Por Paulo Passarinho
“Não há pior veneno para o futuro nacional do que o desânimo que acompanha a perda de esperança da juventude quanto ao país. Explicitar um projeto nacional é prioridade para a preservação da identidade e da auto-estima do Brasil; exige colocar o presente do país em pauta. Um projeto nacional é sempre percebido e adotado em parte pelos atores sociais que preconizam mudanças mais ou menos acentuadas em dimensões estruturais e comportamentais de uma sociedade nacional. Obriga os conservadores a saírem da casca; cria uma diferenciação entre aqueles que querem preservar intacto o status quo e aqueles que admitem - via negociação - adaptações e transformações parciais. Pensar o futuro ilumina o presente; restaura esperanças e dá substância à retórica democrática convertendo-a em prática substantiva social e política”.
O Brasil é um país que potencialmente teria todas as condições para já estar incluído nesse seleto grupo. Para tanto, é importante esclarecer, não nos bastaria vontade e condições políticas adequadas. As dimensões territorial e populacional, as especificidades vinculadas às possibilidades para a produção de alimentos e a geração de energia são, por exemplo, variáveis essenciais para uma determinada nação almejar o objetivo de atingir um grau de autonomia que lhe livre da dependência estrutural a outros países. Em relação a essas variáveis, o Brasil talvez seja o país que reúna as melhores condições, junto com os Estados Unidos, para pensar e definir uma estratégia nacional, com o objetivo de construir um modelo específico, adequado às nossas necessidades e peculiaridades, de desenvolvimento econômico, social e cultural. Um modo brasileiro de vida.
Ao contrário do Brasil, os Estados Unidos fez a sua opção radical, de romper com a potência imperial de então, a Inglaterra, envolvendo inclusive um conflito bélico, e ousar a construção de uma nação soberana, ainda no século XVIII. Sem entrar no mérito sobre a natureza do modelo adotado por eles – baseado na guerra e na radical defesa de sua moeda, como forma de defesa de sua economia nacional – a realidade é que eles foram exitosos em seus objetivos.
Aqui no Brasil, ao contrário, a renúncia a uma perspectiva séria de soberania sempre foi a tônica do comportamento de nossas elites. Apenas no século passado, e a partir das contradições da crise global capitalista dos anos 30, é que começamos a engatinhar em torno da idéia de construir uma nação soberana. Contudo, de forma extremamente mambembe. O projeto nacional-desenvolvimentista, que sequer foi capaz de efetivar uma verdadeira reforma agrária, foi na prática atropelado por um desenvolvimentismo associado ao capital estrangeiro, cujo ápice se deu no golpe civil-militar de 1964.
Posteriormente, quando restabelecemos um regime de liberdades democráticas formais, já nos anos 80, o desenvolvimentismo encontrava-se em xeque, por conta do endividamento externo e pela própria pressão do capital financeiro global, em favor das políticas de abertura e privatizações em favor de corporações privadas.
A eleição de Collor, em 1989, nos jogou definitivamente na aventura dos financistas. Os governos de FHC azeitaram o modelo inaugurado de forma atabalhoada por Collor, com as mudanças constitucionais e o arranjo institucional impulsionado pelo PSDB e seus aliados. Entretanto, as sucessivas crises do capitalismo global na segunda metade dos anos 90 colocaram o modelo neoliberal na berlinda, não somente aqui no Brasil, mas especialmente em toda a América Latina, região onde esse modelo havia se implantado com força.
Com a expansão dos fluxos de comércio internacional que caracterizou a primeira década do século XXI, impulsionada pela demanda asiática - e especialmente chinesa - por alimentos e matérias-primas, houve uma extraordinária melhoria em nossas contas externas, propiciando ao governo avançar em políticas de transferência de renda aos miseráveis, reajustes reais ao salário-mínimo e a ampliação do mercado de crédito, particularmente para setores pobres que jamais haviam tido esse tipo de acesso.
Lula e seus aliados, dessa forma, conseguiram dar popularidade ao modelo que, em 2002, se encontrava politicamente derrotado. Mantendo e ampliando a abertura financeira, não alterando e inovando a política de privatizações, não revendo as mudanças constitucionais patrocinadas por FHC e abandonando bandeiras históricas, como a reforma agrária, a mudança do modelo agrícola e a reforma tributária em prol dos trabalhadores, o Brasil de hoje nunca esteve tão distante da perspectiva de um modelo nacional, democrático e popular.
Mais grave: dada a conversão política e ideológica do PT e de seus aliados, fortaleceu-se a apologia – quase sem contestações – de que o Brasil está no rumo certo. A mídia dominante, junto com a demagogia e manipulação dos governantes, proclama aos quatro ventos a emergência do país no cenário internacional, um extraordinário processo de distribuição de rendas e um ufanismo que não resiste a nenhuma avaliação mais séria, menos apaixonada e isenta dos oportunismos de ocasião.
A acelerada desnacionalização produtiva; o endividamento galopante do Estado, das empresas e das famílias; a reprimarização de nossas exportações ou a transformação do setor industrial, cada vez mais dependente da importação de peças e componentes, parecem não ter importância alguma.
Nosso futuro, dado o enorme retrocesso em que nos encontramos – na perspectiva de um modelo soberano de país – dependerá da capacidade dos setores que não se renderam à guinada do PT e de seus aliados sensibilizarem e terem a capacidade de organizar novas lutas, em torno de um projeto nacional a ser assumido por amplas parcelas dos trabalhadores e de nossa juventude.
Vivemos hoje, no país, o ocaso da esperança de mudanças que uma geração de políticos e lutadores populares alimentou por anos, mas que não foi capaz, na hora decisiva, de ser fiel aos desafios que se colocaram para uma ruptura que era esperada.
Somente a construção de um novo projeto nacional - que recupere a importância de nossa soberania, a necessidade de uma democracia exercida pelo povo (e não pelos donos do dinheiro) e coloque a defesa do bem-estar dos trabalhadores como questões inalienáveis - poderá recuperar a defesa da política como instrumento de mudanças, e resgatar a juventude para as lutas políticas que se fazem necessárias.
Uma oportunidade histórica ímpar se perdeu. E, nesse sentido, o alerta de Carlos Lessa ganha destaque e importância. Mais que nunca, o nosso futuro dependerá das possibilidades e perspectivas a serem construídas junto a nossa juventude.
Paulo Passarinho é economista e membro do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro.
Fonte: Correio da Cidadania
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