sábado, 29 de dezembro de 2012

No limiar de 2013



Por Adriano Benayon

I - Mundo

A “crise global” vai completar seis anos em 2013, e não há sinal de que termine sequer nos próximos anos. Mas o que é essa crise?

2. Um de seus aspectos é o colapso financeiro, iniciado nos EUA, em 2007, com o estouro da bolha dos derivativos, nos quais os bancos empacotavam hipotecas e outros débitos de cidadãos guiados para o consumismo, enquanto a renda deles decrescia, e a oligarquia acumulava lucros e bônus de dimensão jamais vista.

3. O outro aspecto é a depressão econômica, cuja manifestação mais dolorosa é o crescimento do desemprego, de já centenas de milhões de pessoas.

4. A “crise” abrange principalmente os EUA, o Japão e a Europa, e grande número de países da América Latina, Ásia, Oriente Médio e África, com alto grau de dependência em relação àqueles centros.

5. Mas a “crise” não é mundial. A China apresenta dinamismo considerável e está perto de ter a maior economia do Mundo, se é que já não a tem. Assume papel de economia central e atenua a queda da demanda e dos preços dos bens intensivos de recursos naturais, provenientes de países como o Brasil.

6. Também Taiwan, Coréia do Sul, Hong Kong e mais um ou outro tigre asiático prosseguem desenvolvendo-se, e países maiores - como Índia, Rússia e Irã - também crescem.

7. Se a China e esses países combinarem os respectivos mercados internos, as trocas regionais e a intensificação do intercâmbio entre todos eles, é possível que permaneçam fora da crise.

8. Seja como for, é deliberada, e muito profunda, a “crise” nos domínios dos grupos financeiros anglo-americanos, pois oferece aos concentradores do capital a oportunidade de concentrá-lo mais ainda, fazendo liquidar, ou adquirindo, empresas que sobreviveram e prosperaram quando a economia crescia.

9. Então os concentradores obtiveram lucros gigantescos não só de suas empresas “produtivas”, mas ainda mais das manipulações do mercado financeiro, propiciadas pelas “autoridades reguladoras” ao permitir aos bancos criar dinheiro do nada e inventar todo tipo de derivativos, ilimitadamente.

10. Essas facilidades são a origem do próprio colapso financeiro, do qual os manipuladores saíram ilesos, graças ao socorro dos governos, em montantes que passam de US$ 30 trilhões.

11. Pois, sendo ilimitada a possibilidade de concentrar capital, os que o concentram, controlam por completo as instituições financeiras e também todas as políticas do Estado.

12. Dizem haver democracia, mas desta só há teatro. Seu espetáculo mais notório são as eleições, nas quais os candidatos são como jóqueis cujas blusas têm cores diferentes, mas todos pertencem à mesma escuderia.

13. No setor “produtivo”, o segmento que prospera são as indústrias bélicas. Resumo: tudo decai, exceto a finança, que não é produtiva, e as armas, que servem para destruir. A oligarquia parece bem assessorada para seu objetivo: o poder absoluto, a tirania inconteste. Como ensinou o arguto Maquiavel, o poder vem do ouro e das armas.

14. Essas armas são usadas em intervenções militares no exterior, que se multiplicaram a partir de 1990, após o fim da União Soviética. Desde os auto-ataques de 2001 (implosão das Torres em Nova York e o míssil atirado em fachada do Pentágono), as agressões externas tornaram-se mais frequentes e brutais (à exceção da devastação do Iraque em 1991).

15. Os EUA implantaram leis inconstitucionais, de repressão a nacionais e estrangeiros, que podem ser presos e torturados, sem ordem judicial. Os movimentos de resistência têm sido contidos por métodos violentos.

16. Na Espanha, Grécia, Inglaterra etc. têm sido reprimidas com armas as manifestações de protesto dos que trabalham e dos desempregados massacrados pelas políticas de “austeridade”.

17. Fica claro que a oligarquia não teme mudança de regime, ao contrário da atitude tomada após a 2ª Guerra Mundial, quando não impediu ampliar as políticas de bem-estar social, diante da proximidade do poder militar soviético e de partidos comunistas dentro de casa.

II - Brasil

18. No Brasil tanto a situação econômica como a política inspiram sérios cuidados. E deveria preocupar-nos, ainda mais, isto: não se costuma perceber ou admitir que a grave doença de ambas não pode ser debelada senão a partir da eliminação de suas causas profundas e estruturais.

