quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Quem semeia ventos colhe tempestade

POR JOSÉ BENEDITO PIRES TRINDADE E OTTO FILGUEIRAS

A nossa pouco gloriosa mídia comercial – liderança sem contendor da oposição da direita - vive um dilema angustiante desde que as manifestações populares voltaram às ruas. Dizer que é uma dúvida hamletiana, seria uma concessão indevida à baixíssima qualidade do jornalismo, hoje; o melhor seria enunciar que se trata de um impasse “tostines”, mais adequado à compreensão dos arrivistas que se impõem às redações.

A hesitação é: apoiar ou condenar as manifestações? Mostrar simpatias ou demonizar os Black bloks? Estimular ou condenar a repressão? Lei anti-terrorismo, sim ou não?

Depois da perplexidade inicial quando, seguindo seus instintos, desancou os “baderneiros”, a mídia realinhou-se, tão férteis e prolíferas as possibilidades do movimento. A sua natureza golpista vislumbrou “janelas de oportunidades” para fazer sangrar o governo petista.

Assim, vândalos e arruaceiros transmudaram-se em ativistas e militantes; jovens rebelados contra a má qualidade dos serviços públicos e a corrupção; e a desordem de antes passou a ser acolhida como manifestação apartidária e apolítica. É claro, com todas as advertências da mídia, notadamente o seu comando político-ideológico, as Organizações Globo, para que as massas se comportassem educadamente, sem violência, quebra-quebra e outras expressões de incivilidade, para não assustar a classe média, as senhoras católicas e os veteranos de 32, 45, 54, 55, 56, 59 e 64, e tantas outras memoráveis batalhas.

A velha mídia, comercial e venal, e a velha oposição que ela comanda, agora acrescida dos tais “socialistas”, esqueceu-se, no entanto, de que, quando você tira o diabo para dançar, quem muda é você, não o diabo. É quem convida que se enquadra ao ritmo, não o tinhoso. Os demônios estão soltos e não há como recolhê-los. Logo mais, não haverá como domá-los também.

A crítica de figuras estelares da mídia a possíveis legislações anti-manifestações, gestadas pelos sempre disponíveis Romeros Jucás, por exemplo, mostra com que ansiedade os conservadores aguardam a chegada dos meses de maio e junho, quando, rezam aos céus, será enterrada a reeleição da presidente.

Quer dizer, o diabo está sendo insistentemente convidado para dançar. E, solto no redemoinho das manifestações, com máscara ou sem máscara, com fadas ou sem fadas, vai perder o controle e a Globo terá que se encarapitar nos prédios para fugir da turba multa, regerá o coro conservador exigindo lei e ordem, sairá à caça do demônio para trancafiá-lo, novamente.

E poderão ter êxito, ainda mais uma vez, desgraçadamente.

Afinal, o diabo ou a extrema direita, incluindo a PM de São Paulo e Rio de Janeiro, está animado: amontoa a Internet com piadas e mensagens grosseiras, atacando o PT por suas qualidades, nos tempos que ainda dependia da mobilização, aguerrida, da sua militância. Ataca o Senado e os petistas porque não passou o projeto reacionário que alterava a maioridade penal. E ataca também o ex-ministro Padilha por causa dos médicos cubanos. São os generais de pijama, e outros atuais, encarnados no diabo e saudosistas dos tempos de terror da ditadura.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

O Brasil, os EUA e o “Hemisfério Ocidental” (2)

Para diplomacia norte-americana, manter supremacia sobre América do Sul continua sendo essencial. Por isso, prosseguirá tentativa de enfraquecer governos que Washington vê como “populistas”

Por José Luís Fiori

“A new form of nationalism may emerge, seeking national or regional
identity by confronting the United States. In its deepest sense,
the challenge of Western Hemisphere policy for the United States is
whether it can help bring about the world
envisioned by Free Trade Area of the Americas,
or whether the Western Hemisphere, for the first time in its history,
will break up into competing blocs;
whether democracy and free markets
will remain the dominant institutions
or whether there is a gradual relapse into populist authoritarianism.”


Henry. Kissinger “Does America Need a Foreign Policy?”


