sábado, 22 de outubro de 2011

De Nuremberg à Sirte: a longa jornada noite à dentro

Oscarino Arantes

Quando após a Segunda Guerra Mundial, as nações vitoriosas reuniram na cidade de Nuremberg, na Alemanha, um tribunal com o objetivo de julgar os crimes cometidos pelos nazistas durante a guerra, muitos criticaram as implicações políticas desse tipo de julgamento. Que direito in abstracto teria de ser aplicado? O dos vencedores? Sobre fatos anteriores à vitória? Que normas in concreto haviam sido violadas? Logo de início os advogados de defesa aprovaram uma moção afirmando que o Tribunal de Nuremberg violava o antigo princípio do direito romano, segundo o qual não crime, nem há pena sem lei anterior que os defina ("nullum crimen, nulla poena sine praevia lege"). 

Apesar de sua evidente precariedade sob ângulo jurídico o Tribunal Militar Internacional (TMI), nome oficial do Tribunal de Nuremberg, durou 285 dias (de 1945 à 1949), nos quais foram ouvidas 240 testemunhas e julgados 199 homens, sendo 21 deles líderes nazistas. Se sob o aspecto jurídico o Tribunal de Nuremberg pode ser debatido até hoje, sob a perspectiva histórica representou um louvado esforço da civilização que se afirmava vitoriosa após emergir do abismo da barbárie genocida. Uma barbárie nascida de sua própria intemperança, mas que pode ser superada por valores comuns, que se cristalizaram na Carta das Nações Unidas e mais tarde na Declaração Universal dos Direitos Humanos. 

Por isso, quando vemos a celebração pelas chamadas potências ocidentais da execução de Muammar Khadafi, rendido e sob custódia das forças insurgentes, temos de lamentar a longa estrada percorrida desde Nuremberg. O processo civilizatório entrou em colapso em nosso tempo. Não há um mínimo esforço para afirmar valores comuns na vitória, nem generosidade com o vencido. Nada se deixa para o futuro como rumo a ser seguido a não ser a hegemonia do poder militar. Tudo se resolveu no cano de uma arma e no cano de esgoto: a misericórdia dos pequenos.

Em Nuremberg pela primeira vez o vencedor buscou estender a mão generosa para a justiça, ainda que uma justiça precária. Mas nesse gesto, os vencedores traduziam a nítida mensagem de um porvir que merecia ser celebrado. Em Sirte, ao contrário, nos deparamos com a mão vingativa do vencedor, que desdenha o vencido e se satisfaz com a confirmação de sua supremacia bélica. Khadafi preso responderia por seus crimes. Khadafi morto se tornou mais uma vítima da crueldade e um arquivo queimado. É a vitória da barbárie, que traduz um futuro sem futuro. Triste pedra fundamental para a nova Líbia. 

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