quarta-feira, 29 de maio de 2013

OS CAIXOTES DE EIKE E OS EMPREGOS EM ALGECIRAS


Mauro Santayana

Com bilhões de dólares emprestados pelo BNDES, e mais ajuda do governo a caminho para seus negócios,  o Brasil tem sido generoso  com o empresário Eike Batista.  Sendo esse o caso, e indo mal os seus negócios, dependentes cada vez mais de dinheiro público, o mínimo que ele poderia fazer seria preferir, sempre, empresas nacionais como parceiras, e criar empregos no Brasil.

É estranho, portanto, que para as obras do Porto de Açu, no Rio de Janeiro, a LLX, de Eike Batista, tenha escolhido para a construção de um gigantesco cais, com estrutura pré-moldada, uma empresa espanhola, a FCC – Fomento de Construcciones y Contratas.

Mesmo considerando-se que essa empresa possa ter mais know-how em construção de portos  - e que alguns pretendem prestar generosa ajuda à Espanha – seria necessário, no presente caso, se obter um mínimo de contrapartida.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

O problema dos monopólios



Por Wladimir Pomar

Parece haver certo consenso entre as forças de esquerda de que o domínio, ou o poder de monopólio, de algumas grandes corporações, tanto multinacionais quanto nacionais, tem efeitos negativos sobre todo o processo de desenvolvimento nacional. Essas corporações dominam os latifúndios do agronegócio, a extração e o comércio internacional de minério de ferro, os bancos e outras instituições de crédito e de investimentos, a produção, importação e a distribuição de agrotóxicos, fertilizantes e sementes selecionadas, e as indústrias automobilística, de cimento, farmacêutica e de vários outros ramos.

A condição monopolista ou oligopolista permite a essas empresas atuar no mercado tendo por base preços administrados. Ou seja, elas não se vêm submetidas a uma concorrência que as obriguem a rebaixar custos e preços. Mesmo no caso em que há várias grandes empresas concorrendo no mercado, como aparenta ser a indústria automobilística, há um acordo tácito entre elas de que seu patamar de preços se mantenha sempre elevado num nível que lhe permita uma alta taxa média de lucro.

Esse acordo tácito estabelece que a concorrência entre os oligopólios se dê exclusivamente na faixa superior daquela lucratividade, propiciando apenas a variação na participação de cada uma das empresas no fatiamento do mercado. Nessas condições, isso também compreende a criação conjunta de obstáculos contra a entrada de qualquer concorrente que queira rebaixar aquele patamar de preços e de lucratividade através da livre concorrência no mercado.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

A Leoa e o Dragão




Por Gilvan Rocha

Diante dos números da crescente inflação, o secretário geral da presidência, o senhor Gilberto Carvalho, em comício da Força Sindical, em São Paulo, disse: “a presidente Dilma é uma leoa no combate à inflação”. Dessa forma, estaremos diante de um confronto de vida e morte entre a leoa (Dilma) e o dragão (inflação).

Sabemos que o combate à inflação, nesse sistema baseado na economia de mercado, exige a tomada de medidas impopulares, dentre elas o corte nas despesas públicas, de forma a tentar equilibrar as finanças. Outra medida seria o aumento dos juros como forma de inibir o consumo. Essa medida não é do agrado do segmento industrial, pois a contração do consumo redunda em menores negócios para eles.

A verdade é que no capitalismo os governos vêem-se compelidos a se cobrirem com lençois curtos: quando cobrem os pés, descobrem a cabeça. Essa condição é inerente tanto ao sistema socioeconômico vigente como ao modelo político que leva a presidente a ser, ao mesmo tempo, gestora dos negócios do capitalismo e candidata à reeleição.

