domingo, 20 de fevereiro de 2011

SINAIS TROCADOS E A FRATURA DO MÍNIMO


Oscarino Arantes

Os primeiros movimentos na área econômica do governo Dilma parecem indicar ao mercado financeiro que ele terá absoluta prioridade nos próximos quatro anos. Nas últimas semanas sua equipe econômica adotou duras medidas de “ajuste” através da forte elevação da taxa básica de juros e do maior contingenciamento fiscal da história, equivalente a 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB). O mesmo se viu agora na votação do novo salário mínimo de R$ 545.

Com o novo salário mínimo do governo, os cerca de 47 milhões de trabalhadores e aposentados que sobrevivem com o mínimo não terão nenhum aumento real de renda em 2011, apesar da economia do país ter crescido quase 8% em 2010. Na verdade, o aumento concedido não chega nem mesmo a repor a inflação do período. Ou seja, o primeiro salário mínimo do governo Dilma importa em perda real para os trabalhadores e, por via indireta, resulta em aumento da concentração de renda.

É a primeira vez desde 1997 que o salário mínimo não tem reajuste real. O valor estabelece apenas a inflação (INPC) do período, pouco mais de 6%, e está bem abaixo da inflação da cesta básica, que em São Paulo, por exemplo, alcançou 16%. Tudo isso semanas depois do Congresso aprovar um aumento nos salários dos parlamentares de 62%, que representará um impacto de R$ 860 milhões às contas públicas, chegando a R$ 1,8 bi com o efeito em cascata nos estados.

Mas a desculpa para essas medidas de “ajuste” é a contenção da inflação. Contudo revelam um jaez monetarista “efeagaeciano”, com sua predileção pela compressão do consumo e concentração de renda. Assinatura de Antonio Palocci, sem dúvida. É um sinal trocado do governo que, ao menos na retórica, anuncia a pretensão de superar a miséria como prioridade. Ora, isso implicaria sustentar um longo ciclo de crescimento, com base na distribuição de renda, elevação do poder de compra e consumo de alguns milhões de brasileiros, conjugado com um investimento maciço em educação e infra-estrutura. Mas com a política econômica esboçada, especialistas já vêem os primeiros sinais de desaquecimento da economia brasileira.

Surfando na “marolinha” 
Segundo dados do Banco Central, nos anos do governo Lula, nossa Dívida Pública mais que dobrou. Em 2002 somava R$ 851 bilhões, sendo R$ 212 bilhões de "dívida externa" e R$ 640 bilhões de "dívida interna". Em 2010, às vésperas da posse de Dilma, nossa dívida alcançou R$ 1.890 trilhão, um valor superior a 40% do nosso PIB. São R$ 240 bilhões de "Dívida Externa" (aquela que Lula disse que pagou) e R$ 1.650 trilhão de "Dívida Interna", representada, na maior parte, por títulos em mãos de nossos bancos. Somente em 2010 teve um aumento de 13,15%, um crescimento de R$ 197 bilhões, o dobro de 2009 e o maior desde 2001.

O serviço da "Dívida Pública" corresponde a um desembolso de R$ 16,5 bilhões ao mês só de juros, ou melhor, R$ 550 milhões de juros ao dia. Esta fortuna vem do dinheiro que os cidadãos e empresas brasileiros pagam de impostos. Como a taxa de juros de grande parte de nossa Dívida Pública é pós-fixada, cada ponto percentual de elevação da taxa básica de juros (SELIC) representa, potencialmente, um gasto adicional de R$ 15 bilhões a cada ano. Dá pra entender porque entre os “analistas” do mercado financeiro, vemos uma quase unanimidade pela elevação da SELIC ou sua manutenção em patamar elevado. Cerca de metade do orçamento da União para 2011, está comprometido com a Dívida Pública, num total de R$ 954 bilhões. Sem dúvida é a melhor forma de extração de mais-valia em escala macroeconômica. Hoje o Brasil é a tábua de salvação do mercado financeiro internacional e o governo Dilma acena aos investidores.

Primeira fratura

No plano político cedo demais o governo comemorou a vitória acachapante na Câmara dos Deputados, na votação do novo salário mínimo, resultado de uma ofensiva para garantir a esmagadora maioria ao seu projeto, mediante ameaças à base aliada e uma massiva campanha de propaganda na mídia. A truculência pode ter garantido a maioria eventual, mas revelou cedo demais a fragilidade de articulação política do governo. O Congresso é um terreno pantanoso demais para o uso de “blindados”, se é que me entendem. Nosso legislativo quase sempre se sujeita ao executivo, mas é uma sujeição instável, marcada por tensões permanentes e suscetível de reviravoltas. Se Dilma acredita que vai lidar com o Congresso com “mão-de-ferro” pode ter desagradáveis surpresas.

