domingo, 20 de fevereiro de 2011

SINAIS TROCADOS E A FRATURA DO MÍNIMO


Oscarino Arantes

Os primeiros movimentos na área econômica do governo Dilma parecem indicar ao mercado financeiro que ele terá absoluta prioridade nos próximos quatro anos. Nas últimas semanas sua equipe econômica adotou duras medidas de “ajuste” através da forte elevação da taxa básica de juros e do maior contingenciamento fiscal da história, equivalente a 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB). O mesmo se viu agora na votação do novo salário mínimo de R$ 545.

Com o novo salário mínimo do governo, os cerca de 47 milhões de trabalhadores e aposentados que sobrevivem com o mínimo não terão nenhum aumento real de renda em 2011, apesar da economia do país ter crescido quase 8% em 2010. Na verdade, o aumento concedido não chega nem mesmo a repor a inflação do período. Ou seja, o primeiro salário mínimo do governo Dilma importa em perda real para os trabalhadores e, por via indireta, resulta em aumento da concentração de renda.

É a primeira vez desde 1997 que o salário mínimo não tem reajuste real. O valor estabelece apenas a inflação (INPC) do período, pouco mais de 6%, e está bem abaixo da inflação da cesta básica, que em São Paulo, por exemplo, alcançou 16%. Tudo isso semanas depois do Congresso aprovar um aumento nos salários dos parlamentares de 62%, que representará um impacto de R$ 860 milhões às contas públicas, chegando a R$ 1,8 bi com o efeito em cascata nos estados.

Mas a desculpa para essas medidas de “ajuste” é a contenção da inflação. Contudo revelam um jaez monetarista “efeagaeciano”, com sua predileção pela compressão do consumo e concentração de renda. Assinatura de Antonio Palocci, sem dúvida. É um sinal trocado do governo que, ao menos na retórica, anuncia a pretensão de superar a miséria como prioridade. Ora, isso implicaria sustentar um longo ciclo de crescimento, com base na distribuição de renda, elevação do poder de compra e consumo de alguns milhões de brasileiros, conjugado com um investimento maciço em educação e infra-estrutura. Mas com a política econômica esboçada, especialistas já vêem os primeiros sinais de desaquecimento da economia brasileira.

Surfando na “marolinha” 
Segundo dados do Banco Central, nos anos do governo Lula, nossa Dívida Pública mais que dobrou. Em 2002 somava R$ 851 bilhões, sendo R$ 212 bilhões de "dívida externa" e R$ 640 bilhões de "dívida interna". Em 2010, às vésperas da posse de Dilma, nossa dívida alcançou R$ 1.890 trilhão, um valor superior a 40% do nosso PIB. São R$ 240 bilhões de "Dívida Externa" (aquela que Lula disse que pagou) e R$ 1.650 trilhão de "Dívida Interna", representada, na maior parte, por títulos em mãos de nossos bancos. Somente em 2010 teve um aumento de 13,15%, um crescimento de R$ 197 bilhões, o dobro de 2009 e o maior desde 2001.

O serviço da "Dívida Pública" corresponde a um desembolso de R$ 16,5 bilhões ao mês só de juros, ou melhor, R$ 550 milhões de juros ao dia. Esta fortuna vem do dinheiro que os cidadãos e empresas brasileiros pagam de impostos. Como a taxa de juros de grande parte de nossa Dívida Pública é pós-fixada, cada ponto percentual de elevação da taxa básica de juros (SELIC) representa, potencialmente, um gasto adicional de R$ 15 bilhões a cada ano. Dá pra entender porque entre os “analistas” do mercado financeiro, vemos uma quase unanimidade pela elevação da SELIC ou sua manutenção em patamar elevado. Cerca de metade do orçamento da União para 2011, está comprometido com a Dívida Pública, num total de R$ 954 bilhões. Sem dúvida é a melhor forma de extração de mais-valia em escala macroeconômica. Hoje o Brasil é a tábua de salvação do mercado financeiro internacional e o governo Dilma acena aos investidores.

Primeira fratura

No plano político cedo demais o governo comemorou a vitória acachapante na Câmara dos Deputados, na votação do novo salário mínimo, resultado de uma ofensiva para garantir a esmagadora maioria ao seu projeto, mediante ameaças à base aliada e uma massiva campanha de propaganda na mídia. A truculência pode ter garantido a maioria eventual, mas revelou cedo demais a fragilidade de articulação política do governo. O Congresso é um terreno pantanoso demais para o uso de “blindados”, se é que me entendem. Nosso legislativo quase sempre se sujeita ao executivo, mas é uma sujeição instável, marcada por tensões permanentes e suscetível de reviravoltas. Se Dilma acredita que vai lidar com o Congresso com “mão-de-ferro” pode ter desagradáveis surpresas.

Após a votação do mínimo o governo cobrou explicações do PDT, que não votou coeso na proposta governista. O Planalto ameaça a tratar o partido, que integra a sua base, a “pão e água”. Segue a linha “mão-de-ferro” e comete novo erro: o que fará quando for o PMDB (muito mais heterogêneo) a quebrar a unidade da base? Dará um tiro no próprio ouvido? Com essa atitude, o governo erra ao expor sua debilidade de articulação política, o que no Congresso pode tornar-lhe refém das piores práticas.

Além disso, o engajamento do governo na aprovação do novo salário mínimo abriu um racha com as centrais sindicais e deu um balão de oxigênio à oposição, ainda em frangalhos e sem liderança. Causou também uma fratura na base governista e abalou a confiança de trabalhadores, aposentados e pensionistas, que formaram a grande massa de sustentação do lulismo nas periferias dos grandes centros urbanos. Dilma não tem capital político para prescindir dessa base de apoio. Tudo isso poderia ter sido evitado com mais negociação e flexibilidade.

Em suma, a vitória do governo na Câmara, foi uma “Vitória de Pirro”. Um erro que Dilma terá tempo suficiente para lamentá-lo.

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