Por Oswaldo Coggiola
No início do ano
pré-eleitoral (na verdade, já eleitoral) de 2013, todos os índices da economia
brasileira apontam para a estagnação e o recuo. À queda, já anunciada, do PIB,
veio somar-se agora o recuo industrial (o primeiro em uma década), o retrocesso
do investimento por cinco trimestres consecutivos, o aumento do desemprego, que
já afetava o setor industrial e agora se transmitiu para o setor comercial
(sinalizando o fim do boom do consumo que foi a marca econômica e política do
governo petista), o aumento da inflação (que teria superado 1% em dezembro
passado, isto é, mais de 15% anual, se não mediasse a queda parcial das tarifas
de energia - que irá reduzir em 28% o custo dos grandes consumidores e em 16% o
dos pequenos e médios consumidores - e o adiamento dos reajustes de tarifa nos
transportes), a queda do lucro bancário privado (- 5,3%) e o aumento (30% em
média) das provisões contra calotes do setor financeiro, que lucrou R$ 27, 7
bilhões, com um total de... R$ 52 bilhões previstos para devedores duvidosos e
inadimplentes. A Bolsa de Valores de São Paulo anunciou no início de 2012 que
45 companhias fariam ofertas públicas iniciais de cotização de ações (só três
delas o fizeram). Em suma, um cenário de crise e recessão. O “remédio” do
governo é a mesmice aumentada, ou mais e ainda mais do mesmo.
O setor de ponta da
saúde pública brasileira, os hospitais universitários, por exemplo, estão sendo
“assediados”, mediante “terrorismo social” (termos usados pelo procurador
federal do Ministério Público do Trabalho) para ceder sua gestão ao setor
privado mediante a Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares). O
governo Dilma afrouxou todas as condições para a privatização (leilão) de 7500
quilômetros de rodovias, em nove lotes, aumentando de 6% para 14,6% a taxa de
retorno garantido para as empresas participantes. Com esse presentão para o
grande capital, pretende-se manter o programa de investimentos de R$ 250
bilhões em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Sem falar em que o governo
está hipotecando todas as reservas do pré-sal, como já foi feito pelo governo
Lula, que entregou uma grande parte do pré-sal para a empresa OGX (Eike
Batista).
Com a renovação das concessões de geração, transmissão e distribuição de energia, o governo pretende hipotecar o patrimônio público para reduzir a tarifa média de energia. Uma vez vencidas as concessões, elas deveriam ser integradas ao patrimônio público. A MP (decreto) 579 é uma tentativa do governo para utilizar aproximadamente 22 mil megawatts de usinas hidrelétricas e 80 mil quilômetros de vias de transmissão para tentar fornecer essa energia só pelo custo de operação e manutenção e, com isso, tentar reduzir a média tarifária, que sempre beneficiou os maiores consumidores. O governo diminuiu a tarifa média, só que quem mais consome energia no Brasil é o grande capital (industrial, comercial, agrário, financeiro). Qualquer benefício linear beneficia só os mais ricos e deixa de fora 2,5 milhões de pessoas que ainda não têm acesso à energia. 1.500 consumidores consomem aproximadamente 28% de toda a eletricidade brasileira, e eles compram energia a um preço aviltado, porque pagam apenas 20% do custo da energia, de não menos de cem reais o megawatt-hora (MWh). Esses consumidores pagam cerca de R$ 20 por MWh. E os apagões são cada vez mais frequentes, pois, sem recursos, a manutenção é pífia.
Com a renovação das concessões de geração, transmissão e distribuição de energia, o governo pretende hipotecar o patrimônio público para reduzir a tarifa média de energia. Uma vez vencidas as concessões, elas deveriam ser integradas ao patrimônio público. A MP (decreto) 579 é uma tentativa do governo para utilizar aproximadamente 22 mil megawatts de usinas hidrelétricas e 80 mil quilômetros de vias de transmissão para tentar fornecer essa energia só pelo custo de operação e manutenção e, com isso, tentar reduzir a média tarifária, que sempre beneficiou os maiores consumidores. O governo diminuiu a tarifa média, só que quem mais consome energia no Brasil é o grande capital (industrial, comercial, agrário, financeiro). Qualquer benefício linear beneficia só os mais ricos e deixa de fora 2,5 milhões de pessoas que ainda não têm acesso à energia. 1.500 consumidores consomem aproximadamente 28% de toda a eletricidade brasileira, e eles compram energia a um preço aviltado, porque pagam apenas 20% do custo da energia, de não menos de cem reais o megawatt-hora (MWh). Esses consumidores pagam cerca de R$ 20 por MWh. E os apagões são cada vez mais frequentes, pois, sem recursos, a manutenção é pífia.