Após a votação do mínimo o governo cobrou explicações do PDT, que não votou coeso na proposta governista. O Planalto ameaça a tratar o partido, que integra a sua base, a “pão e água”. Segue a linha “mão-de-ferro” e comete novo erro: o que fará quando for o PMDB (muito mais heterogêneo) a quebrar a unidade da base? Dará um tiro no próprio ouvido? Com essa atitude, o governo erra ao expor sua debilidade de articulação política, o que no Congresso pode tornar-lhe refém das piores práticas.

Além disso, o engajamento do governo na aprovação do novo salário mínimo abriu um racha com as centrais sindicais e deu um balão de oxigênio à oposição, ainda em frangalhos e sem liderança. Causou também uma fratura na base governista e abalou a confiança de trabalhadores, aposentados e pensionistas, que formaram a grande massa de sustentação do lulismo nas periferias dos grandes centros urbanos. Dilma não tem capital político para prescindir dessa base de apoio. Tudo isso poderia ter sido evitado com mais negociação e flexibilidade.

Em suma, a vitória do governo na Câmara, foi uma “Vitória de Pirro”. Um erro que Dilma terá tempo suficiente para lamentá-lo.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

LUZ AMARELA COM OS PRIMEIROS MOVIMENTOS DO GOVERNO DILMA


Em um mês Dilma já mostrou a que veio 

Em seu primeiro mês à frente da presidência da República, as medidas tomadas por Dilma Roussef desvanecem paulatinamente as ilusões quanto ao caráter do seu governo.

PCB - [Renato Nucci Junior]
Em um ambiente internacional marcado pelo aprofundamento da crise econômica, fica claro o papel do governo Dilma: preparar o país para os seus efeitos deletérios, garantindo prioritariamente os interesses do grande capital monopolista. Para tanto, aplicam-se e anunciam-se duras medidas de ajuste tais como privatizações e ataques aos interesses e direitos dos trabalhadores, todas com o intuito de atenuar suas conseqüências para o capital, mas impingindo aos trabalhadores um custo infinitamente maior.

A primeira medida anunciada por Dilma logo no início de seu mandato é a da abertura do capital da Infraero e a privatização na gestão dos aeroportos. Alegam-se dificuldades do Estado em mobilizar o volume de recursos necessários, cerca de R$ 5,5 bilhões, para modernizar e ampliar os aeroportos, tendo em vista a crescente demanda por passagens aéreas e a execução de reformas que prepararem a infra-estrutura do país para receber a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Indisposta a negociar e debater o projeto com a atenção merecida, expondo sua face truculenta e pouco afeita ao diálogo, pois a aplicação de duras medidas de ajuste não deixam margem para negociação, Dilma avisou que o projeto de privatização da Infraero será encaminhado por meio de medida provisória. Em suas linhas gerais a proposta aponta para uma gestão compartilhada entre Estado e empresas privadas, que passariam a administrar os novos terminais de Cumbica e Viracopos, através de concessão de 20 anos. As principais interessadas e maiores beneficiadas seriam as duas maiores empresas aéreas do país, a Tam e a Gol.

Mais uma vez, como sempre ocorre no Brasil, fato igualmente comum nos governos petistas, o Estado burguês faz cortesia com chapéu alheio, usando dinheiro público para financiar o lucro privado. Afinal, dentre todos os terminais aeroportuários do Brasil, Cumbica e Viracopos representam o filé mais suculento, pois são respectivamente os maiores em volume de passageiros e de cargas. Outro caso emblemático da entrega do patrimônio público para o capital privado é o do aeroporto de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte. Concluído, será o primeiro do país concedido totalmente à iniciativa privada, cujo investimento de R$ 450 a R$ 600 milhões para a sua construção receberá 80% de financiamento do BNDES.