Em campanha em busca da reeleição, a senhora Dilma tenta, a todo custo, fugir de medidas antipopulares, como a de cortar as despesas do Estado e outros gastos. Essa situação contraditória, entre a figura da gestora e a da candidata, nos parece insanável. Enquanto isso, as massas trabalhadoras dão sinais de descontentamento quando vêem os seus salários serem corroídos pelo dragão da inflação, sem que a leoa tenha se mostrado eficaz para reverter esse quadro.

Em função desses fatos, surgem propostas do tipo: “gatilho salarial”, instrumento já conhecido e que consiste em determinar que quando a inflação atingir certo percentual, automaticamente seria acionado o gatilho e se promoveriam reajustes nos ganhos dos trabalhadores. Sabe-se que tal medida não se mostrou eficaz e serviu para acalentar, mais ainda, o processo inflacionário, promovendo uma verdadeira espiral, cujo binômio é: aumento salarial promove aumento dos preços e aumento dos preços promove aumento salarial, em um círculo vicioso.

Vê-se que as contradições do capitalismo geram situações em que os governos, preocupados em manter seus níveis de popularidade, mostram-se impotentes em promover uma verdadeira solução. Isso até porque soluções permanentes, dentro desse sistema que se rege pela busca do lucro para uns poucos, é impraticável. No embate da leoa com o dragão, a tendência é que teremos um confronto, com indícios de que o dragão sairá vitorioso caso a leoa não tome as medidas necessárias para conter a inflação.

Gilvan Rocha é militante socialista e membro do Centro de Atividades e Estudos Políticos. Blog: www.gilvanrocha.blogspot.com

Fonte: Correio da Cidadania

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Barbárie Tecnicizada




Por Léo Lince

Deu no “The New York Times”, o mais prestigioso jornal da potência imperial do norte.  O relato espantoso está na edição internacional em português, encartada na “Folha de São Paulo” do dia 15 de abril de 2013.  Assinada por Mark Mazzetti, a matéria fala de acontecimentos localizados no coração das trevas, fora do alcance do entendimento razoável e muito além dos limites do que se pode aceitar.

Os fatos são antigos e de localização longínqua, mas chegam aos quatro cantos do mundo como brutal atualidade. Em junho de 2004, no Waziristão do Sul, região rebelada do Paquistão, Nek Muhammad, líder da tribo pashtun, conversava por telefone via satélite com jornalistas sobre suas façanhas no confronto com as forças do exército paquistanês.  No curso da conversa, segundo está no relato, perguntou a um de seus seguidores sobre o estranho pássaro metálico que pairava acima dele. Ato contínuo, um míssil destruiu o casebre de onde falava, matou Muhammad e várias outras pessoas que estavam ao seu lado, inclusive duas crianças.

terça-feira, 21 de maio de 2013

COMO OS BANCOS LUCRAM COM A FOME DO MUNDO




Mauro Santayana

Em 1973, quando o muro de Berlim ainda dividia o mundo em dois blocos econômicos e políticos, o então presidente do Banco Mundial, Robert McNamara, disse que todas as nações deviam esforçar-se para acabar com a pobreza absoluta – que só existia nos países subdesenvolvidos – antes do novo milênio. Naquele momento os países ocidentais ainda davam alguma importância à política de bem-estar social, não só como um alento à esperança de paz dos povos, mas também como uma espécie de dique de contenção contra o avanço do socialismo nos países do Terceiro Mundo. A Guerra do Vietnã  com seu resultado desastroso para os Estados Unidos, levou Washington a simular sua boa vontade para com os povos pobres. Daí o pronunciamento de McNamara.

O novo milênio não trouxe o fim  da miséria absoluta, embora tivesse havido sensível redução - mais em conseqüência do desenvolvimento tecnológico - com o aumento da produtividade de alimentos e bens de consumo primário, do que pela vontade política dos governos.

