quarta-feira, 23 de março de 2011

Utopia

Ao pé da letra, Utopia significa o “não lugar”


Leandro Konder

A palavra Utopia foi inventada por um inglês da primeira metade do século 16. Foi criada em grego antigo, idioma que naquele tempo já não era mais falado, a não ser em pequenos círculos de eruditos.

A invenção “colou”. O filósofo Thomas Morus se empenhou numa batalha em favor do novo conceito e insistiu na sua utilidade. Pouco a pouco o termo teve uma acolhida animadora nas línguas contemporâneas e passou a circular com desenvoltura.

As pessoas se entusiasmavam com a composição da palavra Utopia. O “u” era um prefixo que significava “não”; e “topos” tinha o sentido de “lugar”. Ao pé da letra, Utopia significa o “não lugar”.

O termo parecia inocente, mas sua malícia estava no fato de que ele desafiava aqueles que o usavam, impondo-lhes o esforço de inventar um futuro que teria de ser diferente do presente.

As criações literárias e filosóficas que incitavam os adeptos de novas concepções acabaram enveredando pelo caminho do pessimismo. O “novo”, para ser possível, tenderia a ser asfixiante.

Thomas Morus procurou dobrar as exigências da cultura em que se encontrava e se dispôs a combater os preconceitos, contando uma história de ficção. Estimulado pela descoberta da América, o filósofo inglês imaginou a Utopia que existiria numa ilha que, ao contrário da Inglaterra daquele tempo, seria um lugar bonito e justo.

Em principio, a narrativa de Morus queria despertar nas pessoas a vontade de morar lá. No entanto, o que vemos hoje é desanimador. A ilha de Utopia previa a exploração de trabalho escravo e a pena de morte para os dissidentes.

Os cidadãos que chegassem a morar na Utopia ficariam aterrorizados. Na Utopia, as liberdades individuais seriam oprimidas e rudemente pressionadas no sentido de ser fortemente subordinadas à coletividade.

Esse “lado noturno” do lugar sonhado (mas inexistente) logo assustou alguns intelectuais inquietos, que inventaram para designar o sacrifício das liberdades o termo Distopia: Glenn Negly e J. Max Patrick, entre outros. Em 1868, John Stuart Mill, num discurso que fez no parlamento, falou em distopia. Porém, o termo só passou a ser frequente e entrou na moda quando se tornou matéria do livro The Quest for Utopia.

Formaram-se dois partidos: os reabilitadores otimistas da Utopia sonhada por Morus e os impacientes, enraivecidos denunciadores da Distopia.

A Distopia exerceu rigorosa influência e mereceu a atenção de escritores importantes com Anthony Burguess e Aldous Huxley.

A história da Utopia e da Distopia leva à criação do gênero literário que viria a ser chamado de ficção científica, na época de Jules Verne e H. G. Wells.

O maior sucesso de crítica veio a ser alcançado pelo romance Admirável Mundo Novo. Atualmente são muito numerosos os trabalhos literários inspirados pelo livro de Huxley. A distopia parece estar levando vantagem sobre a Utopia, especialmente após a derrota dos socialistas em diversas batalhas importantes que o socialismo travou contra o inimigo capitalista.

Apesar de diversos pontos de contato se manifestarem no tratamento paralelo da ficção científica e dos relatos (ficcionais ou efetivos), existe também o risco de serem confundidas as duas histórias misturadas com intenções políticas maliciosas. Há críticos e escritores que parecem dedicados, quase exclusivamente, a difamar o socialismo. Com isso, tendem a ficar desacreditados, ou então, são ignorados pela esquerda.

Superados os aspectos mais equivocados da tradição utópica, ainda resta muito a se aprender no campo da Utopia.


Fonte: Brasil de Fato (23/03/2011)

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