No bojo dessa onda de ataques patrocinada pelo governo Dilma, inclui-se a decisão tomada pelo Banco Central na primeira reunião do Conselho de Política Monetária (Copom), em 2011, de aumentar a taxa básica de juro de 10,75% para 11,25% com a justificativa de conter a alta da inflação. Esse aumento na taxa Selic atende aos interesses do capital financeiro, uma das frações hegemônicas da burguesia no bloco no poder. O recurso ao aumento da taxa básica de juro como forma de controle da inflação, além da emissão de títulos públicos indexados pela taxa Selic do BC para retirar dinheiro de circulação, igualmente atendem ao interesse do capital financeiro. Entretanto, levam a um crescimento desmesurado da dívida pública. Esta, em 2010, fechou com a extraordinária quantia de R$ 1,69 trilhão e a previsão do Tesouro para 2011 é que ela atinja entre R$ 1,8 trilhão e R$ 1,93 trilhão. A garantia para o seu pagamento é feita pelo Estado através do superávit primário, ou seja, cortes nos gastos públicos. Para 2011 está previsto um superávit primário de 3,1%, representando um corte de cerca de R$ 60 bilhões no Orçamento. Essa farra faz a alegria dos credores da dívida pública, majoritariamente o grande capital bancário e financeiro nacional cujo poder e influência impõem ao Orçamento Geral da União reservas cada vez maiores que garantam a amortização da dívida, bem como o pagamento de juros e encargos. Em 2010, para um Orçamento de R$ 1,848 trilhões, estavam destinados R$ 777 bilhões, ou 42,04%, para a amortização da dívida. Outros R$ 138 bilhões serviriam para o pagamento de juros e encargos.

O compromisso de privilegiar o pagamento da dívida pública, mantido pelo governo Dilma, resultará na continuação da política de corte dos gastos públicos, principalmente os chamados gastos de custeio como pagamento do funcionalismo, os gastos com a previdência social, com a assistência social e com a manutenção da máquina pública. Esse compromisso só pode ser mantido impondo grandes sacrifícios aos trabalhadores, congelando o salário do funcionalismo público, reduzindo-se drasticamente o alcance e a universalização das políticas públicas e dos direitos sociais, além da ameaça de uma nova onda de reformas regressivas como a da previdência. Neste caso, o Ministro da Previdência Social, Garibaldi Alves Filho (PMDB), anunciou a necessidade de se fazer uma nova (contra) reforma da previdência sob a surrada alegação de conter um déficit inexistente. Mais do que um debate pautado por gélidos cálculos matemáticos, trata-se, em verdade, de um debate político, em torno de quais classes e camadas da sociedade serão priorizadas na destinação das verbas do Orçamento. O que se pretende, portanto, com essa nova reforma regressiva da previdência, onde previsões sombrias apontam para um aumento na idade e no tempo de contribuição, é garantir o pagamento da dívida pública aos seus credores. Ao mesmo tempo relegam-se a um segundo plano os gastos públicos voltados ao atendimento das necessidades da grande maioria do povo, sucumbindo o governo aos interesses da acumulação capitalista. Além do mais, no caso da previdência, o governo Dilma mantém o seu compromisso em não mexer no fator previdenciário, que reduz as aposentadorias em até 50%, e o reajuste com índice menor para quem recebe benefícios previdenciários acima de um salário mínimo.

Além do mais, se o problema da previdência fosse realmente o seu déficit, a proposta não incluiria a diminuição das alíquotas que as empresas pagam sobre a folha de salários, voltadas para o financiamento da previdência, de 20% para 14%. O objetivo, aqui, é permitir um aumento ainda maior dos lucros das empresas no Brasil, principalmente setores industriais que afetados pela concorrência chinesa e pela apreciação da taxa de câmbio, perdem competitividade. Por outro lado, pesquisa feita com 321 empresas de capital aberto, mostra que o lucro médio cresceu no segundo trimestre de 2010, 39% em relação ao mesmo período de 2009. Em alguns setores esse crescimento esteve muito acima da média, chegando a 87,8% para 38 empresas de energia elétrica e a 83,86% para 26 empresas da construção civil. Esses dados mostram o quanto é falso o debate que atribui à carga tributária a responsabilidade por um suposto fraco desempenho da economia, pois mesmo o crescimento da arrecadação fiscal em 2010, previsto para 34,7%, um ponto percentual maior do que em 2009, não travou o crescimento do lucro das empresas. Desse modo, o debate em torno da desoneração da folha de salários nada mais pretende do que permitir um aumento na acumulação do capital.

