O papel da educação não poderia ser maior na tarefa de
assegurar uma transformação socialista plenamente sustentável. A concepção de
educação aqui referida – considerada não como um período estritamente limitado
da vida dos indivíduos, mas como o desenvolvimento contínuo da consciência
socialista na sociedade como um todo – assinala um afastamento radical das
práticas educacionais dominantes sob o capitalismo avançado. É compreendida
como a extensão historicamente válida e a transformação radical dos grandes
ideais educacionais defendidos no passado mais remoto. Pois esses ideais
educacionais tiveram de ser não apenas minados com o passar do tempo, mas ao
final, completamente extintos sob o impacto da alienação que avança cada vez
mais e da sujeição do desenvolvimento cultural em sua integridade aos
interesses cada vez mais restritivos da expansão do capital e da maximização do
lucro.
Não apenas Paracelso no século XVI, mas também Goethe e
Schiller[i] no fim do século XVIII e nas
primeiras décadas do século XIX ainda acreditavam em um ideal educacional que
poderia orientar e enriquecer humanamente os indivíduos ao longo de toda a sua
vida. Ao contrário, a segunda metade do século XIX foi já marcada pelo triunfo
do utilitarismo e o século XX capitulou sem reservas também no campo
educacional às concepções mais estreitas de “racionalidade instrumental”.
Quanto mais “avançada” a sociedade capitalista, mais unilateralmente centrada
na produção de riqueza reificada como um fim em si mesma e na exploração das
instituições educacionais em todos os níveis, desde as escolas preparatórias
até as universidades – também na forma da “privatização” promovida com suposto
zelo ideológico pelo Estado – para a perpetuação da sociedade de mercadorias.
Não é surpreendente, pois, que o desenvolvimento tenha
caminhado de mãos dadas com a doutrinação da esmagadora maioria das pessoas com
os valores da ordem social do capital como a ordem natural inalterável,
racionalizada e justificada pelos ideólogos mais sofisticados do sistema em
nome da “objetividade científica” e da “neutralidade de valor”. As condições
reais da vida cotidiana foram plenamente dominadas pelo ethos capitalista,
sujeitando os indivíduos – como uma questão de determinação estruturalmente
assegurada – ao imperativo de ajustar suas aspirações de maneira conforme,
ainda que não pudessem fugir à áspera situação da escravidão assalariada.
Assim, o “capitalismo avançado” pôde seguramente ordenar
seus negócios de modo a limitar o período de educação institucionalizada em uns
poucos anos economicamente convenientes da vida dos indivíduos e mesmo fazê-lo
de maneira discriminadora/elitista. As determinações estruturais objetivas da
“normalidade” da vida cotidiana capitalista realizaram com êxito o restante, a
“educação” contínua das pessoas no espírito de tomar como dado o ethos
social dominante, internalizando “consensualmente”, com isso, a proclamada
inalterabilidade da ordem natural estabelecida. Eis porque mesmo os
melhores ideais da educação moral de Kant e da educação estética de
Schiller – que tinham a intenção de ser, para seus autores, os antídotos
necessários e possíveis da progressiva tendência de alienação desumanizadora,
contraposta pelos indivíduos moralmente preocupados em sua vida pessoal à
tendência criticada – foram condenados a permanecer para sempre no reino das utopias
educacionais irrealizáveis. Eles não poderiam equiparar-se sob nenhum
aspecto à realidade prosaica das forças que impuseram com sucesso a todo custo
o imperativo auto-expansivo fundamentalmente destrutivo do capital. Pois a
tendência socioeconômica da alienação que tudo traga foi suficientemente
poderosa para extinguir sem deixar rastro, até mesmo os ideais mais nobres da
época do Iluminismo.

Tudo isso é uma parte integrante da educação capitalista
pela qual os indivíduos particulares são diariamente e por toda parte embebidos
nos valores da sociedade de mercadorias, como algo lógico e natural.
