domingo, 5 de fevereiro de 2012

400 dias de Dilma: um Brasil em preto e branco

Oscarino Arantes
Após um início marcado pelo contraste do tom em relação ao histriônico ex-presidente, após quatrocentos dias de governo e sete ministros rifados, o que marca o governo Dilma é, justamente, a falta de uma marca. Se FHC ficou marcado pelas privatizações e Lula pelo ufanismo auto-referente, Dilma não encontrou nada que pudesse imprimir sua marca como governante. Sem dúvida que houve mudança positiva com uma postura mais racional e menos emotiva no governo; com um discurso menos carregado de personalismo; até com uma discrição nos assuntos de Estado. Porém o que foi celebrado de início como razoabilidade da Sra. Presidente, começa a dar mostras de insipidez e falta de consistência. O governo Dilma é discreto porque quer passar em branco? A discrição é sempre uma boa medida de não comprometimento.

A verdade é que após 400 dias de Dilma, quase não nos damos conta de que o país possui um governo federal. Até em suas melhores performances, como no discurso na ONU, Dilma faz questão de fugir dos holofotes – tudo bem até aí – mas o faz à custa de nada fazer. As iniciativas em seu governo ou são meras continuações do anterior ou são carentes de substância sócio-econômica para afetar o tabuleiro político. Dilma vive o dilema tecnocrata do governante não-político: governar sim, mas não fazer nada que possa atrapalhar os interesses políticos que lhe dão sustentação. É daí que nascem os projetos que não saem do papel, as obras dispendiosas que custam muito e nada resolvem, além dos programas assistencialistas muito ao gosto do eleitorado.

Se considerarmos os múltiplos interesses políticos de sua ampla base de sustentação, vemos porque Dilma foi engessada antes de sentar na cadeira. Essa é armadilha de buscar a tal “governabilidade” mediante uma ampla coalizão partidária, sem perfil ideopolítico: não há espaço para o movimento, pois em todo canto há interesses a serem ‘preservados’ e o consensualismo só é alcançado à custa da imobilidade negociada do governo. O resultado é o paradoxo da governabilidade sem rumo. Se com Lula isso foi escamoteado por sua empatia personalista, com Dilma isso está escancarado. Temos hoje uma estabilidade política institucional ao custo das grandes transformações que nosso país reclama para se tornar a grande nação do século XXI, sem a ilusão da Copa do Mundo e da Olimpíada. E é neste nódulo de inércia que a presidente Dilma se encontra após 400 dias de mandato.

A foto destes 400 dias é um Brasil em preto e branco. Uma inércia governamental perigosa e uma estabilidade política falsa. Não há como conter todas as contradições de uma sociedade pluralista com enorme déficit social, apenas no cadinho institucional dos partidos. Toda ilusão de eliminar o conflito no espaço político, suprimindo as contradições sociais, acaba sempre explodindo em maiores conseqüências, isso a História ensina. Ao aparelhar os movimentos sociais e sindical Lula teve a ilusão de controlar o povo, mas apenas afastou os instrumentos tradicionais que poderiam servir de interlocutores em um conflito de interesses. A tensão dos problemas sociais cresce e a colcha de retalhos da base governista se esgarça, resta saber se ainda há tempo para Dilma dar novo rumo a seu governo.