Na passagem do século, marcada pelo desabamento das Torres Gêmeas, o FMI, o Banco Mundial – e a própria ONU - reduziram suas expectativas, prevendo, para 2015, a redução da pobreza absoluta à metade dos índices registrados em  1990. Em termos gerais, essa meta foi atingida cinco anos antes, em 2010. A extrema pobreza, que atingia 41.7% da população mundial em 90, caiu para 22% em 2008 – graças à fantástica contribuição da China e da Índia, conforme adverte Francine Mestrum, socióloga belga, em recente estudo sobre o tema.

domingo, 19 de maio de 2013

Entrevista com Leandro Konder

“O século 20 foi um período terrível porque nos ensinou que as pessoas se apegam facilmente em certezas”.  

Leandro Konder


O professor e intelectual afirma que a academia não deu a importância devida ao filósofo Karl Marx e analisa os rumos da ideologia política nos tempos atuais
Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Leandro Konder trabalha na fronteira entre a história, a arte e a própria filosofia, a qual define como “busca ilimitada por ponderação”. Se o exercício do pensamento tem de vir acompanhado da síntese, assim adverte Konder, a atividade intelectual tem de ser realizada por meio da ação transformadora.
A vida do pensador brasileiro nascido em 1936, em Petrópolis, Rio de Janeiro, sempre foi coerente com tal afirmação. Filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro nos anos de 1950 e permaneceu militante até 1982. Herdou a convicção política do pai, o comunista Valério Konder. Durante a ditadura militar foi preso e torturado, o que o obrigou a sair do país.
Na Alemanha, ingressou na Universidade de Bonn Rhein, onde deu início aos estudos de Filosofia. Voltou ao Brasil em 1978 para concluir seu doutorado. Por aqui, foi o responsável por disseminar a doutrina marxista no meio acadêmico, com a tradução de obras de Georg Lukács e Antonio Gramsci. A oportunidade veio de sua colaboração na Editora Civilização Brasileira, ao lado do editor Ênio Silveira. Leandro Konder prefaciou Concepção Dialética da História, primeiro volume de Gramsci lançado no Brasil.
A partir da publicação de seus mais de vinte livros, entre eles, Marxismo e Alienação (1965); Os Marxistas e a Arte (1967); A Derrota da Dialética (1987); Lukács (1980); e Walter Benjamim, o Marxismo da Melancolia (1988), torna-se importante articulador dos conceitos da estética no campo da cultura. Principalmente pelo aprofundamento na obra de Georg Lukács e Walter Benjamin.
Leandro Konder dialoga, também, com Franz Kafka em Kafka, Vida e Obra (1966); com Bertold Brecht em A Poesia de Brecht e A História (1996); e flerta com a escrita ficcional em A Morte de Rimbaud (2000). Em entrevista à Revista E, realizada em dois momentos diferentes, por questões de saúde do filósofo, afirma: “Ao lutar pela arte, luta-se por uma sociedade mais justa, mais humana”.
Mas vê com ressalvas o aparelhamento da arte por meio da indústria cultural. “A arte não vai nos livrar dessa carga pesada que o capitalismo coloca em nossos ombros.” Aos 75 anos, finaliza a entrevista com um balanço positivo de suas ações políticas e convicções. “A gente aprende a brigar. Por fim, melhor participar da vida do que ficar ausente.”

“Se você encontrar hoje um intelectual que diz ter em mãos um livro que irá mudar todo o rumo da nossa vida, vai ficar desconfiado. Esse otimismo não é sinal de muita lucidez”

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Multinacionais com fortes laços com o Estado são o centro das ‘grandes’ políticas governamentais



Por Raul Zibechi

Traduzido por Daniela Mouro, da Redação

Em certas ocasiões, fatos que não parecem relevantes têm a virtude de mostrar o fundo das coisas, para desnudar o verdadeiro caráter de uma realidade política que até então não aparecia tão claramente. Algo assim aconteceu dias atrás, quando uma reportagem investigativa revelou a relação entre um punhado de construtoras multinacionais brasileiras e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O fato é que metade das viagens feitas por Lula após deixar o cargo foram pagas pelas construtoras, todas na América Latina e África, onde estas empresas concentram seus maiores interesses. Desde 2011, Lula visitou 30 países, dos quais 20 na África e na América Latina. As construtoras pagaram treze dessas viagens, quase todas nas contas de Odebrecht, OAS e Camargo Correa ("Folha de São Paulo", 22 de março de 2013).

