Não é o momento de
chorar pela derrota das revoluções iniciadas no final de 2010
Immanuel Wallerstein | Nova York
Immanuel Wallerstein | Nova York

Três anos depois, ambos países estão atolados em lutas políticas acirradas. A violência interna cresce rapidamente; há grande incerteza sobre onde tudo irá parar, e em benefício de quem. Existem particularidades em cada país, aspectos que repercutem em outras revoltas pelo mundo árabe e árabe-islâmico, e outros que podem ser comparados ao que está acontecendo na Europa – e, até certo ponto, em todo o mundo.
O que aconteceu? Devemos começar com o levante popular inicial. Como ocorre muitas vezes, ele foi iniciado por jovens corajosos, que protestavam contra atos arbitrários dos poderosos — localmente, nacionalmente, internacionalmente. Nesse sentido, eram anti-imperialistas, anti-exploração e profundamente igualitários. É possível estabelecer uma clara comparação com os tipos de manifestações que se espalharam pelo mundo entre 1966 e 1970, e que se tornaram conhecidas como a “revolução mundial de 1968”. Como naquela época, os protestos tocaram algo profundo em seu país e atraíram vasto apoio popular, espraiando-se muito além do pequeno grupo que os iniciou.
O que aconteceu em seguida? Uma revolução antiautoritária generalizada é uma coisa muito perigosa para os que detêm autoridade. Quando as medidas de repressão iniciais pareceram não funcionar, muitos grupos procuraram domesticar as revoluções unindo-se a elas, ou fingindo se unir. Tanto na Tunísia quanto no Egito, o exército entrou em cena, recusando-se a atirar nos manifestantes, mas também procurando controlar a situação após a deposição dos dois ditadores.
Em ambos países, existira um forte movimento islâmico, a Irmandade Muçulmana. Ela fora banida da Tunísia e cuidadosamente controlada e restringida no Egito. As revoluções permitiram-lhe emergir de duas maneiras. Ela ofereceu assistência social para os pobres que haviam sofrido com a negligência do Estado. E decidiu formar partidos políticos para conquistar a maioria nos Parlamentos e controlar a redação das novas Constituições. Na primeira eleição de cada país, a Irmandade Muçulmana emergiu como o partido político mais forte.
No momento seguinte,
havia basicamente quatro grupos disputando a arena política. Além do partido da
Irmandade Muçulmana (Ennahda na Tunísia e Partido da Liberdade e Justiça, no
Egito), destacavam-se as forças seculares mais ou menos à esquerda; as forças
salafistas, na extrema direita, lutando pela adoção de uma versão muito mais
rigorosa da sharia[a lei islâmica] que a desejada pelos partidos da Irmandade;
e os apoiadores ainda fortes, mas quase ocultos, dos antigos regimes.

Enquanto isso, as foças ainda leais aos antigos regimes mantêm controle sobre
uma instituição chave: a polícia. É a polícia quem atira nas manifestações das
forças seculares. Quando estas protestaram contra assassinato de Chokri Belaid,
um líder secularista chave, o primeiro-ministro da Tunísia, Hamadi Jebali, um
islamista moderado, respondeu que estava igualmente chocado com o assassinato.
Diante disso, os grupos seculares replicam que os partidos islâmicos, e
especialmente seus chamados linha-dura, são, de qualquer forma, responsáveis —
por terem suscitado o ambiente necessário para que assassinato ocorresse.
Mais: Tunísia e Egito não são países isolados. Seus vizinhos no mundo árabe e
além estão também agitados. A intromissão geopolítica de forças de fora é muito
grande. Ambos países são relativamente pobres e precisam de ajuda financeira
estrangeira para lidar com o crescente e persistente desemprego, que se torna
ainda mais severo devido à perda do turismo – antes, uma fonte central de
receita.
Para onde isso tudo está se encaminhando? Existem apenas dois caminhos
possíveis. Um é o fim da revolução, pelo menos por enquanto. Os dois países
poderiam ter governos de direita fortemente enraizados, apoiados (e talvez até
controlados) pelos militares, com Constituições socialmente conservadoras e
políticas externas cautelosas. Outro é o começo de uma revolução, no qual o
espírito inicial de 1968 recupera suas forças e tanto a Tunísia quanto o Egito
tornam-se novamente casos emblemáticos de transformação social — para si
próprios, para o resto do mundo árabe e para todo o planeta.
No momento, parece que as forças que pressionam pelo fim da revolução estão
vencendo. Mas nesse mundo caótico, é cedo demais para fechar as cortinas e
pensar que já não há espaço para uma força revolucionária renovada nos dois
países.
(*) texto originalmente publicado em Outras Palavras
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