O debate em torno do reajuste do salário mínimo é outro bom exemplo sobre como o governo Dilma opta por privilegiar os interesses do capital e dos credores da dívida pública. Como o aumento do mínimo baliza o reajuste de outras categorias, além de atrelar o pagamento dos benefícios previdenciários e do seguro-desemprego, o governo Dilma já avisou às centrais sindicais governistas (CUT, CTB, NCST, CGTB, UGT e Força Sindical), de que o aumento ficará em R$ 545 e não em R$ 580 como pretendem as centrais. Ainda que o debate sobre o assunto carregue consigo uma boa dose de demagogia, pois cálculos do Dieese indicam que, para dezembro de 2010, o necessário para garantir uma vida minimamente digna para uma família trabalhadora seria de R$ 2.227,53, ela é uma boa medida da disposição do governo Dilma de impedir o aumento dos gastos públicos no que tange aos interesses dos trabalhadores, privilegiando no Orçamento Geral da União os interesses dos credores da dívida. O impasse tem causado inúmeros atritos entre a equipe do novo governo e as centrais governistas. Estas têm sido obrigadas a reconhecer a presteza do governo, tanto de Lula como de Dilma, em tomar medidas extraordinárias na defesa dos interesses do capital, relegando a um segundo plano assuntos de interesses dos trabalhadores. Somam-se a essas críticas reclamações quanto a falta de diálogo e de um canal de interlocução mais permanente entre as centrais e o atual governo. Esse é mais um exemplo do modo como Dilma, eleita para aplicar duras medidas de ajuste contra os trabalhadores, será truculenta e adotará uma relação intransigente mesmo com os seus aliados, pois seu compromisso será o de atenuar os efeitos da crise para o capital.

Mas o conjunto de ataques não para por aí. O Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, principal entidade filiada à CUT e berço do "sindicalismo autêntico", cujo principal expoente foi o ex-presidente Lula, prepara um projeto de lei que propõe reforma da CLT. Este não consiste em retirar direitos consagrados na Consolidação e no artigo 7º da Constituição Federal, incluindo mecanismo mais sutil de precarização do trabalho. Operando sob a lógica neoliberal da livre negociação, o projeto quer instituir garantias para fazer prevalecer o negociado sobre o legislado, alterando o artigo 618 da CLT. Com isso, a CLT deixa de significar um patamar mínimo sobre o qual devem se assentar as relações de emprego e de exploração da força de trabalho, com as convenções e acordos coletivos ampliando direitos e conquistas. Alegando querer garantir maior segurança jurídica aos acordos pactuados entre trabalhadores e empresas, impedindo que sejam questionados pela justiça do trabalho, um projeto de lei em que prevaleça o negociado sobre o legislado tornará legal a precarização já praticada pelas empresas. Tendo um movimento sindical como o nosso, conduzido em sua maioria por dirigentes pelegos e que operam na lógica da conciliação de classe, não é difícil prever o quão nefasto será para os trabalhadores retirar da CLT o seu papel em assegurar um patamar mínimo de direitos e de impor certos limites à exploração do trabalho pelo capital.

Como vemos, aos trabalhadores brasileiros se impõem inúmeros desafios. Os ajustes programados pela burguesia com apoio do governo Dilma, como forma de lhes atenuar os efeitos da crise econômica mundial, representam uma nova ofensiva do capital sobre o trabalho. Dessa empreitada, porém, também participam setores do movimento sindical que compartilham com o governo Dilma as responsabilidades por essa nova onda de ataques. Diante dessa conjuntura se exigirá do sindicalismo classista e combativo uma resposta inequívoca. Esta passa obrigatoriamente por ver que nosso adversário não é apenas a burguesia e o governo de turno que controla o Estado burguês, mas igualmente setores do movimento sindical que, em nome dos trabalhadores, aliam-se ao capital na aplicação das medidas de ajuste. Para isso, só nos resta um caminho: o da luta e da organização dos trabalhadores pela base, unificando lutas e construindo um programa mínimo capaz de oferecer uma saída classista e anticapitalista que derrote os planos de ajuste do capital.

Campinas, fevereiro de 2011.

Renato Nucci Junior é membro do Comitê Central do PCB

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

ENTREVISTA COM NOAM CHOMSKY SOBRE O LEVANTE POPULAR NO MUNDO ÁRABE

Chomsky: EUA estão seguindo seu velho manual no Egito

Em entrevista a Amy Goodman, do Democracy Now, o linguista e professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), Noam Chomsky, analisa o desenrolar dos protestos no Egito e o comportamento do governo dos Estados Unidos diante deles. Na sua avaliação, o governo Obama está seguindo o manual tradicional de Washington nestas situações.

