos. Conflito no campo, protestos indígenas e, agora, a eclosão de protestos urbanos. Quem sai às ruas é uma juventude menos suscetível ao controle da mídia tradicional, apartidária, que cresceu sem lideranças e tem na internet uma preciosa fonte de informações e debate. Mas é também uma classe média, esquecida e espoliada por sucessivos governos, que se cansou de pagar a conta da ineficiência, da corrupção e do desperdício de dinheiro público. O que virá pela frente? Impossível prever. Certo é que o elemento imponderável de uma democracia decidiu entrar em cena e introduziu algo novo no jogo político brasileiro. Revoluções começaram por bem menos.


segunda-feira, 17 de junho de 2013

O MODELO PETUCANO



Por Adriano Benayon *

Dívida

01. No geral, a Constituição de 1988 não sustentou os interesses nacionais. A eleição dos constituintes foi muito influenciada pela grande mídia e pelo dinheiro de: concentradores, transnacionais, entidades e fundações estrangeiras. Depois, o entreguismo foi radicalizado por Emendas patrocinadas por Collor, FHC e governos petistas.
02. Não bastasse isso, a “Carta Magna” foi adulterada com a inserção fraudulenta de dispositivos jamais votados na Constituinte.
03. Entre as fraudes avulta este acréscimo no art. 166, inciso II, § 3º: excluídas as [despesas] que incidam sobre: a) dotações para pessoal e seus encargos; b) serviço da dívida; c) transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e o DF”.
04. O § 3º do inciso II do art. 166 estabelece restrições à inclusão de despesas no orçamento, e o termo “excluídas”, privilegia as que constam das três alíneas. A “a” e a “c” entraram como bois de piranha, para não chamar a atenção sobre o serviço da dívida.
05. Devido a esse dispositivo ilegítimo e nulo, a União já gastou, desde 1988, mais de R$ 10 trilhões com a dívida, jamais auditada, pois nunca se realizou a auditoria determinada no Ato das Disposições Transitórias da Constituição. Ou seja: só são cumpridas as normas contrárias ou indiferentes aos interesses nacionais.
06. Resumindo: depois de terem sido pagos mais de R$ 10 trilhões, a dívida pública - que em 1988 somava R$ 300 bilhões (atualizados monetariamente) - ascendeu a mais de R$ 3 trilhões em 2012, devido principalmente à capitalização de juros a taxas absurdas.
07. A cifra de 1988 abrange as dívidas do Tesouro, BACEN, Estados e municípios: a pública interna e a externa, incluída nesta a do setor privado estatizada por ordem dos bancos credores, FMI, Banco Mundial e demais instrumentos da oligarquia financeira anglo-americana.
08. Se computarmos – como é recomendável, dado que a subserviência continua - a dívida externa bruta, de US$ 441,8 bilhões (R$ 880 bilhões), o total alcança R$ 4 trilhões.