O governo, além
disso, criou uma fonte de recursos públicos para os bancos privados financiarem
investimentos de médio e longo prazo, principalmente os destinados a bancar os
programas de concessões de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Os bancos privados
deverão pagar ao governo pelo acesso aos recursos uma correção baseada na TJLP
(taxa de juros de longo prazo), hoje de 5% ao ano, muito abaixo da taxa “de
mercado”. O formato da medida “atende pedido dos bancos privados”, anunciou o
governo. Na prática, ele está acabando com a intermediação do BNDES. O banco
público recebia dinheiro do Tesouro e o repassava a bancos privados, cobrando
uma taxa. Agora, os bancos terão acesso direto aos recursos. A nova fonte de
água benta vai se somar aos R$ 15 bilhões de depósitos compulsórios que o BC já
havia liberado para financiar investimentos. As instituições financeiras
privadas poderão formar consórcios para ter acesso ao fundo de recursos
públicos.
Os economistas
“neoliberais” (tucanos ou não), escrachados durante uma década, celebram por
isso aos brados a conversão do governo ao “credo (violento) do mercado”, na
verdade o credo do subsídio público ao grande capital. “O governo saiu de seu
labirinto”, anunciou o inefável economista tucano Mendonça de Barros, pois
“passou a depender do capital privado para superar as limitações ao
crescimento” (capital privado que, por sua vez, depende dos créditos públicos e
do saque ao Estado mediante a especulação com títulos públicos). O governo
federal já destinou dois terços dos recursos gastos em 2013 para juros e
amortizações da dívida: apenas nos primeiros 35 dias de 2013 já foram gastos
nada menos que R$ 145 bilhões com juros e amortizações da dívida, valor
equivalente ao dobro dos recursos previstos para educação em todo o ano de
2013. Para 2013, estão previstos R$ 900 bilhões para a dívida pública, 20% a
mais do que os R$ 753 bilhões gastos com a dívida no ano passado. Isto mostra
que, apesar da propaganda oficial sobre a queda da taxa de juros, a dívida
pública continua no centro da crise nacional. A parte do orçamento federal
destinada para pagamento de juros e amortizações da dívida cresceu de 36,7%
para 45,05%.
No Código Florestal, a expectativa do “veta tudo Dilma” não se concretizou, e o governo tem demonstrado que seu projeto não se restringe a uma ou outra área. Trata-se de um projeto global em favor do grande capital, adequando às formas de organização do Estado à crise. Aí se encaixa o projeto de Código Nacional de Ciência Tecnologia e Inovação, que teve a “contribuição” de fundações privadas de todo o país, há décadas empenhadas na privatização no interior das instituições públicas. Para pagar a dívida pública, houve nos dois últimos anos cortes no orçamento de 50 e 55 bilhões de reais, que, somente entre os anos 2010 e 2011, fizeram cair 16,2% o orçamento para ciência e tecnologia. Agora, para “remediar”, não só será permitida a transferência direta de recursos públicos para o setor privado, como se ampliará a possibilidade de as instituições públicas – as universidades, responsáveis por mais de 90% da produção científica do país – compartilharem seus laboratórios, equipamentos, materiais e instalações com empresas privadas, inclusive transnacionais. O Código permitirá ainda o acesso à biodiversidade pelos monopólios privados. Será permitido, sem autorização prévia, o acesso ao patrimônio genético e de conhecimento tradicional para fins de pesquisa. E também a extração do patrimônio para fins de produção e comercialização. Uma política de entrega nacional total.
No Código Florestal, a expectativa do “veta tudo Dilma” não se concretizou, e o governo tem demonstrado que seu projeto não se restringe a uma ou outra área. Trata-se de um projeto global em favor do grande capital, adequando às formas de organização do Estado à crise. Aí se encaixa o projeto de Código Nacional de Ciência Tecnologia e Inovação, que teve a “contribuição” de fundações privadas de todo o país, há décadas empenhadas na privatização no interior das instituições públicas. Para pagar a dívida pública, houve nos dois últimos anos cortes no orçamento de 50 e 55 bilhões de reais, que, somente entre os anos 2010 e 2011, fizeram cair 16,2% o orçamento para ciência e tecnologia. Agora, para “remediar”, não só será permitida a transferência direta de recursos públicos para o setor privado, como se ampliará a possibilidade de as instituições públicas – as universidades, responsáveis por mais de 90% da produção científica do país – compartilharem seus laboratórios, equipamentos, materiais e instalações com empresas privadas, inclusive transnacionais. O Código permitirá ainda o acesso à biodiversidade pelos monopólios privados. Será permitido, sem autorização prévia, o acesso ao patrimônio genético e de conhecimento tradicional para fins de pesquisa. E também a extração do patrimônio para fins de produção e comercialização. Uma política de entrega nacional total.
A crise econômica
não tem ainda reflexos políticos decisivos. Lula, finalmente, lançou a
candidatura de Dilma Roussef à reeleição. As sondagens provisórias a situam em
torno de 55% das intenções de voto, com pouco mais de 10% para o tucano Aécio
Neves, e percentuais semelhantes para a oportunista Marina Silva (que está
leiloando sua candidatura para alguma sigla ou coalizão; a ex-senadora e
ministra foi recebida com gritos de “Brasil, urgente, Marina presidente” ao
entrar em um teatro lotado na Vila Madalena) e para Eduardo Campos (PSB), até a
data, no entanto, integrante da base aliada do governo. Ou seja, teríamos uma
nova eleição plebiscitária, onde só estariam realmente em disputa alguns
governos estaduais, São Paulo em primeiríssimo lugar (haveria cinco
pré-candidaturas petistas, incluída a de Guido Mantega: a eleição de SP seria
mais importante que a nacional...). As especulações eleitorais, a mais de um
ano e meio de distância do pleito, vão com sede demais ao pote.