Nas últimas semanas, os levantes populares ocorridos no mundo árabe provocaram a destituição do ditador Zine El Abidine Bem Ali, o iminente fim do regime do presidente egípcio Hosni Mubarak, a nomeação de um novo governo na Jordânia e a promessa do ditador de tantos anos do Iêmen de abandonar o cargo ao final de seu mandato.

Noam Chomsky fala nesta entrevista sobre o que isso significa para o futuro do Oriente Médio e da política externa dos EUA na região. Indagado sobre os recentes comentários do presidente Obama sobre Mubarak, Chomsky disse: “Obama foi muito cuidadoso para não dizer nada; está fazendo o que os líderes estadunidenses fazem habitualmente quando um de seus ditadores favoritos têm problemas, tentam apoiá-lo até o final. Se a situação chega a um ponto insustentável, mudam de lado”. Veja abaixo a entrevista completa.

Democracy Now: Qual é sua análise sobre o que está acontecendo e como pode repercutir no Oriente Médio?

Noam Chomsky: Em primeiro lugar, o que está ocorrendo é espetacular. A coragem, a determinação e o compromisso dos manifestantes merecem destaque, E, aconteça o que aconteça, estes são momentos que não serão esquecidos e que seguramente terão consequências a posteriori: constrangeram a polícia, tomaram a praça Tahrir e permaneceram ali apesar dos grupos mafiosos de Mubarak.

O governo organizou esses bandos para tratar de expulsar os manifestantes ou para gerar uma situação na qual o exército pode dizer que teve que intervir para restaurar a ordem e depois, talvez, instaurar algum governo militar. É muito difícil prever o que vai acontecer.

Os Estados Unidos estão seguindo seu manual habitual. Não é a primeira vez que um ditador “próximo” perde o controle ou está em risco de perdê-lo. Há uma rotina padrão nestes casos: seguir apoiando o tempo que for possível e se ele se tornar insustentável – especialmente se o exército mudar de lado – dar um giro de 180 graus e dizer que sempre estiveram do lado do povo, apagar o passado e depois fazer todas as manobras necessárias para restaurar o velho sistema, mas com um novo nome.

Presumo que é isso que está ocorrendo agora. Estão vendo se Mubarak pode ficar. Se não aguentar, colocarão em prática o manual.

Democracy Now: Qual sua opinião sobre o apelo de Obama para que se inicie a transição no Egito?

Noam Chomsky: Curiosamente, Obama não disse nada. Mubarak também estaria de acordo com a necessidade de haver uma transição ordenada. Um novo gabinete, alguns arranjos menores na ordem constitucional, isso não é nada. Está fazendo o que os líderes norteamericanos geralmente fazem.

Os Estados Unidos têm um poder constrangedor neste caso. O Egito é o segundo país que mais recebe ajuda militar e econômica de Washington. Israel é o primeiro. O mesmo Obama já se mostrou muito favorável a Mubarak. No famoso discurso do Cairo, o presidente estadunidense disse: “Mubarak é um bom homem. Ele fez coisas boas. Manteve a estabilidade. Seguiremos o apoiando porque é um amigo”.

Mubarak é um dos ditadores mais brutais do mundo. Não sei como, depois disso, alguém pode seguir levando a sério os comentários de Obama sobre os direitos humanos. Mas o apoio tem sido muito grande. Os aviões que estão sobrevoando a praça Tahrir são, certamente, estadunidenses.

Os EUA representam o principal sustentáculo do regime egípcio. Não é como na Tunísia, onde o principal apoio era da França. Os EUA são os principais culpados no Egito, junto com Israel e a Arábia Saudita. Foram estes países que prestaram apoio ao regime de Mubarak. De fato, os israelenses estavam furiosos porque Obama não sustentou mais firmemente seu amigo Mubarak.

Democracy Now: O que significam todas essas revoltas no mundo árabe?

Noam Chomsky: Este é o levante regional mais surpreendente do qual tenho memória. Às vezes fazem comparações com o que ocorreu no leste europeu, mas não é comparável. Ninguém sabe quais serão as consequências desses levantes.

Os problemas pelos quais os manifestantes protestam vem de longa data e não serão resolvidos facilmente. Há uma grande pobreza, repressão, falta de democracia e também de desenvolvimento. O Egito e outros países da região recém passaram pelo período neoliberal, que trouxe crescimento nos papéis junto com as consequências habituais: uma alta concentração da riqueza e dos privilégios, um empobrecimento e uma paralisia da maioria da população. E isso não se muda facilmente.