terça-feira, 14 de maio de 2013

Desnacionalização galopante



Por Adriano Benayon

01. Em artigo recente, assinalei que, no Brasil, os déficits nas transações correntes com o exterior vêm se avolumando. Somaram US$ 204,1 bilhões de 2008 a 2012 (US$ 54,2 bilhões só em 2012).

02. Em janeiro/fevereiro de 2013 houve espantosa aceleração: US$ 18 bilhões, ou seja, 83% a mais que no mesmo período de 2012.

03. Escrevi naquele artigo: “os déficits fazem acelerar ainda mais a desnacionalização e o endividamento”. E citei Carlos Lopes (HP 24.01.2013): “de 2004 a 2011, foram desnacionalizadas 1.296 empresas brasileiras, e as remessas oficiais de lucros ao exterior montaram a US$ 405 bilhões”. As remessas de lucros disfarçadas em outras contas são um múltiplo disso.

04. A aquisição de empresas de capital nacional (desnacionalização em sentido estrito) é apenas uma parte dos investimentos estrangeiros diretos (IEDs). Estes incluem a criação de novas subsidiárias ou entrada de capital nas já estabelecidas. Tudo isso é desnacionalização em sentido lato, implicando controle da economia brasileira por empresas estrangeiras. Boa parte dos IEDs vem de lucros obtidos no próprio país.

05. A desnacionalização é um processo cumulativo: cresce sempre, porque leva à transferência de recursos para o exterior, a qual causa os déficits nas transações correntes, e esses têm que ser cobertos por endividamento ou IEDs.

06. Os IEDs são considerados remédio para “equilibrar” o Balanço de Pagamentos (BP), mas, na realidade, agravam enormemente a doença: o desequilíbrio do BP, decorrente dos próprios IEDs.

07. Incrível, mas verdade: desde agosto de 1954, a desnacionalização foi promovida por governos do país. Mas não tão incrível, porque o foi por governos militares e civis, egressos de golpes militares sob direção estrangeira, ou de eleições comandadas pela pecúnia, no quadro de instituições políticas adrede constituídas.

domingo, 12 de maio de 2013

O PETRÓLEO QUE ERA NOSSO: segue a "privataria" lulista



A 11ª Rodada é um retrocesso para o Brasil!

Por João Antônio de Moraes

Os movimentos sociais brasileiros novamente saem às ruas para defender o nosso petróleo da garra das multinacionais. Nos próximos dias 14 e 15 de maio, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) e o Ministério de Minas e Energia (MME) pretendem ofertar ao capital privado áreas exploratórias importantíssimas do nosso subsolo. Um ataque à soberania nacional, já que o petróleo é o mais estratégico recurso energético do planeta. Um bem precioso, que tem sido alvo de disputas econômicas e de guerras imperialistas, que subjugam povos em várias partes do mundo.

A 11ª Rodada de Licitações é, portanto, um grande retrocesso para o Brasil, que desde 2008 havia suspendido os leilões de petróleo, após muita luta e pressão dos movimentos sociais. Ao retomar essa agenda, o governo brasileiro, equivocadamente, atende aos anseios das multinacionais, ávidas por abocanhar nossas valiosas reservas de óleo e gás.

Não é à toa que 64 corporações se habilitaram para disputar os 289 blocos que serão licitados pela ANP e pelo MME. Uma participação recorde, sem precedentes no país. Mesmo fora do Pré-Sal, as áreas que serão leiloadas são consideradas bastante promissoras. O maior tesouro que o governo brasileiro pretende entregar às multinacionais se encontra nas águas profundas das bacias do Pará-Maranhão e do Foz do Amazonas.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Nascer da agonia


Por Antonio Rodrigues Belon

De quem é a crise? Onde acontece a crise? Por que o termo e o conceito entram em disputa?

