Por Cristovam Buarque
A política democrática era o caminho para atender os
interesses comuns da sociedade, no presente e no futuro, ouvindo a voz de cada
cidadão. Mas nas últimas décadas tem havido um processo de privatização da
política para atender objetivos individuais, sem grandes preocupações com o
conjunto da sociedade, nem seu futuro. Democracia da soma das pessoas, não
necessariamente do conjunto do país no futuro.
A pior forma de privatização da política é a corrupção por
políticos que consideram que a eleição permite apropriação de recursos públicos
sob a forma de propinas. Esta privatização maléfica não é a única. Ultimamente
vem sendo praticada a privatização da política de forma benéfica para pessoas e
grupos sociais, sem levar em conta o bom funcionamento da sociedade de hoje e
do futuro, sem exigir retorno de cada um dos beneficiados para o país.
A mais evidente manifestação dessa privatização é a recente
política de tarifas no setor de energia elétrica. A redução da tarifa beneficia
milhões de famílias consumidoras, mas ao custo de ameaçar o futuro do sistema
elétrico. Beneficia os brasileiros, sem beneficiar o Brasil. Porque o Brasil é
mais do que a soma de todos os brasileiros, é a soma deles hoje e no futuro, e
o futuro não tem como ser privatizado e seus custos serão socializados.
Ao reduzir as tarifas sem ganhos anteriores na produtividade
do setor, o governo está sendo obrigado a financiar as perdas das empresas. É
um exemplo de benefícios privados, criando custos públicos. O financiamento do
benefício significará um rombo nas contas públicas que deverá ser coberto pelo
sacrifício de outras prioridades, por endividamento ou por inflação.
Nesses programas de privatizações benéficas da política
estão diversos outros programas do governo; bons para milhões de beneficiados,
mas insuficientes ou negativos para o país. Ao não se preocupar com a qualidade
e o tipo dos formandos, o PROUNI se transforma em um excelente programa para os
jovens beneficiados, ainda que não necessariamente para o Brasil.
O Ciência sem Fronteiras, que deve ser defendido e ampliado,
é outro bom programa, mas, devido à falta de cuidado na seleção do candidato e
à falta de infraestrutura para aproveitamento dele no regresso, termina
beneficiando mais o jovem que recebe a bolsa do que a construção de um sólido
sistema de ciência e tecnologia para o Brasil. O próprio Bolsa Família,
magnífico programa de generosidade social que o Brasil tem a obrigação de
fazer, ao não educar as famílias e seus filhos, termina sendo também um amplo
programa de privatização benéfica da política.
O pior da privatização da política é que, ao beneficiar cada
pessoa, sem um sentimento de futuro nacional, que conduz o eleitor a votar por
seu interesse pessoal, sem preocupação maior com o país, impede a criação de
uma base social para apoiar as reformas de que o Brasil necessita.
*Cristovam Buarque, professor da UnB, é senador pelo PDT/DF.
Artigo publicado em 28/03/2014 no JORNAL DE LONDRINA
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