19. Leva a muito pouco dar razão aos keynesianos que recomendam aumentar a bolha do crédito, preferentemente aos “neoliberais”, que, de modo maligno, pregam parar com as quedas na taxa de juros da SELIC, enquanto, incoerentemente, reclamam crescimento da economia.

20. Nenhuma das receitas para a política macroeconômica - de qualquer escola - pode impedir a descida do Brasil para o abismo a que se encaminha. Quem quiser sonhar com o afastamento desse desenlace, tem que – para começo de conversa - exigir intensa cura estrutural, norteada pela reversão da desnacionalização e da concentração financeira e econômica.

21. Do lado político, a oligarquia financeira e midiática local - subordinada à oligarquia financeira mundial – está promovendo a desestabilização dos atuais ocupantes do Executivo federal, como bodes expiatórios “responsáveis” pelo descalabro que se avizinha, com qualquer curso na política econômica.

22. Os casos de corrupção têm dossiês prontos, à espera da hora propícia para virem à tona. Seus personagens pertencem aos mais variados partidos, pois a corrupção é intrínseca ao sistema concentrador. Ainda mais, nos países periféricos, riquíssimos em recursos naturais, e com mercado de razoável dimensão, como o Brasil, presa de colossal saqueio.

23. Tais casos vêm a público, como o do mensalão, punido pelo STF - afora os demais que estão vindo - sempre que o sistema de poder real decide afastar do poder oficial um “governante” – não necessariamente resistente àquele sistema - cuja queda lhe seja de interesse.

24. Serve para desviar o foco das reais causas do desastre econômico e social, e também para podar as asas de “governantes” que alcançaram ou almejam grande popularidade, além de abrir as portas do “governo” para outros agentes não menos corruptos e mais entreguistas. Carreiristas de qualquer partido, desde que aprovados pela oligarquia mundial, podem desempenhar esse papel.

25. Fica fácil concluir que a indispensável transformação da estrutura econômica só é possível juntamente com a substituição das instituições políticas (e vice-versa).



* Adriano Benayon é doutor em economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.



quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

A mão da indústria químico-farmacêutica por detrás da crise na Europa

O capitalismo num beco sem saída: uma visão marxista da actual crise



Manuel Raposo

O Capitalismo num Beco Sem Saída[1] é o expressivo título de um livro, publicado este ano nos EUA, que analisa a presente crise do capitalismo mundial de um ponto de vista marxista.

Centrado sobretudo na situação dos EUA, o livro mostra o significado da destruição de emprego e da sobreprodução numa era de alta tecnologia e grande produtividade do trabalho. Uma obra que, a partir da actualidade, aborda não apenas os aspectos econômicos da crise mas também os movimentos sociais e políticos que ela está a gerar.

O autor, o norte-americano Fred Goldstein, colabora no jornal Workers World e publicou em 2008 uma outra obra, Capitalismo de Baixos Salários[2], em que aponta os efeitos do novo imperialismo globalizado e de alta tecnologia na luta de classes nos EUA.

A exposição de O Capitalismo num Beco Sem Saída, ao qual se dedica esta recensão, assenta em três ou quatro dados decisivos para entender a actual crise, mas muito pouco falados pelas correntes de opinião dominantes. São eles, a nosso ver, os seguintes:

– Esta crise é de longa duração, estamos ainda nos seus primeiros estágios, e, pela sua natureza, não se compara aos normais altos e baixos da actividade econômica.

– Na sua raiz está uma quebra na taxa de acumulação do capital, o que faz dos aspectos financeiros uma decorrência e não uma causa dos problemas presentes.

– A crise estalou depois de décadas de grande progresso tecnológico, de aumento da produtividade do trabalho e da concorrência, o que desmente a ideia espalhada de falta de produção e de competitividade, e mostra, pelo contrário, que o sistema rompe pelas costuras em resultado da sua própria capacidade de produzir em larga escala.

– Nos casos em que se pode falar de alguma retoma econômica após o colapso de 2008 (como nos EUA), essa retoma faz-se sem recuperação do emprego entretanto destruído em números sem precedentes.

Daí, todo o sistema capitalista se encontrar num beco sem saída. Ou, como diz o autor, “O capitalismo chegou a um ponto em que nada de natureza econômica, só por si, poderá fazer o sistema avançar e crescer mais”.