Assim, a sociedade capitalista resguarda com vigor não
apenas seu sistema de educação contínua, mas simultaneamente também de doutrinação
permanente, mesmo quando a doutrinação que impregna tudo não parece ser o
que é, por ser tratada pela ideologia vigente “consensualmente internalizada”
como o sistema de crença positivo compartilhado de maneira legítima pela
“sociedade livre” estabelecida e totalmente não-objetável. Ademais, o que torna
as coisas ainda piores é que a educação contínua do sistema do capital tem como
cerne a asserção de que a própria ordem social estabelecida não precisa de nenhuma
mudança significativa. Precisa apenas de uma regulação mais exata” em suas
margens, que se deve alcançar pela metodologia idealizada do “pouco a pouco”.
Por conseguinte, o significado mais profundo da educação contínua da
ordem estabelecida é a imposição arbitrária da crença na absoluta
inalterabilidade de suas determinações estruturais fundamentais.
Uma vez que o significado real de educação, digno de seu
preceito, é fazer os indivíduos viverem positivamente à altura dos desafios das
condições sociais historicamente em transformação – das quais são também os
produtores mesmo sob as circunstâncias mais difíceis – todo sistema de educação
orientado à preservação acrítica da ordem estabelecida a todo custo só
pode ser compatível com os mais pervertidos ideais e valores educacionais.
Eis porque, diferentemente da época do Iluminismo, na fase ascendente das
transformações capitalistas, que podia ainda produzir utopias educacionais nobres,
como as concepções de Kant e Schiller anteriormente referidas, a fase decadente
da história do capital, que culmina na apologia da destruição ilimitada levada
a cabo pelo desenvolvimento monopolista e imperialista no século XX e sua
extensão no século XXI, teve de trazer consigo uma crise educacional antes
inconcebível, ao lado do culto mais agressivo e cínico do contravalor.
Este último inclui em nosso tempo as pretensões de supremacia racista, a
horrenda presunção do “direito moral de usar armas nucleares por prevenção e
antecipação”, mesmo contra países que jamais tiveram armas nucleares, e a
justificação mais hipócrita do imperialismo liberal supostamente mais
“humano”, ainda que inevitavelmente destrutivo. Diz-se que esse novo
imperialismo é correto e apropriado para nossas condições pós-modernas:
uma teoria vestida, em sua busca por respeitabilidade intelectual, com o
esquematismo grotesco da pré-modernidade, modernidade, pós-modernidade,
depois do colapso ignominioso do imperialismo. Eis a concepção que vemos
defender-se hoje, com toda a seriedade, pelos mandarins indicados e realizadores
políticos do próprio capital, projetada como a estratégia necessária a ser
imposta sobre os “Estados fracassados” peremptoriamente decretados como tal e
sobre o chamado “Eixo do Mal”.
Essas idéias têm
o intuito de ser princípios e valores orientadores estratégicos apropriados às
nossas condições históricas. São designadas para estabelecer os parâmetros
gerais no interior dos quais os indivíduos devem agora ser educados, de modo a
possibilitar que os Estados capitalistas dominantes vençam a “luta ideológica”
– um conceito repentinamente propagandeado em termos positivos com grande
freqüência, em agudo contraste com os mitos felizes e liberais do “fim da
ideologia” e do “fim da história” pregados e generosamente promovidos há pouco
tempo – sinônima da “guerra contra o terror”. Assim, é difícil até mesmo imaginar uma
degradação mais completa dos ideais educacionais, comparada ao passado mais
distante do capital, do que hoje confrontamos ativamente. E tudo isso é
promovido em nosso tempo, com todos os meios à disposição do sistema, em nome
da “democracia e liberdade”: palavras que condimentam em abundância os
discursos de presidentes e primeiros-ministros. Nada poderia dispor com mais
clareza a natureza pervertida da falsa consciência capitalista,
plenamente complementada pela doutrinação ubíqua exercida de modo mais ou menos
espontâneo sobre os indivíduos em sua vida cotidiana, pela sociedade de
mercadorias.
* Trecho do livro O desafio e o fardo do tempo
histórico, publicado como apêndice de A educação para além do capital.
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