Henry Kissinger foi um formulador estratégico menos original do que Nicholas Spykman, mas em compensação ocupou inúmeras posições de governo e participou de algumas decisões internacionais que o transformaram numa das figuras mais importantes da política externa norte-americana, da segunda metade do século XX. Ele deixou a academia e se transformou em conselheiro governamental, no primeiro governo de Eisenhower, em 1953, e manteve presença nos governos republicanos até o final das administrações de Richard Nixon e Gerald Ford, de quem foi Conselheiro de Segurança, e Secretario de Estado, respectivamente. Neste último período, Henry Kissinger teve papel decisivo na redefinição da estratégia internacional dos EUA, depois da crise econômica do início dos anos 70, e depois da derrota americana no Vietnã, em 1973. Foi quando ele concebeu ou participou de algumas decisões norte-americanas que deixaram marcas profundas na história da diplomacia internacional. Entre elas, a das negociações de paz, no Vietnã, que levaram à assinatura dos Acordos de Paris, em 1973; e a das negociações secretas com Chou en Lai e Mão Tse Tung , em 1971 e 1972, que levaram à reaproximação dos Estados Unidos com a China, e a reconfiguração completa da geopolítica mundial antes e depois do fim da Guerra Fria.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

O Brasil, EUA e o “Hemisfério Ocidental”

Washington deve sufocar militarmente ações comuns da América do Sul, propôs teórico geopolítico norte-americano mais influente dos no século XX. Em que medida proposição prevalece?

Por José Luis Fiori

“As terras situadas ao sul do Rio Grande constituem 
um mundo diferente do Canadá e dos Estados Unidos.
E é uma coisa desafortunada que as partes de fala inglesa e latina
do continente tenham que ser chamadas igualmente de América,
evocando similitudes entre as duas que de fato não existem.”

N. Spykman, “America´s Strategy in World Politics”


Tudo indica que os Estados Unidos serão o principal contraponto da política externa brasileira, dentro do Hemisfério Ocidental, durante o século XXI. E quase ninguém tem dúvida, também, de que os EUA seguirão sendo, por muito tempo, a principal potência militar, e uma das principais economias do mundo. Por isto é fundamental compreender as configurações geopolíticas da região, e a estratégia que orienta a política hemisférica norte-americana, deste início de século.

Ao norte do continente, o poder americano foi, é, e seguirá sendo incontrastável, garantindo-lhe fronteiras continentais absolutamente seguras. Além disto, a assimetria de poder dentro da América do Norte é de tal ordem que o Canadá e o México tendem a convergir cada vez mais, atraídos pela força gravitacional do poder econômico e militar dos EUA. O que não significa, entretanto, que o Canadá e o México ocupem a mesma posição junto aos EUA e dentro do tabuleiro geopolítico e econômico regional, apesar dos três países participarem do “Tratado Norte-Americano de Livre Comercio” (NAFTA), desde 1993. O Canadá ocupa uma posição única, como ex-colônia e ex-domínio britânico, que depois da sua independência, e da II Guerra Mundial, transferiu-se para a órbita de influencia direta dos EUA, transformando-se em sócio comercial, aliado estratégico e membro do sistema de defesa e informação militar dos povos de “língua inglesa”, comandado pelos EUA, e composto pela Inglaterra, Austrália e a Nova Zelândia. Neste contexto, o México ocupa apenas a posição de enclave militar dos EUA, uma espécie de “primo pobre”, de “fala latina”, ao lado das potências anglo-saxônicas. Mais do que isto, o México é hoje um país dividido e conflagrado por uma verdadeira guerra civil que escapa cada vez mais ao controle do seu governo central, mesmo depois do acordo de colaboração militar assinado com os EUA, em 2010. E mesmo com relação ao NAFTA, a economia mexicana beneficiou-se em alguns poucos setores dominados pelo capital americano, como automobilístico e eletrônico, mas ao mesmo tempo, neste últimos vinte anos, o México foi o único dos grandes países latino-americanos em que a pobreza cresceu, atingindo agora 51,3% da sua população. Hoje a economia mexicana é inseparável da norte-americana, e a política externa do país tem escassíssimos graus de liberdade, atuando quase sempre como ponta de lança da política econômica internacional dos EUA, como no caso explícito da “Aliança do Pacífico”.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

HABEMUS PAPAM


Por Mauro Santayana

(JB) - Acusado por um conservador norte-americano de ser marxista, Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, negou sê-lo, mas disse que não se sentia ofendido, por ter conhecido ao longo de sua vida, muitos marxistas que eram boas pessoas.