A partir destas constatações, e fazendo comparações com as grandes crises mundiais de 1873-96 e de 1929-39 – das quais o capitalismo saiu sob o impulso da guerra (guerra americana-espanhola de 1898, guerras mundiais de 1914-18 e de 1939-45), enveredando pela expansão imperialista – a resposta do capitalismo mundial à sua crise de hoje aponta igualmente para a “destruição maciça de meios de produção e de infraestruturas”.

Com os cataclismos verificados desde 2008, o panorama da luta de classes também se altera. A tendência para lucrar a taxas cada vez menores, a incapacidade de recuperar, mesmo parcialmente, os níveis de emprego – traduzem-se numa quebra generalizada dos salários (um “capitalismo de baixos salários”). E, portanto, no dizer de Fred Goldstein, “A era das concessões deu lugar à época das devoluções” – como é bem patente, dizemos nós, do lado de cá do Atlântico, não apenas na redução dos salários como nos cortes dos apoios sociais, na crescente insegurança do emprego, no ataque aos direitos laborais e sindicais. Tudo aquilo, enfim, que na Europa do pós-guerra e no Portugal pós 25 de Abril era apresentado como um “ganho civilizacional”, supostamente irreversível.

Esta crise mostra ainda ser diferente, sublinha Goldstein, por outra razão. “Todos os métodos tradicionais pelos quais o sistema foi estimulado [em situações anteriores] estão as ser aplicados, mas já não funcionam”. A prova está nos bilhões de dólares (e de euros) injectados sobretudo no sistema financeiro com o único efeito de arrastar a crise, mas sem sinais de uma retoma econômica.

Mais: o facto de os negócios nos EUA marcharem a passo de caracol e de a Europa e o Japão estarem à beira do declínio, faz aumentar, mesmo nos bastidores do poder, o temor de um novo retrocesso econômico global.

Ora, uma crise de extensão mundial, que não se resume a uma quebra cíclica dos negócios nem tem à vista nenhuma verdadeira recuperação, assume então, parece-nos, um sentido histórico de fim de época.

Na verdade, afirma o autor, “O sistema do lucro entra num estádio no qual só consegue arrastar para trás a humanidade”. Então, “As massas da população hão-de chegar a um ponto em que não poderão continuar a seguir o mesmo caminho porque o capitalismo lhes bloqueia todas as vias de sobrevivência”. E, chegada a este ponto, “a humanidade só pode avançar limpando a estrada da sobrevivência, o que significa nada menos do que destruir o próprio capitalismo”.

As teses do livro de Fred Goldstein, conduzem-nos, com efeito, a uma questão a que os marxistas e o movimento comunista terão de prestar a maior atenção: com esta crise encerrou-se a época de expansão do capitalismo iniciada após a segunda grande guerra; e, consequentemente, estão a criar-se as condições para um novo ciclo de revoluções sociais à escala mundial.

Devem, portanto, em nossa opinião, ser lidas como sendo da maior actualidade as palavras de Karl Marx no balanço que fez à crise econômica de 1847. Reflectindo sobre a recuperação do capitalismo nos anos de 1848 e 1849, uma vez vencidas as revoluções verificadas na Europa em 1848, dizia ele:

“Nesta prosperidade geral, em que as forças produtivas da sociedade burguesa se desenvolvem com toda a exuberância de que são capazes no quadro das relações burguesas, não se pode dar nenhuma verdadeira revolução. Uma tal revolução só é possível em períodos em que estes dois factores, as forças de produção modernas e as formas de produção burguesas, entram em conflito.”

E conclui Marx: “Uma nova revolução só será possível na sequência de uma nova crise. Mas aquela é tão certa como esta.”

Não é a crise que estamos a viver, afinal, a evidência do conflito entre as forças de produção modernas e as formas de produção burguesas?

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Fonte: Jornal Popular “Mudar de Vida”, Portugal
http://www.jornalmudardevida.net/?p=2994


[1] Capitalism at a dead end – Job destruction, overproduction and crisis in the high tech era. A marxist view. Fred Goldstein. World View Forum, New York, 2012. O livro está www.lowwagecapitalism.com/ (em ing.) e em www.rosa-blindada.info/b2-img/Capitalismo.pdf (em esp.) [De Tlaxcala, rede internacional de tradutores] [NTs].

[2] Low-wage capitalism: colossus with feet of clay – what the new globalized, high-tech imperialism means for the classstruggle in the US. Fred Goldstein. World View Forum, New York, 2008

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

O jornalista José Nêumanne Pinto revela em entrevista o verdadeiro Lula

Quem deu a Israel o direito de negar todos os direitos?