Nos anos 2007, 2008 e 2009, uma crise generalizada ocorreu nas multinacionais e nas grandes empresas. Dominantes na economia mundial, elas definem a fisionomia do capitalismo recente. Só puderam sair dessa crise com a injeção massiva de dinheiro, as salvaguardas, feitas pelas instituições correspondentes aos bancos centrais, encabeçados pelo dos Estados Unidos. As crises e as salvaguardas adotadas expressam o começo da crise mais importante da história do capitalismo.

As salvaguardas permitiram às multinacionais e ao sistema financeiro mundial sair da quebradeira, e sobrepor-se a ela, no curto prazo. Porém, a largo prazo, se agravam e se aceleram as contradições históricas do capitalismo. A inflação, as quebras de empresas, os déficits, as guerras comerciais, as crises monetárias, a recessão, o aumento dos preços do ouro e dos metais preciosos expressam reforçadamente esse agravamento de contradições.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

A simples coragem da decisão: um tributo esquerdista a Margaret Thatcher, por Slavoj Žižek


Por Slavoj Žižek

Nas últimas páginas de seu monumental Second World War, Winston Churchill reflete sobre o enigma de uma decisão militar: depois que os especialistas (analistas econômicos e militares, psicólogos, meteorologistas etc.) propõem sua análise múltipla, elaborada e refinada, alguém deve assumir a ação simples – e por isso a mais difícil – de transformar essa multiplicidade complexa, em que para cada pró há dois contras, em um simples “Sim” ou “Não” – devemos atacar, devemos continuar esperando… Esse gesto, que não pode nunca ser fundamentado em razões, é o gesto do Mestre. Cabe aos especialistas apresentarem a situação em sua complexidade, mas cabe ao Mestre simplificá-la em um ponto de decisão.

Essa figura do Mestre é necessária principalmente em situações de crise profunda. Aqui, a função do Mestre é representar a divisão autêntica – uma divisão entre os que querem se arrastar nos antigos parâmetros e os que têm consciência da mudança necessária. Essa divisão, e não as transigências oportunistas, é o único caminho para a verdadeira unidade. Tomemos um exemplo que certamente não é problemático: a França na década de 1940. Até mesmo Jacques Duclos, segundo homem do Partido Comunista Francês, admitiu em uma conversa privada que, se naquele momento, houvesse eleições livres na França, Marshal Petain teria ganhado com 90% dos votos. Quando De Gaulle, em um ato histórico, se recusou a reconhecer a capitulação ante os alemães e continuou resistindo, ele afirmou que apenas ele falava em nome da verdadeira França (em nome da verdadeira França como tal, não só em nome da “maioria dos franceses”!), e não o regime de Vichy; sua afirmação foi profundamente verdadeira ainda que “democraticamente” não tivesse legitimação nenhuma, mas fosse claramente oposta à opinião da maioria dos franceses…

E Margaret Thatcher, a “dama que não volta atrás”, foi um desses Mestres que se prende a uma decisão vista a princípio como louca, e gradualmente eleva sua loucura singular à norma aceita. Quando perguntaram a Margaret Thatcher sobre seu maior êxito, ela respondeu sem pestanejar: “O New Labour”. E ela estava certa: seu triunfo foi o fato de suas políticas econômicas básicas terem sido adotadas até mesmo por seus inimigos econômicos – o verdadeiro triunfo não é a vitória sobre o inimigo, ele ocorre quando o próprio inimigo começa a usar sua linguagem, de modo que suas ideias formem a base de todo o campo.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Produção de sentido


O que falta à nova geração? Faltam instituições produtoras de sentido. Há que imprimir sentido à vida. Minha geração, a que fez 20 anos de idade na década de 1960, tinha como produtores de sentido Igrejas, movimentos sociais e organizações políticas

Por Frei Betto

Muitos pais se queixam do desinteresse dos filhos por causas altruístas, solidárias, sustentáveis. Guardam a impressão de que parcela considerável da juventude busca apenas riqueza, beleza e poder. Já não se espelha em líderes voltados às causas sociais, ao ideal de um mundo melhor, como Gandhi, Luther King, Che Guevara e Mandela.