A declaração do Papa, evitando atacar ou demonizar os marxistas, e atribuindo-lhes a condição de comuns mortais, com direito a ter sua visão de mundo e a defendê-la, é extremamente importante, no momento que estamos vivendo agora.
  
A ascensão irracional do anticomunismo mais obtuso e retrógrado, em todo o mundo - no Brasil, particularmente, está ficando “chic” ser de extrema direita – baseia-se em manipulação canalha, com que se tenta, por todos os meios, inverter e distorcer a história, a ponto de se estar criando uma absurda realidade paralela.

Estabelecem-se, financiados com dinheiro da direita fundamentalista, “Museus do Comunismo”; surgem por todo mundo, como nos piores tempos da Guerra Fria, redes de organizações anticomunistas, com a desculpa de se defender a democracia; atribuem-se, alucinadamente, de forma absolutamente fantasiosa, cem milhões de mortos ao comunismo.

Busca-se associar, até do ponto de vista iconográfico, o marxismo ao nacional-socialismo, quando, se não fossem a Batalha de Stalingrado, em que os Alemães e seus aliados perderam 850 mil homens e a Batalha de Berlim, vencidas pelas tropas do Exército Vermelho - que cercaram e ocuparam a capital alemã e obrigaram Hitler a se matar, como um rato, em seu covil - a Alemanha Nazista teria tido tempo de desenvolver sua própria bomba atômica e não teria sido derrotada.

Quem compara o socialismo ao nazismo, por uma questão de semântica, se esquece que, sem a heróica resistência, o complexo industrial-militar, e o sacrifício dos povos da União Soviética - que perdeu na Segunda Guerra Mundial 30 milhões de habitantes - boa parte dos anticomunistas de hoje, incluídos católicos não arianos e sionistas, teriam virado sabão nas câmaras de gás e nos fornos crematórios de Auschwitz, Birkenau e outros campos de extermínio.

Espalha-se, na internet – e um monte de beócios, uns por ingenuidade, outros por falta de caráter mesmo, ajudam a divulgar isso – que o Golpe Militar de 1964 - apoiado e financiado por uma nação estrangeira, os Estados Unidos – foi uma contra-revolução preventiva. O país era governado por um rico proprietário rural, João Goulart, que nunca foi comunista. Vivia-se em plena democracia, com imprensa livre e todas as garantias do estado de direito, e o povo preparava-se para reeleger Juscelino Kubitscheck Presidente da República em 1965.

1964 foi uma aliança de oportunistas. Civis que há anos almejavam chegar à Presidência da República e não tinham votos para isso, segmentos conservadores que estavam alijados dos negócios do governo e oficiais – não todos, graças a Deus – golpistas que odiavam a democracia e não admitiam viver em um país livre.

Em um mundo em que há nações, como o Brasil, em que padres fascistas pregam abertamente, na internet e fora dela, o culto ao ódio, e a mentira da excomunhão automática de comunistas, as declarações do Papa Francisco, lembrando que os marxistas são pessoas normais, como quaisquer outras - e não são os monstros apresentados pela extrema-direita fundamentalista e revisionista sob a farsa do “marxismo cultural” - representam um apelo à razão e um alento.

Depois de anos dominada pelo conservadorismo, podemos dizer, pelo menos até agora, que Habemus Papam, com a clareza da fumaça branca saindo, na Praça de São Pedro, em dia de conclave, das veneráveis chaminés do Vaticano.

Um Papa maiúsculo, preparado para fortalecer a Igreja, com o equilíbrio e o exemplo do Evangelho, e a inteligência, o sorriso, a determinação e a energia de um Pastor que merece ser amado e admirado pelo seu rebanho.      


Fonte: www.maurosantayana.com/