Democracy Now: Você crê que há alguma relação direta entre esses levantes e os vazamentos de Wikileaks?

Noam Chomsky: Na verdade, a questão é que Wikileaks não nos disse nada novo. Nos deu a confirmação para nossas razoáveis conjecturas.

Democracy Now: O que acontecerá com a Jordânia?

Noam Chomsky: Na Jordânia, recém mudaram o primeiro ministro. Ele foi substituído por um ex-general que parece ser moderadamente popular, ou ao menos não é tão odiado pela população. Mas essencialmente não mudou nada.

Fonte: Carta Maior
Tradução: Katarina Peixoto

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

QUE SOBERANIA? Militares americanos atuam na Amazônia, denuncia general

“Mercenários da Blackwater atuam na Amazônia e nas plataformas da Halliburton”, denuncia general Nery



Escrito por Coronel Aécio Kauffmann

Nem mesmo o governo fantoche do Afeganistão aceita mais conviver com a Blackwater - empresa de mercenários com sede em Moyock na Carolina do Norte, Estados Unidos. Hamid Karzai acaba de tomar a decisão de proibir a atuação da empresa em seu território.

No Brasil, o general-de-brigada da reserva, Durval Antunes de Andrade Nery, denunciou a presença da Blackwater em reservas na Amazônia e em plataformas de petróleo na costa do país.

O general, que é coordenador do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos da Escola Superior de Guerra, afirmou que “membros fortemente armados da Blackwater já atuam em reservas indígenas brasileiras contando com bases fluviais bem equipadas”.

Em matéria publicada pelo jornal carioca “O Dia”, o general Nery revelou a existência de agentes da Blackwater em 15 plataformas de petróleo administradas pela Halliburton na costa brasileira.

“Faço um desafio: vamos pegar um barco e tentar subir numa plataforma.

Garanto que vamos encontrar os homens da Halliburton armados até os dentes e que não vão deixar a gente subir”, advertiu o general.

O militar confirmou como é a relação da Halliburton com a Agência Nacional de Petróleo: “Esta empresa (Halliburton) está envolvida com o apoio logístico em todo o mundo no que diz respeito ao petróleo, principalmente no Iraque.

A Halliburton é uma empresa que hoje, no Brasil, mantém um de seus (ex) diretores como diretor da ANP (Nelson Narciso Filho).

Esse homem tem acesso a dados secretos das jazidas de petróleo no Brasil”.

A Blackwater recentemente criou uma nova empresa, a Xe Services and US Training Center.

Ela mudou de nome para continuar fazendo todo o serviço “sujo” que os militares não podem fazer.

Um exemplo de sua ação no Iraque foi a preparação de atentados para provocar a violência entre xiitas e sunitas.

A Halliburton teve como presidente Dick Cheney, ex-vice de George Bush, e se tornou notória pela rapinagem que promove no Iraque e pelos escândalos com dinheiro público nos EUA.

Sobre a Amazônia, Nery reproduziu ao jornal o relato feito por um militar da ativa na região:

“Um coronel que comandava batalhão na região da (reserva indígena) Yanomami contou que estava fazendo patrulha, em um barco inflável com quatro homens, em um igarapé, quando avistou um sujeito armado com fuzil.

Um tenente disse:

‘Tem mais um cara ali’.

Eram cinco homens armados.

O tenente advertiu: ‘coronel, é uma emboscada.

Vamos retrair.

’Retraíram.

Nery perguntou ao coronel o que ele tinha feito:

“Ele disse: ‘general, tive que ir ao distrito, pedir à juíza autorização para ir lá.’

Falei:

‘Meu caro, você, comandante de um batalhão no meio da Amazônia, perto da fronteira, responsável por nossa segurança, só pode entrar na área se a juíza autorizar?

Ele respondeu: ‘É. Foi isso que o governo passado (Fernando Henrique) deixou para nós.

Não podemos fazer nada em área indígena sem autorização da Justiça”.

“O coronel contou que pegou a autorização e voltou.

Levou três horas para chegar ao igarapé, onde não tinha mais ninguém.

Continuou em direção à fronteira.

De repente, encontrou ancoradouro, com um cara loiro, de olhos azuis, fuzil nas costas, o esperando.

Olhou para o lado: 10 lanchas e quatro aviões-anfíbio, no meio na selva.

‘Na sua área?’, perguntei.

‘É’, respondeu.

