terça-feira, 1 de junho de 2010

Ataque israelense ao comboio humanitário desafia a razão: existe um direito internacional?


O ataque das forças de segurança de Israel ao chamado “Comboio da Liberdade” em águas internacionais, é uma crua demonstração do que a cultura de intolerância e a manipulação do sectarismo étnico-religioso podem produzir. O saldo de mortos e feridos neste caso não importa tanto quanto a constatação de que o Estado Hebreu perdeu completamente o senso de responsabilidade, trocando a paz pela arrogância de quem aposta cegamente nas armas. Israel se tornou não só dependente da aliança estratégica com os EUA, mas “viciado” por essa aliança.
O mundo assiste incrédulo nos últimos anos, sucessivos governos de Tel’Aviv dominados pela lógica da intolerância. Desde o assassinato de Yitzhak Rabin por radicais israelenses, que não vemos um só governante de Israel dar um passo na direção do entendimento e da conciliação. Indigna ver que a mesma cegueira desumana do nazismo seja hoje reproduzida por aqueles que sofreram a barbárie de sua intolerância.
Não se pode dizer que esse triste episódio seja um fato isolado ou minimizá-lo com a retórica da segurança pela ameaça terrorista. Os soldados israelenses abordaram uma embarcação civil estrangeira em águas internacionais e abriram fogo contra civis ‘armados’ com “bolas de gude”!!! Que ameaça representava a flotilha? Cidadãos de diversas nacionalidades, inclusive europeus e americanos testemunharam essa agressão estúpida. No barco havia deputados europeus, uma cidadã irlandesa prêmio Nobel da Paz e até um judeu sobrevivente do Holocausto, certamente incrédulo com o que via.
O Estado de Israel sempre se orgulhou de ser uma democracia em meio a uma região dominada por autocracias. Uma luz de civilidade e direito, em meio ao conturbado ambiente do Oriente Médio, essa era a auto-referência israelense, que a cada dia fica mais difícil sustentar. É impossível deixar de reconhecer que Israel é hoje muito mais um elemento de instabilidade na região do que um agente estabilizador. A perda da auto-referência está levando à própria perda de identidade. O sionismo substituiu o judaísmo como ideologia dominante em Israel, isso é claro e cada vez mais preocupante. A moral judaica com seu profundo humanismo, que moldou com a ética grega os valores cristãos da civilização Ocidental, há muito deixou de ser a base cultural da política de Israel.
Hoje Israel corre o risco do isolamento, este sim o maior risco para o seu futuro. Mas esse isolamento vem do muro de desconfiança que ergueu em torno de si ao longo de décadas. Israel se perdeu na política da supremacia militar que não garante futuro, muito pelo contrário. Nenhum reino ou império conseguiu se manter por longo período com inimigos à toda sua volta. Que é preciso criar pontes de entendimento e compreensão para construir a paz, isso todo mundo sabe e repete, mas os líderes israelenses parecem não se importar e caminham, ou melhor, marcham decididamente para o abismo.
O fato ocorrido é grave e lança um sério desafio ao chamado direito internacional, justo no momento em que o Conselho de Segurança da ONU pressiona o Irã com sanções por mera suspeita de que seu real interesse na tecnologia nuclear seja militar. Entre as sanções contra a suspeita iraniana e a declaração condenando a estupidez do ataque israelense, a balança do direito internacional continua a se inclinar ao sabor do contexto geopolítico do momento. O mundo já demonstrou que está comprometido com a existência de Israel, mas Israel precisa demonstrar que tem compromisso com o mundo e não se esconder atrás da supremacia militar que a aliança com os EUA, por enquanto, ainda lhe assegura.
Oscarino Arantes

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