Por Eduardo Galeano


Para justificar-se, o terrorismo de Estado fabrica terroristas: semeia ódio e colhe pretextos. Tudo indica que esta carnificina de Gaza, que segundo seus autores quer acabar com os terroristas, acabará por multiplicá-los.

Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras, sua água, sua liberdade, seu tudo. Nem sequer têm direito a eleger seus governantes. Quando votam em quem não devem votar são castigados. Gaza está sendo castigada. Converteu-se em uma armadilha sem saída, desde que o Hamas ganhou limpamente as eleições em 2006.

Algo parecido havia ocorrido em 1932, quando o Partido Comunista triunfou nas eleições de El Salvador. Banhados em sangue, os salvadorenhos expiaram sua má conduta e, desde então, viveram submetidos a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem.

São filhos da impotência os foguetes caseiros que os militantes do Hamas, encurralados em Gaza, disparam com desajeitada pontaria sobre as terras que foram palestinas e que a ocupação israelense usurpou. E o desespero, à margem da loucura suicida, é a mãe das bravatas que negam o direito à existência de Israel, gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a muito eficaz guerra de extermínio está negando, há muitos anos, o direito à existência da Palestina.

Já resta pouca Palestina. Passo a passo, Israel está apagando-a do mapa. Os colonos invadem, e atrás deles os soldados vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam a pilhagem, em legítima defesa.

Não há guerra agressiva que não diga ser guerra defensiva. Hitler invadiu a Polônia para evitar que a Polônia invadisse a Alemanha. Bush invadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma de suas guerras defensivas, Israel devorou outro pedaço da Palestina, e os almoços seguem. O apetite devorador se justifica pelos títulos de propriedade que a Bíblia outorgou, pelos dois mil anos de perseguição que o povo judeu sofreu e pelo pânico que geram os palestinos à espreita.

Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluções das Nações Unidas, que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais, que burla as leis internacionais, e é também o único país que legalizou a tortura de prisioneiros.

Quem lhe deu o direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade com que Israel está executando a matança de Gaza? O governo espanhol não conseguiu bombardear impunemente o País Basco para acabar com o ETA, nem o governo britânico pôde arrasar a Irlanda para liquidar o IRA. Por acaso a tragédia do Holocausto implica uma apólice de eterna impunidade? Ou essa luz verde provém da potência manda-chuva que tem em Israel o mais incondicional de seus vassalos?

O exército israelense, o mais moderno e sofisticado do mundo, sabe a quem mata. Não mata por engano. Mata por horror. As vítimas civis são chamadas de “danos colaterais”, segundo o dicionário de outras guerras imperiais. Em Gaza, de cada dez “danos colaterais”, três são crianças. E somam aos milhares os mutilados, vítimas da tecnologia do esquartejamento humano, que a indústria militar está ensaiando com êxito nesta operação de limpeza étnica.

E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Para cada cem palestinos mortos, um israelense. Gente perigosa, adverte outro bombardeio, a cargo dos meios massivos de manipulação, que nos convidam a crer que uma vida israelense vale tanto quanto cem vidas palestinas. E esses meios também nos convidam a acreditar que são humanitárias as duzentas bombas atômicas de Israel, e que uma potência nuclear chamada Irã foi a que aniquilou Hiroshima e Nagasaki.

A chamada “comunidade internacional” existe? É algo mais que um clube de mercadores, banqueiros e guerreiros? É algo mais que o nome artístico que os Estados Unidos adotam quando fazem teatro?

Diante da tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial se ilumina uma vez mais. Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declarações ocas, as declamações altissonantes, as posturas ambíguas rendem tributo à sagrada impunidade.

Diante da tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Como sempre. E como sempre, os países europeus esfregam as mãos. A velha Europa, tão capaz de beleza e de perversidade, derrama alguma que outra lágrima, enquanto secretamente celebra esta jogada de mestre. Porque a caçada de judeus foi sempre um costume europeu, mas há meio século essa dívida histórica está sendo cobrada dos palestinos, que também são semitas e que nunca foram, nem são, antissemitas. Eles estão pagando, com sangue constante e sonoro, uma conta alheia.


PS: Este artigo é dedicado a meus amigos judeus assassinados pelas ditaduras latinoamericanas que Israel assessorou.


Eduardo Galeano é escritor e jornalista Uruguaio, autor do livro As veias abertas da América Latina.