Ele contou que abordou o homem:

‘Quem é você?”.

Como resposta ouviu:

‘Sou oficial das forças especiais dos Estados Unidos da América do Norte’”.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Trinta dias de Dilma

Oscarino Arantes

Algum desavisado, ou mal intencionado, poderia dizer que Dilma como presidente continua uma boa ministra. Estaria enganado. Trinta dias é pouco tempo para avaliar qualquer administrador, principalmente um chefe de estado e governo. Mas a primeira impressão colhida nessas semanas iniciais é positiva. Dilma deu uma nova cadência ao Planalto. Na tragédia da Serra, não hesitou em se expor e conhecer in locco a extensão do problema, se limitando a fazer e prometer o possível. A fanfarronice já nos parece coisa do passado. Só o fato de não termos a quase onipresença da imagem do presidente nos diversos noticiários (do futebol à coluna social), já é uma grande vantagem.

A rigor, politicamente o governo começa agora, com a posse do novo Congresso e a repartição dos cargos do 2º escalão. É a partir de agora que começa a correr o relógio para Dilma provar sua capacidade de liderança política, justamente sua debilidade mais aparente. Se em seis meses não conseguir estabelecer uma agenda de governo, vai confirmar as piores previsões e dificilmente conseguirá pautar reformas ou mesmo conduzir programas significativos. Sua base política entraria na zona do “salve-se quem puder”, pois a partir de agosto, o legislativo começa a respirar os ares da eleição municipal de 2012, que vale prefeituras com orçamentos das obras da Copa do Mundo e “cartas no baralho” para a eleição geral de 2014.

Por ora, o governo Dilma completou o seu primeiro mês com seu début nas relações externas. A escolha da Argentina para a primeira viagem internacional, aponta o compromisso com a estratégica relação de Estado, traçada na criação do Mercosul nos anos 80 e, de certo modo, consolidada no governo Lula. A diminuição do tom na política externa parece ser a novidade bem vinda do novo governo, que despido do perfil boquirroto chauvinista do ex-presidente, tende a retomar a tradição consagrada do Itamarati de atuar de forma cautelosa e eficiente nos mais movediços terrenos. No horizonte, Obama já anunciou sua visita para março e, certamente, traz na bagagem a pauta represada pela falta de empatia com “The Guy”. Nela, com certeza, o lobby dos caças F-18/A, os biocombustíveis, as reservas do pré-sal, a guerra cambial, a segurança hemisférica, a tríplice fronteira, o Irã, etc. e etc. A pauta sem dúvida será extensa. Mas será a partir daí que começará pra valer a política externa do governo Dilma. Por enquanto, é só ensaio.

AS CHUVAS NA REGIÃO SERRANA: Rotina de tragédias anunciadas

Por Ronald Barata

Fenômenos climáticos que causam enchentes, deslizamentos e enxurradas produzindo mortes e destruição, tornaram-se rotina. Temos, no mínimo, uma catástrofe anual em vários lugares. Felizmente não nos assolam furacões, tsunamis, vulcões, terremotos.

Mas nossas tragédias, embora produzidas por causas naturais, seriam minimizadas se não houvesse imóveis em locais claramente perigosos, se as encostas estivessem contidas e tivéssemos uma eficiente defesa civil. E, claro, se não houvesse super população nas cidades, não haveria necessidade de construções em áreas de risco. Tínhamos até os anos 1960, 55% da população no campo e 45% nas cidades. Hoje, inverteu-se. São apenas 16% no campo e 84% nas cidades. É, portanto, principalmente, uma questão política. Não se pode reduzir a intensidade das chuvas, mas podem-se criar condições de não acontecerem catástrofes. A exacerbada migração não ocorreria se houvesse formas de fixação do rural em seu ambiente, isto é, a tão decantada e sempre adiada Reforma Agrária. E condições dignas nas pequenas cidades.

Em 2008, o Estado de Santa Catarina sofreu os efeitos de fortíssimas chuvas. O morro do Baú, no município de Ilhota, com cerca de 10.500 habitantes, foi severamente castigado, mas não houve vítimas fatais. Em 2010, repete-se o problema e o Morro do Baú, desta vez, foi arrasado, sumiu do mapa. Deixou vários desabrigados. Agora, no início de 2011, aconteceram novas tragédias em vários municípios daquele Estado.

