segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

A ERA DO OBSOLETO



Oscarino Arantes

Vivemos em uma era de transformações que estão ocorrendo numa velocidade tão desmedida que mal conseguimos – e não somos tentados – a compreendê-la. Nenhuma outra lhe serve de parâmetro. As mudanças são tantas e tão profundas as suas repercussões a nossa volta, que é comum perdermos os referenciais para formar uma compreensão ou juízo crítico de valor. O primeiro referencial perdido é o próprio tempo. Não temos mais a noção de nosso tempo. Aquilo que achávamos futuro nos surpreende no presente quando descobrimos que já é passado.  Universalizamos a noção de obsoleto como medida de nossas vidas alienadas de seu tempo. A dinâmica do processo histórico parece ter acelerado com inúmeras mudanças na base material contemporânea. Nos últimos 20 anos, segundo pesquisadores, se produziu mais conhecimento do que em toda a História humana anterior. Novas tecnologias são criadas e introduzidas em nosso cotidiano num ritmo incessante, alterando os paradigmas de nossa própria vida, de nossas relações em família, nosso trabalho, nossa comunidade, nossas instituições. São tantas as pequenas revoluções que se sucedem num frenesi incontido, que não damos conta de o quanto profundamente elas nos afetam: o computador pessoal, a telefonia celular, a internet, o smartphone, os transgênicos, os biocombustíveis, etc.

 A questão levantada por alguns é o quanto dessas mudanças libertam o homem e o quanto o escravizam? Questão complexa. Não tenho a pretensão de respondê-la, ainda mais que a narrativa de nossa época será tarefa de nossos netos, caso nossa estupidez assim permita, mas posso tecer ponderações. Não se pode perder de vista que, apesar de sua dinâmica moderna, nessa tessitura há um processo histórico dialético, onde a introdução de novas tecnologias na base material da vida dá o impulso inicial de mudanças que irão se refletir nas relações sociais. Como vivemos numa sociedade capitalista, a alienação ainda é a base indumentária deste reflexo. Do homem-mercadoria, denunciado por Marx, passando pelo “homo economicus”, chegamos ao “homo consumens”. Desprovido de qualquer capacidade crítico-reflexivo, toda a dimensão de sua existência como indivíduo é não ter individualidade. Seu valor é aquele que corresponde a sua real capacidade de consumo imediato. Consumo alienado compreenda-se bem. Não à toa, seu principal direito é o de consumidor e não o de cidadão. Um homem sem referências de passado, sem valores de presente, nem perspectivas de futuro senão aquelas relacionadas às expectativas de crediário. Esse grau de reificação do homem gera uma assustadora passividade diante do abismo. Os desafios de nossa era não estão sendo enfrentados, mas cinicamente ignorados. Como disse o professor Mário Sérgio Cortella, somos a primeira geração na história que está consumindo as reservas das gerações futuras. Em outras palavras, estamos roubando o futuro de nossos filhos.

Contudo, como esse processo é histórico-dialético, as conseqüências dessas inúmeras mudanças são incontroláveis, inapreensíveis, complexas e reverberam em múltiplas relações macro e micro dialéticas. Novas tendências surgem, novos embates, novos desafios que exigem nova leitura, nova abordagem, novas propostas. Evidente que há sempre o risco do pior acontecer. É a ameaça da “barbárie” advertida por Rosa de Luxemburgo. Não é possível um exame teleológico das transformações de nossa era, mas sempre é possível a práxis engajada àqueles que se lançarem ao desafio. Somos testemunhas de um período anti-épico, desprovido de grandes narrativas, mas incomparável em sua dinâmica e complexidade. Como as gerações futuras irão definir nossa era? 

Nenhum comentário: