terça-feira, 15 de março de 2011

OBAMA IN RIO

Oscarino Arantes

Está marcado para o próximo dia 20 o discurso do presidente Barack Obama “aos brasileiros”. Sinceramente me esforço para buscar alguma razão que justifique esse pronunciamento e, sem cair no antiamericanismo vulgar, só vejo a marcação de terreno do império. O que Obama tem a dizer para nós, brasileiros? Como um suserano, se dignará a nos indicar o caminho que devemos seguir?

Quando foi eleito, Obama incorporava razoáveis expectativas pela inusitada novidade de um negro, descendente de mulçumanos, chegar à Casa Branca. Em poucos meses a realpolitik cuidou de aplainar o entusiasmo: os Estados Unidos continuaram no atoleiro das guerras do Iraque e do Afeganistão, mantiveram o respaldo cego à Israel e o injustificável bloqueio econômico à Cuba. A América Latina continuou relegada à terceiro plano.

O ensaio desastrado de Lula na tentativa de obter os holofotes da geopolítica para o Brasil resultou em caneladas com Mr. Obama. Nada de novo no front. O Brasil já colecionava diversas pendengas com os EUA em matéria de política externa, desde a década de 60. Mas agora, ao que parece, a companheira Dilma decidiu fazer sala para o presidente astro-pop, adestrado no melhor estilo Broadway, que hoje é a imagem jovem e bem sucedida do império decadente, que ainda é capaz de ditar a ordem mundial. Obama posa de mito a cada discurso em que nada diz ou que diz e nada faz. Não será diferente na Cinelândia.

É óbvio que existem diversos interesses nessa aproximação dos EUA e Brasil. Longe dos estereótipos políticos, é preciso reconhecer que ambos os países possuem muito mais semelhanças e convergências do que se pode imaginar à primeira vista. Afinal são as duas maiores e mais populosas nações do hemisfério ocidental, possuem uma cultura diversificada marcada pela forte contribuição de imigrantes, além de serem os dois maiores produtores de alimento do mundo, entre outras afinidades.

Mas a relação entre Brasil e EUA sempre foi marcada pela desconfiança que os pendores imperiais norte-americanos inspiram na América Latina. Décadas de intervencionismo, no melhor estilo “big stick”, levaram a um afastamento gradual e constante dos países latinoamericanos. Uma situação que só não piorou de vez, justamente por conta do efeito gravitacional mediador que o Brasil exerce na região.

A cegueira de Washington em não priorizar suas relações com os países latinos chega a ser de uma teimosia estúpida. Enquanto a Casa Branca corteja o dragão chinês, pouca gente se dá conta que a América Latina é hoje uma região que possui um PIB equivalente ao da China, com crescimento médio similar, numa área superior ao dobro do território chinês, ocupada por uma população de aproximadamente um terço da população chinesa. Um continente sem guerras ou graves conflitos étnicos, com governos estáveis e identidade sócio-cultural, que possui as maiores reservas de água doce do mundo, o maior lençol freático do planeta, riquezas minerais incalculáveis, incluindo petróleo. Vastas áreas cultiváveis e a maior biodiversidade da Terra. É um Eldorado de futuro, que a arrogância norte-americana relega ao um segundo (ou terceiro) plano em sua agenda. Mas a China já viu isso e age acintosamente para ocupar o espaço deixado na região, enquanto Tio Sam se atola no Oriente Médio.

A América Latina teria muito a ganhar se os EUA renunciasse a sua púrpura imperial e, realmente, priorizasse sua relação com os vizinhos em vista de uma futura integração continental. O sonho de uma América para todos os americanos e não para alguns. O que falta à América Latina os EUA possuem de sobra: tecnologia, centros de pesquisa, universidades, capacidade técnica para aprimorar a produtividade local e recursos para tocar as grandes obras de infra-estrutura da integração. Seria preciso que os EUA em sua posição desse os primeiros e decididos passos para vencer as resistências e desconfianças. Reatar a relação com Cuba e ajudá-la a se recuperar, sem pré-condições. Também um “Plano Marshal” para os países mais pobres do continente, seria imprescindível. Parcerias estratégicas com os maiores países da região, em áreas sensíveis de alta tecnologia. Uma união de países da Terra do Fogo ao Pólo Norte. Um Novo Mundo para reescrever a história, a história do futuro.

Mas com certeza não é isso que Obama vai falar na Cinelândia. O império claudicante só vem remarcar o antigo “quintal” diante da folia do bloco chinês por essas bandas nos últimos tempos. O local escolhido parece provocação e é. Palco de históricos comícios da luta popular e democrática, nada tem a ver com os ocupantes da Casa Branca.

Oficialmente o nome da Cinelândia é Praça Floriano Peixoto, uma homenagem que nos traz a reminiscência de uma célebre história do nacionalismo brasileiro:


FLORIANO PEIXOTO E OS ESTRANGEIROS

Durante a Revolta da Armada de 1893, que marcou o início da história da República e abalou a cidade do Rio de Janeiro, os embaixadores da Inglaterra e da França no Brasil divulgaram nota oficial, destacando que as forças das esquadras estrangeiras interviriam no conflito caso a integridade dos cidadãos de seus países fosse ameaçada.
O Marechal Floriano Peixoto, no exercício da presidência, emitiu um comunicado seco, declarando que o governo dispunha de todos os elementos para manter a ordem. Não satisfeito, o embaixador da Alemanha consultou o Executivo brasileiro sobre como seriam recebidas as forças estrangeiras caso desembarcassem no Rio. Floriano silenciou.

Os três embaixadores resolveram, então, marcar uma audiência com Floriano para discutir a questão. Em rápido comunicado oficial, o Marechal declarou que os embaixadores seriam recebidos em seu gabinete da única maneira possível, em se tratando de estrangeiros dispostos a interferir em questões internas do Brasil.

Leiam a famosa resposta do Marechal de Ferro:

“Os representantes diplomáticos dos três países serão recebidos da maneira como julgo correta em se tratando de estrangeiros dispostos a interferir em assuntos internos do Brasil: À bala!
Eu mesmo os aguardarei em meu gabinete.
Atenciosamente,
Floriano Peixoto”

Nenhum comentário: