segunda-feira, 1 de novembro de 2010

ELEIÇÃO 2010: DAS CINZAS DE UMA DERROTA ANUNCIADA, QUE BRASIL SAI DAS URNAS?


Oscarino Arantes

A eleição de Dilma Roussef como a primeira mulher presidente do Brasil, não teve nem a sombra da mística que cercou a eleição do primeiro operário em 2002. A eleição de Lula, naquele momento, marcava um significativo avanço. A eleição de Dilma marca um lamentável retrocesso, não pela candidata em si, mas pelo esquema de poder, que lhe conduziu ao poder. Numa eleição marcada pela despolitização do meio político, desvelaram-se todas as mazelas e vícios que se acercam do poder, historicamente, em nosso país: dos currais eleitorais do antigo coronelismo ao clientelismo das políticas assistenciais; do patrimonialismo nas relações Estado-Elite ao fisiologismo das alianças partidárias; do golpismo descarado da mídia liberal ao patrulhismo do esquerdismo populista-demagógico. Tivemos um verdadeiro 3x4 de um circo de horrores. Ouso dizer que o pleito de 2010 deverá ser visto pela História, como a eleição perdida. Quando tudo enfim favorecia, perdemos a oportunidade de nossa democracia avançar e retrocedemos às práticas mais nefastas de nosso tumultuado processo político no século XX.

Na armadilha do continuísmo

Não houve confronto de idéias, somente de egos. Não havia divergência, mas apenas uma disputa pela precedência: quem criou o “bolsa isso”, quem privatizou o quê. O que muito contribuiu para essa letargia dialética, foi o decantado “continuísmo”, imposto e celebrado pela mídia liberal desde que Lula chegou ao poder. Tratava-se de um discurso ideológico de cerceamento do processo democrático, fechando o círculo de alternativas e debate na falsa polarização PT-PSDB, que ensaia um bipartidarismo de modelo americano em nosso país. Obviamente, o “tiro saiu pela culatra”, quando viram que Lula não tinha um candidato com perfil de interlocutor de classes, que tão bem soube desempenhar no seu governo. Desembarcaram em peso na candidatura Serra, mas já era tarde. Ambos os candidatos se apresentavam como representantes de um “continuísmo”, só que Dilma tinha ao seu lado Lula e o lumpesinato assistido.

Já disse que o pior legado do governo Lula é uma política despolitizada. O povo alienado no cotidiano não percebe o risco pra democracia de uma política despolitizada. Típico dessa despolitização, o continuísmo é um discurso ideológico de dominação, verdadeira metástase de uma democracia, que anula os sonhos, a inovação, a criatividade e a ousadia de uma sociedade pluralista. Em tempos de política despolitizada, o voto se define não pela opção, mas pela falta de opção. Apesar de Lula ostentar impressionantes 83% de aprovação, Dilma foi eleita com “apenas” 41% de votos do eleitorado brasileiro. Há algo que esses números indicam que precisará ser mais bem analisado no futuro. Mas a meu ver, a princípio, essa diferença assinala o esgotamento político do projeto Social-Democrata comandado pelo PSDB-PT. A falta de novos atores e reais alternativas políticas começa a ser sentida pela sociedade e as urnas deram claro sintoma: 21,50% de abstenção, 6,70% entre brancos e nulos nesse 2º turno.


Que PT surge das urnas sem-Lula?

O PT que sai das urnas de 2010, certamente não é o PT de 2002, ainda ensimesmado no seu ‘messianismo’ ideopolítico. Também não é o PT de 2006, livre das “amarras” ideológicas dos dissidentes, mas ressabiado com o rescaldo do “mensalão”. Em ambas as eleições, Lula se elegeu com os votos de seu próprio eleitorado e pouco devia ao partido, que tudo lhe devia. Mas Dilma não tem eleitorado próprio e se elegeu à conta de um grande esquema de poder, montado sob a aliança PT-PMDB. Além disso, ao contrário de Lula, Dilma não é uma líder capaz de mediar a sanha fisiológica do estranho emaranhado de interesses que lhe dá sustentação. Nesse mosaico movediço, que o governo Dilma caminhará, o PT emerge fortalecido como sua base sólida e saberá cobrar o preço por esse novo papel. Qual a capacidade de Dilma em não se tornar refém de um PT ‘anabolizado’ por oito anos de poder? Só o tempo dirá e muito vai depender do papel que Lula assumir em sua saída de cena. Lula servia às elites como um anteparo para conter os movimentos sociais, compensando o patrimonialismo com o assistencialismo e afiançando a estabilidade sócio-política do país. Sem Lula qual o campo de manobra do governo Dilma para mediar crises? Sem partidos políticos aptos a dar vazão às insatisfações de classe, como negociar um pacto de governabilidade com os movimentos sociais?

Reinvenção ou morte

E o que sobra do PSDB após a terceira derrota eleitoral seguida para a presidência da república? Durante os governos de lula, o PSDB não soube fazer o papel de oposição, demonstrando uma incapacidade nata para renovar sua perspectiva, diante da assunção do governo Lula de suas mais expressivas bandeiras. Os tucanos pareciam extasiados com o “continuismo” lulista, que não sabiam como construir um discurso para contrapô-lo. Isso afundou Alckmin em 2006 e agora Serra. É bem verdade que na última hora, Serra tentou clonar o discurso populista-assistencialista do governo Lula, mas não havia densidade para tanto. Em seu lastimável discurso após o resultado das urnas, Serra prematuramente se arvorou como “líder da oposição”, duas coisas que não sabe o que significa. Se não se prestar a fantoche do golpismo reacionário, sempre a espreita, se arrisca ao folclore como um novo Brancaleone. Apesar do PSDB sair dessa eleição com o cabedal de 10 Estados, a verdade é que, sem um projeto nacional renovado, que ultrapasse o provincianismo do tucanato paulista, caminhará a passos largos para a “peemedebetização” do partido, desmembrado no regionalismo oligárquico. Agora cabe à cúpula nacional do PSDB, dominada pelo tucanato paulista, reconhecer que não apostar em Aécio Neves, foi um erro grave, que, aliás, custou a própria eleição. A perda de Minas Gerais para Dilma na disputa presidencial foi o troco que os mineiros souberam dar. O grande dilema que o PSDB enfrenta é decidir se realmente quer se tornar um partido nacional ou se vai continuar sendo apenas um partido paulista.

Está claro também, que das cinzas dessa eleição, partidos como o DEM e PDT terão que se reinventar se quiserem sobreviver a irrelevância a que foram reduzidos nas últimas eleições. Definitivamente o adesismo irrefletido cobra seu amargo preço, seja no campo da direita ou da esquerda. Mas enquanto marca o ocaso de alguns partidos tradicionais, essa eleição anuncia a emergência de outros. Partidos como PR, PV e até o PSB, surgem como possíveis atores do novo cenário político que, de um modo geral, nesse momento, ainda não nos permite divisar um horizonte melhor no futuro pós-Lula. Enfim, o resumo dessa eleição é a crônica de uma derrota anunciada: a crise da democracia.

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