Chuvas fortes, seja em março, novembro ou janeiro têm causado graves transtornos principalmente nas regiões sul e sudeste, a exemplo do ano 2009. Repetiram-se tragédias já havidas em anos anteriores. Na década de 1960 a cidade do Rio de Janeiro sofreu muito. Criou-se a Geotécnica e, de lá para cá, obras importantes foram feitas e as tragédias foram mitigadas. Entretanto, no Estado do Rio de Janeiro, não se pode comemorar nada. Em 2010, em Angra dos Reis e na Ilha Grande, houve 148 mortes. Em Niteroi, só no Morro do Bumba foram mais de 30 mortes. 318 mortes no Estado.

O governador Sergio Cabral estava viajando pelo exterior e o vice Pezão apareceu no lugar da catástrofe e declarou: “Esse é o momento de ver o que pode ser feito para resolver a situação dessas pessoas.” Essa estupidez não deve ter sido mal intencionada. Mas mostra o despreparo e o desprezo das autoridades.

Estamos dizimando a mata atlântica que equilibrava o regime das chuvas. Além de não se deixar construir onde não se deve, impõe-se fazer obras preventivas que respeitem a natureza das encostas, dos vales e dos rios. É fundamental impedir construções às margens dos rios e nas encostas. Mas o grande problema é a falta de uma política habitacional, em todo o país. Fenômenos naturais que atingiram países socialmente desenvolvidos e que respeitam a natureza, causaram transtornos, mas as tragédias foram bem menores que nos países descuidados.

Vendavais e tufões no Caribe atingiram Cuba, destruindo casas, indústrias e lavouras. Mas não houve nenhuma vítima fatal. Funcionou a prevenção. A recente tempestade-tsunami na Austrália, afetou uma área igual a dos estados de Minas Gerais e S. Paulo juntos, destruiu 30 mil casas e o sistema de eletricidade. Mas os helicópteros para socorro apareceram imediatamente. Área maior que a nossa região serrana, mas teve 25 mortos e menos de cem desaparecidos. Havia prevenção. Na região serrana, onde os mortos podem chegar a mil, o primeiro helicóptero só apareceu 72 horas depois.

Em agosto de 2005, o furacão Katrina, com ventos que alcançaram 280 km/hora, atingiu a extensa costa dos Estados Unidos que, naquele ano, já havia sido vitimada por dez tempestades (sendo 4 furacões), destruindo casas, rede elétrica, plataformas petrolíferas etc. Foram evacuadas mais de um milhão de pessoas e houve mil mortes. O Tsunâmi de 2004 na Indonésia matou cerca de 300 mil pessoas. No Haiti, o país mais pobre do continente, o terremoto de janeiro de 2010 deixou 230 mil mortos, 250 mil feridos e 1,3 milhão de desabrigados; os sistemas de serviços públicos, como água potável etc. ainda não foram recuperados e ainda há um milhão de desabrigados.

Portanto, há vários exemplos de gradação das desgraças. Todos oferecendo imagens aterrorizantes. Mas também há o belo: a solidariedade e apoio aos flagelados, prestados por cidadãos anônimos, empresas e entidades sociais. Os voluntários deram comoventes espetáculos da beleza da parte sã da criatura humana. Governos estrangeiros fizeram doações. Chegam a R$ 7 milhões os depósitos em contas bancárias abertas para ajudar. Seis empreiteiras doaram 2 mil casas. Nenhuma faz parte do grupo de beneficiárias que mamaram bilhões no governo Lula.

É preciso especialíssima atenção às crianças atingidas, que guardarão imagens drásticas por toda a vida, abalando-as moral e psicologicamente. As atenções e as obras de recuperação não podem ficar restritas às três principais metrópoles. Há que chegar aos seus distritos, às cidades menores atingidas e às áreas isoladas.

Friburgo, Petrópolis e Teresópolis já haviam mapeado 10 mil casas em mais de 220 áreas de alto risco, sujeitas a deslizamentos, enxurradas ou enchentes. Inclusive em áreas de proteção ambiental. Fica evidente a deficiência de atuação de órgãos responsáveis como o IBAMA, federal, e o estadual INEA. As novas edificações certamente observarão as recomendações dos geólogos, mas devem ser fiscalizadas por esses órgãos. Felizmente o Ministério Público Federal e entidades civis como OAB, associações etc., vão fiscalizar a aplicação dos recursos financeiros cedidos por órgãos públicos e particulares. Mas é preciso não esquecer sistemas de alerta e alarme.

Em 25 de janeiro de 2011.

RONALD SANTOS BARATA