sexta-feira, 16 de julho de 2010

Essa tal de liberdade...

"Numa república corrompida fazem-se muitas leis"
(Tácito, historiador romano, 55 dC - 120 dC)

Oscarino Arantes

A História da civilização ocidental pode ser definida como a história da mistificação da liberdade como autonomia do individuo. Foram os gregos tributários dessa autonomia, a tal ponto arraigada em seu imaginário e cultura, que desenvolveram formas sociais e políticas, fundadas nessa premissa. Na Grécia antiga a liberdade do indivíduo, se realizava através da polis – sua Cidade-Estado – que traduzia em suas instituições, o grau de liberdade desenvolvido por seu povo. Passando pelo esplendor da república romana, o feudalismo, o mercantilismo, a reforma, a revolução francesa, a revolução industrial, até ao advento das idéias socialistas, os movimentos nacionalistas de libertação e a luta pelos direitos civis e sociais do século XX, podemos traçar uma linha tangente sobre a mística onipresente da liberdade.

Esse legado da cultura ocidental se traduz em nossa república, logo no preâmbulo de nossa Constituição Federal, onde afirmamos que nosso Estado Democrático está “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social”.

Lamentavelmente em nosso país, estamos perdendo cada vez mais o sentido do que seja a liberdade. Fala-se muito em leis e autoridades. Fala-se até em direitos. Só não se fala em liberdade. Qual o limite para a intervenção estatal no domínio privado? Precisamos fazer essa pergunta todos os dias. Esquecemos com muita freqüência que o Estado foi criado pela sociedade, através de uma Constituição, para assegurar o exercício – entre outros – da liberdade. Com que grau de liberdade convivemos no Brasil de hoje? Somos obrigados a pagar uma extorsiva carga tributária que consome cerca de 40% de tudo que produzimos (cerca de cinco meses de trabalho num ano) e recebemos de retorno menos de 3% disso em bens e serviços públicos. Somos obrigados então a pagar pelos mesmos serviços em âmbito privado, o que leva por reflexo a uma carga tributária real da ordem de 60% do PIB.

Além disso, nosso Estado Democrático de Direito vive uma febre inaudita: a produção ininterrupta de leis, verdadeira ebulição legislativa permanente. Temos leis para tudo no Brasil, aliás, certamente, muito mais de uma para cada assunto, muitas vezes até conflitantes. Isso a nível Federal, Estadual e Municipal, sem falar na conduta legiferante do Poder Executivo com suas MPs, decretos e portarias. Um verdadeiro emaranhado irracional de normas, onde muitas nascem sem correspondência alguma com a realidade e caem em desuso de imediato, porém servem para aturdir a vida do cidadão. Afinal no Brasil a ninguém é lícito deixar de cumprir uma lei, alegando que não a conhece (art. 3º da LICC).

Isso nos leva a outro problema de ordem conceitual sobre o exercício da liberdade que – segundo nossa Constituição Federal – caberia ao Estado assegurar: cada vez mais o espaço da autonomia individual é cerceado, limitado, invadido, pois o Estado não se furta em produzir leis em profusão, sobre os mais variados assuntos de natureza privada. Criam-se multas, obrigações acessórias, registros e formalidades para qualquer ato. Junto com essas imposições, taxas e emolumentos. Um Estado cartorial com sua burocracia infindável, prima-irmã da corrupção endêmica. Engolfados nesse rescaldo cultural da herança ibérica, criamos uma cidadania de mão-única, onde o povo fala muito em seus direitos, mas desconhece suas responsabilidades, esperando sempre que o Estado paternalista resolva todos os problemas sociais. Daí a forte conotação invasiva que Poder Público no Brasil se reveste.

Nos últimos anos, com leis sobre relações pessoais, sob a desculpa de proteger a união estável, chegou-se ao disparate de conferir direitos patrimoniais para praticamente qualquer tipo de relação não eventual, levando pessoas a firmarem “contratos de namoro”. Que mente doente pensou numa estupidez invasiva dessa? Leis trabalhistas sob a escusa da proteção ao trabalho, praticamente acabaram com as vagas de estagiário para estudantes e de aprendiz para menores de idade. Isso sem falar de que se um indigente lhe pedir ajuda, dê-lhe dinheiro para ficar onde está, mas não tente lhe dar algum pequeno serviço, pois acredite – será processado. Se lhe pedir abrigo, deixe-o na rua, caso contrário não poderá mais retirá-lo de sua casa. Temos tantas leis imbecis que hoje um menor pode ficar na rua, usando drogas, mas não pode ser obrigado a ir para um abrigo ou colégio. Aliás, nem tente você fazer isso, pois poderá ser acusado por nossas “autoridades” ou por alguma ONG de plantão, de estar constrangendo o menor.

Agora os jornais noticiam que o governo enviou ao Congresso um projeto de lei que proíbe os pais de usarem qualquer castigo físico em seus filhos. Algo do tipo “palmada nunca mais”. É lógico que os excessos devem ser coibidos, mas esse projeto idiota proíbe qualquer tipo de castigo físico, por menor que seja. Parece que chegamos ao cúmulo do absurdo e não se ouvem objeções, o que mais me preocupa. Será que as pessoas não se indignam quando o Estado invade o domínio familiar para querer conduzir a relação entre pais e filhos. Onde iremos parar? Que liberdade ainda nos resta? Num país que fica em 85º lugar no ranking da educação mundial, onde o Estado não cumpre sequer suas atribuições básicas, entende-se porque a primeira solução cogitada para qualquer problema é fazer uma nova lei.

Precisamos no Brasil de educação, mais liberdade e boas leis.

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