E não só por causa
do cenário econômico de crise, nacional e internacional, mas também por causa
da luta de classes, e da crise política. Uma plenária para organizar a luta
pela negociação e contração coletiva no serviço público e em defesa do direito
de greve no funcionalismo reuniu a 19 de fevereiro diversas entidades dos
servidores públicos dos três entes federativos na Câmara dos Deputados. O
evento contou com a presença de cerca de 600 participantes, das mais diversas
categorias do serviço público. Teria sido melhor realizá-la num local sindical,
num centro da luta de classes, mas algo foi feito. Os sindicatos portuários,
vinculados à Força Sindical (que anunciou sua ruptura com o governo) e à
Federação Portuária (CUT), por sua vez, anunciaram medidas de luta contra a
privatização dos portos (que implicará em milhares de demissões). É claro que
essas burocracias apenas ameaçam (para negociar alguma coisa), mas viram-se
obrigados a abrir uma fresta por onde pode ser proposta e agitada uma política
classista (não à privatização, garantia e estabilidade no emprego, reajustes
salariais).
A crise do mensalão ainda não acabou, e vai marcar as composições eleitorais. Como disse candidamente Wladimir Pomar (ideólogo da “esquerda” do PT), o STF “aceitou a tese do mensalão, sem qualquer consistência objetiva, pois, se houvesse, teria que ter julgado a maior parte da Câmara dos Deputados”. Tal e qual. Genoíno e Zé Dirceu, para ele, “cometem um erro crasso ao pretenderem estabelecer uma relação das ações de repúdio aos procedimentos e às decisões do STF com o apoio e sustentação do governo da presidente Dilma, e com a luta pelas reformas política e tributária. E praticam um erro maior ainda ao pretenderem fazer com que o PT assuma, neste momento, como sua tarefa mais importante, a luta pela anulação das condenações. Esquecem que isto incluiria absolver também o escroque [Marcos Valério] que praticou inúmeros delitos comprováveis e colocar o PT no banco dos réus... Os filiados atingidos pela ação penal 470 não podem transformar sua situação numa síndrome partidária”. Xadrez para eles, portanto, para salvar o restante da Câmara dos Deputados e o PT, ou seja, a quadrilha toda.
A esquerda classista está metida no meio das mesquinhas especulações eleitorais, nas quais é só marginal. Uma política eleitoral classista, no entanto, só pode ser o resultado final (e secundário) de uma vigorosa política de frente única de classe para organizar as lutas em curso, e também as lutas potenciais (pelo salário, pelo emprego, pelo direito à organização) suscitadas pela crise do capital. Só assim a crise política dos “de cima” poderia ser aproveitada politicamente pelos “de baixo”. A primeira condição é superar o sectarismo autorreferente e autoproclamado com uma política de luta, de unidade e de independência de classe.
Osvaldo Coggiola, historiador e economista, é professor do departamento de História da USP.
Fonte: Correio da Cidadania
A crise do mensalão ainda não acabou, e vai marcar as composições eleitorais. Como disse candidamente Wladimir Pomar (ideólogo da “esquerda” do PT), o STF “aceitou a tese do mensalão, sem qualquer consistência objetiva, pois, se houvesse, teria que ter julgado a maior parte da Câmara dos Deputados”. Tal e qual. Genoíno e Zé Dirceu, para ele, “cometem um erro crasso ao pretenderem estabelecer uma relação das ações de repúdio aos procedimentos e às decisões do STF com o apoio e sustentação do governo da presidente Dilma, e com a luta pelas reformas política e tributária. E praticam um erro maior ainda ao pretenderem fazer com que o PT assuma, neste momento, como sua tarefa mais importante, a luta pela anulação das condenações. Esquecem que isto incluiria absolver também o escroque [Marcos Valério] que praticou inúmeros delitos comprováveis e colocar o PT no banco dos réus... Os filiados atingidos pela ação penal 470 não podem transformar sua situação numa síndrome partidária”. Xadrez para eles, portanto, para salvar o restante da Câmara dos Deputados e o PT, ou seja, a quadrilha toda.
A esquerda classista está metida no meio das mesquinhas especulações eleitorais, nas quais é só marginal. Uma política eleitoral classista, no entanto, só pode ser o resultado final (e secundário) de uma vigorosa política de frente única de classe para organizar as lutas em curso, e também as lutas potenciais (pelo salário, pelo emprego, pelo direito à organização) suscitadas pela crise do capital. Só assim a crise política dos “de cima” poderia ser aproveitada politicamente pelos “de baixo”. A primeira condição é superar o sectarismo autorreferente e autoproclamado com uma política de luta, de unidade e de independência de classe.
Osvaldo Coggiola, historiador e economista, é professor do departamento de História da USP.
Fonte: Correio da Cidadania
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