segunda-feira, 5 de maio de 2014

A farsa da Guerra Fria e a armadilha na Ucrânia


"Há quem passe pelo bosque e só veja lenha para a fogueira"
(Leon Tolstói)

Oscarino Arantes

No mundo real, o jogo do poder costuma desafiar as análises mais ortodoxas e as ficções mais inspiradas. Tudo parece blefe até que a banca quebra. A crise na Ucrânia não foge ao enredo. O empenho da Casa Branca em se manter como superpotência hegemônica nas últimas décadas é a grande causa de instabilidade de nossa era, basta ver nos conflitos que se sucederam nesses últimos 20 anos o selo dominante da águia. Também por esse motivo, a Guerra Fria permanece ainda como ameaça, se não real ao menos retórica. Não podemos esquecer que o Empire mantém amplo domínio do front midiático, com o qual costuma manipular sua população através do medo. Como disse Marx, a História se repete como farsa.

No complexo tabuleiro geopolítico, é verdade que Washington sofreu revezes com as guerras do Iraque e do Afeganistão, mas continua firme em seu propósito de um novo século norte-americano. Para isso precisa garantir o controle do acesso às reservas mundiais de petróleo e recursos naturais, além de conter a iniciativa de qualquer desafiante. Evidente que hoje, somente Rússia e China possuem dimensão geoestratégica e efetivo poderio tecnológico-militar para contrapor os EUA no cenário mundial. Isso para não dizer que um grande arsenal nuclear ajuda muito. Afinal, no fim das contas, “manda quem pode, obedece quem tem juízo” continua a ser a única regra internacional vigente.


O ressurgimento da Rússia como player global, corresponde apenas a um ajuste histórico, equivalente ao seu peso político e diplomático. Para o mundo, é salutar o equilíbrio de poder. É óbvio que Putin não quer ressuscitar a Guerra Fria, muito menos a União Soviética, da qual só lhe interessa a mística de superpotência. A Rússia está bem inserida no sistema econômico globalizado, para o bem e para o mal. No entanto, o Kremlin logo percebeu a distância que separa os discursos das ações na Casa Branca. O compromisso norte-americano de não estender a OTAN aos países da antiga URSS foi quebrado em 2008 na Geórgia, obrigando a intervenção russa na Ossétia do Sul e Abkházia.

A Rússia reestruturou suas forças armadas, ampliou sua presença no Ártico e se aproximou da China. Em 2013 reativou sua Frota Naval do Mediterrâneo, com base em território sírio. Com isso estendeu sua influência no Oriente Médio. Passou a incomodar o Empire. Seria coincidência, não fosse isso um jogo de poder, que logo após o êxito diplomático da Rússia no Irã e na Síria, ambos avalizados pela ONU, frustrando a intervenção militar dos EUA e OTAN, a situação na Ucrânia começou a se deteriorar rapidamente. Derrubado o presidente eleito e usurpado o governo pela oposição de extrema direita, o Ocidente se apressou em proclamar a “vitória da democracia”. Mas veio a reação de Moscou e quando o povo da Criméia aprovou por 96.8% um referendo de retorno à Rússia, Mr. Obama classificou como “ilegal” e acusou Putin de intervenção. Já não importava, sem contestação, a Rússia assegurou um espaço estratégico para seu controle do Mar Negro.

Mas a crise na Ucrânia se intensificou com a ação imprevisível de grupos separatistas pró-Rússia no Leste do país e a reação violenta das forças de segurança de Kiev. As digitais da CIA estão em toda parte. O incêndio criminoso em Odessa matando dezenas de militantes pró-Rússia, pressiona Moscou a reagir. A situação se agravou e Putin parece ter percebido que está sendo conduzido a um perigoso beco sem saída. Se der a resposta que se espera, fará o jogo da Casa Branca, incendiará a Ucrânia criando uma zona de instabilidade próxima demais de regiões importantes, além de justificar a presença da OTAN em sua fronteira. Um atoleiro inaceitável. Putin deve agora ser o homem de gelo e não pagar pra ver. Por pior que cheire, nunca se deve subestimar a capacidade aerodinâmica do que é jogado no ventilador.


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