quinta-feira, 25 de agosto de 2011

50 Anos da Campanha da Legalidade

Por Léo de Almeida Neves

Dia 25 de agosto de 2011 faz meio século que Jânio Quadros aos 44 anos de idade renunciou à presidência da República, sete meses depois de assumir o cargo, após meteórica trajetória política de vereador e Prefeito da Capital paulista, até governador de São Paulo e deputado federal pelo Paraná. Era o Dia do Soldado sexta-feira, e Jânio presidiu o Desfile Militar, avisou os Ministros das três armas que estava renunciando ao mais alto posto da Nação, deixou a curta Carta de Renúncia “Por este instrumento, renuncio à presidência da República” com o Ministro Pedroso Horta, da Justiça, e seguiu para a Base Aérea de Cumbica, em São Paulo. Havia poucos parlamentares em Brasília (último dia útil da semana), e Pedroso Horta compareceu ao Senado e entregou a carta ao presidente da Casa, Auro Moura Andrade, às 15 horas.

Na condição de um dos vice-presidentes do PTB Nacional eu estava em Brasília acompanhando os acontecimentos no gabinete do líder do PTB, Almino Afonso, uma vez que o governador Carlos Lacerda dois dias antes denunciou pela televisão que fora convidado pelo Ministro da Justiça para apoiar um golpe de Estado de Jânio Quadros, que desejava plenos poderes. Auro abriu a Sessão do Congresso Nacional, leu a carta de Jânio Quadros, disse que era “ato unilateral de vontade que dispensa discussão”, e marcou para as 17 horas a posse do presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, na Presidência da República, porquanto o vice-presidente João Goulart estava em Pequim, na China, em missão oficial. No dia seguinte, os ministros militares Odylio Denys da Guerra, Grun Moss da Aeronáutica e Sílvio Heck da Marinha lançaram documento contrário à posse de João Goulart, “que seria preso se regressasse ao Brasil”, alegando ser ele comunista.

Jânio imaginava que sua renúncia seria discutida, que o povo brasileiro reclamaria seu retorno e que ele voltaria consagradoramente ao poder. Nada disso aconteceu, e três dias depois ele viajou de navio para a Inglaterra. O governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, requisitou a Rádio Guaíba dia 17 de agosto instalando-a no porão do Palácio Piratini, e deu início à Campanha da Legalidade para exigir o cumprimento da Constituição e a posse do Vice-Presidente João Goulart. Chamou o povo ao Palácio Piratini e convocou o voluntariado para os civis que quisessem pegar em armas pela democracia. Teve o total respaldo da Brigada Militar, que se localizou em partes estratégicas da cidade. Mais de 150 emissoras de rádio do Brasil e da América Latina entraram na Rede da Legalidade, que convocava o povo à resistência. A afluência popular ao Palácio Piratini foi imediata, reunindo de 10.000 a 100.000 pessoas, que aplaudiam entusiasticamente Leonel Brizola empunhando metralhadora quando pronunciava seus inflamados discursos.

Alguns fatos foram relevantes para o êxito da pregação democrática. O Marechal Teixeira Lott que tinha sido candidato à presidência da República, perdendo para Jânio Quadros, e que em 1955 liderou o movimento pela posse de Juscelino e Jango, eleitos para a Presidência e Vice, soltou manifesto em prol da posse de João Goulart, e foi preso pelos ministros golpistas, mas seu gesto aglutinou simpatia de muitos civis e militares. Os ministros golpistas deram ordem para os aviões da Força Aérea Brasileira na Base Aérea de Canoas sobrevoarem o Palácio Piratini, o que não aconteceu porque os sargentos e o capitão Alfredo Ribeiro Daudt esvaziaram os pneus dos aviões e desativaram os dispositivos de bombardeio, impossibilitando assim que as aeronaves levantassem vôo. Outro dado marcante foi a adesão à Campanha da Legalidade do coronel do Exército Mauro Borges, governador de Goiás, vizinho de Brasília, que arregimentou populares e a polícia estadual na defesa da posse de Jango.

O episódio que selou o sucesso da jornada cívica liderada por Leonel Brizola foi a adesão do Comandante do 3º Exército General Machado Lopes, que no dia 28 de agosto dirigiu-se de jeep com alguns oficiais ao Palácio Piratini. Quando desceram da viatura e caminhavam para o Palácio a multidão entoou o Hino Nacional e o general e seus oficiais perfilaram-se e cantaram junto com o povo. O general Machado Lopes comunicou ao Governador Leonel Brizola que o 3º Exército estava a favor da posse constitucional de João Goulart. Enquanto esperava o Comandante do 3º Exército sem saber de sua decisão, Brizola falou à multidão: “não nos submeteremos a nenhum golpe. Resistiremos até o fim. A morte é melhor do que a vida sem honra, sem dignidade e sem glória. Que decolem os jatos. Que atirem em nós. Estaremos aqui para morrer se necessário”. Na ocasião, Brizola passou o comando da Brigada Militar ao General Machado Lopes, e ambos saudaram o povo e foram fervorosamente ovacionados.

Entrementes, João Goulart retornava em longa viagem ao Brasil para dar tempo que se encontrasse uma solução política para o impasse: de Pequim para Singapura, Zurique, Paris, Nova York, Lima, Buenos Aires e Montevidéu. O Congresso aprovou o parlamentarismo para reduzir os poderes de João Goulart, fórmula aceita pelos militares golpistas. Tancredo Neves dirigiu-se para Montevidéu a fim de apresentar a Jango a emenda constitucional, que salvaguardava o presidente com muitos poderes: indicar o 1º Ministro, nomear o gabinete, comandar as Forças Armadas. Jango aceitou porque conforme declarou “não queria derramar o sangue dos brasileiros, numa luta fratricida”. Jango voou para Porto Alegre dia 01 de setembro e não discursou às massas, que não queriam o parlamentarismo. Leonel Brizola insistiu em repetir 1930 e marchar do Rio Grande do Sul ao centro do Poder, agora em Brasília.

Houve uma última tentativa frustrada dos golpistas de impedir que Jango chegasse a Brasília. Era a “Operação Mosquito” que consistia em derrubar o avião que o estava conduzindo dia 05 de setembro. Finalmente, João Goulart aos 43 anos investiu-se na Presidência da República no dia 7 de setembro de 1961, aniversário da Independência, com Tancredo de Almeida Neves como 1º Ministro. Ele recuperou todos seus poderes presidencialistas por esmagadora maioria no plebiscito de 06 de janeiro de 1963, 9.457.448 contra 2.073.582 votos. Em 31 de março/1º de abril de 1964, foi deposto por um golpe de Estado. Novamente, João Goulart não quis resistir para evitar guerra civil. Agiu como estadista e patriota, que a história reconhecerá. O triunfo da campanha da Legalidade se deve à coragem e ao prestígio do governador Leonel Brizola, no vigor dos seus 39 anos, que já tinha sido deputado estadual aos 25 anos em 1947, reeleito em 1950, Secretário de Obras do Estado em 1951, deputado federal em 1954, Prefeito de Porto Alegre em 1955 e Governador em 1958. Pela primeira vez no Brasil, o poder civil derrotou a força militar.

Fonte: Rede PDT

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