O que falta à nova geração? Faltam instituições produtoras de sentido. Há que imprimir sentido à vida. Minha geração, a que fez 20 anos de idade na década de 1960, tinha como produtores de sentido Igrejas, movimentos sociais e organizações políticas.

A Igreja Católica, renovada pelo Concílio Vaticano II, suscitava militantes, imbuídos de fé e idealismo, por meio da Ação Católica e da Pastoral de Juventude. Queríamos ser homens e mulheres novos. E criar uma nova sociedade, fundada na ética pessoal e na justiça social.

Os movimentos sociais, como a alfabetização pelo método Paulo Freire, nos desacomodavam, impeliam-nos ao encontro das camadas mais pobres da população, educavam a nossa sensibilidade para a dor alheia causada por estruturas injustas.

As organizações políticas, quase todas clandestinas sob a ditadura, incutiam-nos consciência crítica, e certo espírito heroico que nos destemia frente aos riscos de combater o regime militar e a ingerência do imperialismo usamericano na América Latina.

Quais são, hoje, as instituições produtoras de sentido? Onde adquirir uma visão de mundo que destoe dessa mundividência neoliberal centrada no monoteísmo do mercado? Por que a arte é encarada como mera mercadoria, seja na produção ou no consumo, e não como criação capaz de suscitar em nossa subjetividade valores éticos, perspectiva crítica e apetite estético?

As novas tecnologias de comunicação provocam a explosão de redes sociais que, de fato, são virtuais. E esgarçam as redes verdadeiramente sociais, como sindicatos, grêmios, associações, grupos políticos, que aproximavam as pessoas fisicamente, incutiam cumplicidade e as congregavam em diferentes modalidades de militância.

Agora, a troca de informações e opiniões supera o intercâmbio de formação e as propostas de mobilização. Os megarrelatos estão em crise, e há pouco interesse pelas fontes de pensamento crítico, como o marxismo e a teologia da libertação.

No entanto, como se dizia outrora, nunca as condições objetivas foram tão favoráveis para operar mudanças estruturais. O capitalismo está em crise, a desigualdade social no mundo é alarmante, os povos árabes se rebelam, a Europa se defronta com 25 milhões de desempregados, enquanto na América Latina cresce o número de governos progressistas, emancipados das garras do Tio Sam e suficientemente independentes, a ponto de eleger Cuba para presidir a Celac (Comunidade do Estados Latino-Americanos e Caribenhos).

Vigora atualmente um descompasso entre o que se vê e o que se quer. Há uma multidão de jovens que deseja apenas um lugar ao sol sem, contudo, se dar conta das espessas sombras que lhes fecham o horizonte.

Quando não se quer mudar o mundo, privatiza-se o sonho modificando o cabelo, a roupa, a aparência. Quando não se ousa pichar muros, faz-se tatuagem para marcar no corpo sua escala de valores. Quando não se injeta utopia na veia, corre-se o risco de injetar drogas.

Não fomos criados para ser carneiros em um imenso rebanho retido no curral do mercado. Fomos criados para ser protagonistas, inventores, criadores e revolucionários.

Quando Hércules haverá de arrebentar as correntes de Prometeu e evitar que o consumismo prossiga lhe comendo o fígado? "Prometeu fez com que esperanças cegas vivam nos corações dos homens”, escreveu Ésquilo. De onde beber esperanças lúcidas se as fontes de sentido parecem ressecadas?

