terça-feira, 18 de junho de 2013

Primavera Brasileira?


Oscarino Arantes

O que parecia improvável há apenas algumas semanas, de repente irrompeu sem aviso: o povo ganhou as ruas das principais cidades do país. O que começou em Porto Alegre, em protestos contra o aumento da passagem de ônibus, chegou à São Paulo e daí – graças a reação violenta da força policial – se espalhou rapidamente pelo país.

Pondo a prova a crise de representatividade de nossas instituições, partidos políticos e sindicatos foram pegos de surpresa e o governo, estupefato, reagiu com a tradicional repressão policial. Num primeiro momento, a imprensa tratou o movimento como caso isolado, rotulando seus participantes como “vândalos e baderneiros”. Só quando percebeu uma adesão crescente na sociedade, que rompia o cerco da mídia adestrada, é que o tom da cobertura jornalística mudou.

Num país onde o 1º de maio é comemorado com shows de duplas sertanejas e sorteios de carros, onde greves não tem adesão e a passividade social ante aos sucessivos escândalos de corrupção beira a “anestesia moral”, a ebulição das ruas é uma surpreendente virada de rumo. Mais uma vez a internet mostra sua capacidade extraordinária como instrumento de mobilização social. Seria o início de uma “Primavera Brasileira”?

O que anima esse movimento espontâneo que segue a linha horizontal do “Occupy”, sem direção ou organicidade? Muito mais do que R$ 0,20 do transporte urbano, são várias as reivindicações que mobilizam milhares de pessoas em protestos pelo Brasil. No caudal das insatisfações acumuladas, há uma clara nota de rebeldia, de revolta de uma sociedade exausta com sua própria passividade diante de tanta cretinice do meio político, do desperdício escancarado de dinheiro público e da corrupção generalizada. Os gastos com as obras da Copa do Mundo causaram indignação, mas impossível também não perceber o desgaste social de uma carga tributária altíssima e serviços públicos de péssima qualidade. Da diversidade de motivações que inflamam os protestos, é possível deduzir uma causa subjacente comum: a reforma política em nosso país. Do estupor político da última década ao estopim das ruas, sem aviso, a democracia representativa no Brasil entrou em xeque. Já era hora.

Sem dúvida que o déficit de nossas instituições não é nenhuma novidade, mas é preciso antes de tudo, compreender a conjuntura atual, onde a pauta dos movimentos sociais esteve suprimida pela cooptação lulista nos últimos 12 anos. Podemos dizer que existe uma crescente demanda democrática reprimida no “país do faz de conta”. A era Lula construiu sua hegemonia baseada no falso consensualismo político, com o uso articulado do assistencialismo, fisiologismo e patrimonialismo, criando a ilusão de uma democracia contida, “estável”, palatável aos fiadores classistas de seu governo. Não à toa que a primeira reação do ex-presidente aos protestos das ruas, foi recomendar a “negociação”, velha fórmula para emular um movimento de base, promovendo sua liderança. Só que dessa vez, “cara-pálida”, não há com quem negociar.

Entre a surpresa e incredulidade, os políticos perderam o discurso, os partidos perderam as bandeiras e o governo perdeu o compasso diante dos acontecimentos. Conflito no campo, protestos indígenas e, agora, a eclosão de protestos urbanos. Quem sai às ruas é uma juventude menos suscetível ao controle da mídia tradicional, apartidária, que cresceu sem lideranças e tem na internet uma preciosa fonte de informações e debate. Mas é também uma classe média, esquecida e espoliada por sucessivos governos, que se cansou de pagar a conta da ineficiência, da corrupção e do desperdício de dinheiro público. O que virá pela frente? Impossível prever. Certo é que o elemento imponderável de uma democracia decidiu entrar em cena e introduziu algo novo no jogo político brasileiro. Revoluções começaram por bem menos.


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