domingo, 20 de janeiro de 2013

TARANTINO, A ESTÉTICA DA VIOLÊNCIA E O “PATRULHAMENTO” DO POLITICAMENTE CORRETO

"Senhores, eu não tenho nenhuma intenção de matar Hitler e Goebbels, assassinar Göring e Bormann, para não mencionar ganhar a guerra sozinho para os aliados, para só depois encontrar-me diante de um tribunal judaico. Se você quer ganhar a guerra, hoje à noite... nós temos que fazer um acordo.” – Coronel Hans Landa, o “Caçador de Judeus” de Bastardos Inglórios.

Oscarino Arantes

A liberdade já foi um valor ocidental, tão presente em nossa cultura e filosofia que permitiu uma produção de inigualável criatividade desde o Renascimento até pelo menos a década de 60 do século XX, a ponto de Oscar Wilde dizer que a vida imitava a arte. Hoje, conspurcada por um emaranhado jurídico e teses sociológicas, que a submeteram ao senso comum do “politicamente correto”, a liberdade quando muito, é uma pálida retórica de políticos, intelectuais e artistas. Justamente dessa palidez que surgiu Quentin Tarantino. Como um Houdini redivivo, a cada filme que lança Tarantino celebra uma nova escapada do cerco da mediocridade ideológica que se julga engajada. Uma espécie de ativismo inativo, muito comum em nossa sociedade. Hollywood segue a tradição de impor padrões do ‘politicamente correto’. Muitos artistas, diretores e críticos, posam de progressistas e liberais, mas enxergam discriminação em qualquer produção que ouse trilhar por temas ‘delicados’ sem lançar mão dos modelos pré-aprovados de abordagem. Traduzem a paranóia de uma civilização esgotada em sua força criativa, amarrada em suas culpas passadas. Um cerco que só piora na medida em que nada é abertamente proibido, mas tudo é cuidadosamente vigiado. Ninguém é perseguido, apenas rotulado.


É exorcizando esses fantasmas que Tarantino produz vigor em sua filmografia. Em “Django Livre” encara o tabu da escravidão nos EUA e entra na mira do ativismo racial americano. Tarantino provoca, debocha, mas não busca a ruptura, nem celebra a contracultura. Passeia pela cultura pop com a mesma liberdade sem culpa com que faz da violência uma estética cinematográfica, enxergando em seu fascínio sobre o público a meta-linguagem que define nossa era. Seu descompromisso e não engajamento produz uma obra hedonista, livre das amarras dos modelos aceitáveis. Ao mesmo tempo sua obra consegue ser pós-moderna e celebrar os referenciais do passado, sem paradoxo. Em Tarantino a arte imita a arte, nada mais. Apenas um sopro de extravagância criativa num deserto de cupidez semântica.


Tarantino não banaliza a violência, apenas mostra a hipocrisia de nossa cultura banal, que há muito internalizou a violência. Ainda hipnotiza a desenvoltura aética de seu personagem Cult, Cel. Hans Landa, o “Caçador de Judeus” de Bastardos Inglórios, interpretado magistralmente por Christoph Waltz, criminoso e anti-herói da trama, que consegue escapar da justiça dos vitoriosos, mas não da marca dos vencidos. Não à toa, que a vingança é o tema recorrente de seus filmes. Ela é a explosão da violência contida e ao mesmo tempo libertação da passividade do homem, personagem de seu próprio drama. Serve assim como um catalisador que exuma no inconsciente coletivo o arquétipo da culpa. Com essa ousadia, Tarantino expõe a discriminação do patrulhamento na produção cultural, sempre pronto a empurrar para ‘outro lado’ os rebeldes e desajustados. Acontece que até agora ele não aceitou esse ‘outro lado’ e sua recusa desvela nossa própria covardia. Vitória da vingança.


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