Parecem, mas não desaparecem. As fontes estão aí, a olhos vistos: a espiritualidade, os movimentos sociais, a luta pela preservação ambiental, a defesa dos direitos humanos, a busca de outros mundos possíveis.

Frei Betto é escritor, autor do romance "Minas do Ouro” (Rocco), entre outros livros. http://www.freibetto.org- twitter: @freibetto.

Fonte: Brasil de Fato

sexta-feira, 3 de maio de 2013

A grande farsa do gás de xisto


Por Nafeez Mosaddeq AhmedEstados Unidos

Energia barata versus poluição prolongada: nos EUA, o dilema da exploração de gás e petróleo de xisto não atormentou industriais nem o poder público. Em menos de uma década, essas novas reservas recolocaram o país no crescimento, doparam o emprego e restabeleceram a competitividade. Mas e se for apenas uma bolha?

Se crermos nas manchetes da imprensa norte-americana anunciando um boomeconômico graças à “revolução” do gás e do petróleo de xisto, o país logo estará se banhando em ouro negro. O relatório de 2012, “Perspectivas energéticas mundiais”, da Agência Internacional de Energia (AIE), informa que, por volta de 2017, os Estados Unidos arrebatarão da Arábia Saudita o primeiro lugar na produção mundial de petróleo e conquistarão uma “quase autossuficiência” em matéria energética. Segundo a AIE, a alta programada na produção de hidrocarbonetos, que passaria de 84 milhões de barris/dia em 2011 para 97 milhões em 2035, proviria “inteiramente dos gases naturais líquidos e dos recursos não convencionais” – sobretudo o gás e o óleo de xisto –, ao passo que a produção convencional começaria a declinar a partir de... 2013.

Extraídos por fraturamento hidráulico (injeção, sob pressão, de uma mistura de água, areia e detergentes para fraturar a rocha e deixar sair o gás), graças à técnica da perfuração horizontal (que permite confinar os poços à camada geológica desejada), esses recursos só são obtidos ao preço de uma poluição maciça do ambiente. Entretanto, sua exploração nos Estados Unidos criou várias centenas de milhares de empregos, oferecendo a vantagem de uma energia abundante e barata. Conforme o relatório de 2013, “Perspectivas energéticas: um olhar para 2040”, publicado pelo grupo ExxonMobil, os norte-americanos se tornarão exportadores líquidos de hidrocarbonetos a partir de 2025 graças aos gases de xisto, num contexto de forte crescimento da demanda mundial do produto.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Manuel Castells: tempo de semear



Sociólogo sustenta: novos movimentos pensam a longo prazo, querem transformar relações de poder e são alternativa ao populismo de direita

Por Manuel Castells, no The Guardian | Transcrição e tradução: Gabriela Leite

Estamos testemunhando o aparecimento de um novo tipo de movimento social, que ainda é embrionário, por isso ainda não foi capaz de alterar fundamentalmente a política. Mas foi assim em muitos momentos da História. Este pode ser o começo de um longo processo de mobilização.
O que caracteriza todos estes movimentos é que, por um lado, são sempre criados na internet, aproveitando-se da autonomia do ciberespaço para promover debates e interagir. Mas passam frequentemente, no momento seguinte, ao espaço urbano — e constroem redes sociais físicas de interação. A combinação do ciberespaço e do espaço público com alguma contestação ao sistema institucional é o que caracteriza estes movimentos. Eles aparecem e desaparecem. E estão sempre na internet. Eu chamo suas dinâmicas de rizomáticas.
Nos últimos tempos, vemos, particularmente na Europa, o surgimento de alguns esforços para exercer influência sobre o próprio sistema político. Sempre que há uma nova eleição, aparecem novas formas de expressão política, com as quais não necessariamente concordo ou apoio, mas estão mostrando um claro descontentamento com sistema político.