Sandra Starling
Ultimamente, tenho
me lembrado muito do livro de Freud “O Mal-Estar da Civilização”. A expressão
adequa-se aos tempos de incerteza e deslegitimação de poderes que estamos
atravessando. A “Primavera Árabe” não desaguou em um estuário de liberdade, nem
na Tunísia nem no Egito. As forças rebeldes sírias tornam o regime de Bashar
al-Assad, a cada dia que passa, mais vulnerável. E o que se avizinha, em termos
de liberdade de expressão e de religião, não é nada reconfortante.
É bom recordar,
ainda, que, quando decidiu invadir o Iraque, George W. Bush justificou a ação
com o argumento de que aquilo era necessário para implantar a democracia nos
domínios de Sadam Hussein. Hoje, os iraquianos decidem seu futuro à base de
bombas ao invés do livre debate político. Sunitas e xiitas (estes, estimulados
pelo Irã) não se entendem, a não ser na irmanação do ódio aos judeus e ao
Ocidente.
Na Europa, o quadro
não é nada animador: ameaças de desagregação da União Europeia, esfacelamento
de Estados nacionais com crescimento de movimentos de secessão, exacerbação do
racismo e da xenofobia e, para agravar ainda mais a situação, uma paralisia das
instituições democráticas. Na Bulgária, o povo já experimentou no poder todas
as forças partidárias. Cansou-se de todas elas. Fala-se em convocação de uma assembléia
constituinte.
ACHINCALHADOS
Os governos
conservadores de Portugal, Espanha e Grécia, eleitos pelo voto popular, hoje
são mais achincalhados que a Geni da música de Chico Buarque. A formação de um
governo minimamente estável de centro-esquerda na Itália é ameaçada pela
intervenção de dois palhaços: Silvio Berlusconi e Beppe Grillo. Na França,
François Hollande procura recuperar o prestígio perdido com uma ação preventiva
no Mali, de maneira a assegurar o suprimento de urânio para as usinas
termonucleares espalhadas por todo o território francês.
E, na Alemanha, a
alternativa a Angela Merkel só se viabilizaria com uma ampla coalização de
esquerda, englobando social-democratas, verdes e “a esquerda”, partido de
ideologia marxista. O perigo aí mora no detalhe: os social-democratas não
conseguem engolir “a esquerda”. Não bastasse tudo isso, a Rússia segue sob a batuta
autocrática de Putin, agora em perseguição implacável aos homossexuais.
As novidades na
Europa se limitam ao cansaço dos monarcas: a rainha da Holanda pediu o boné, e
o papa Bento XVI foi atrás, deixando os cardeais resolverem o desmoronamento da
Igreja Católica.
No Extremo Oriente,
China e Japão se veem às voltas com muito inconformismo interno, além de terem
de lidar com um ditador juvenil, da Coreia do Norte, que resolveu brincar de
videogame com ogivas nucleares de verdade.
Pelas nossas bandas
americanas, o desânimo é tão avassalador que nem é bom comentar. Na espreita da
barbárie, mas segurando a esperança por um fio, temo ter de cantar com Eduardo
Dusek: “Levanta, serve um café, que o mundo acabou”.
(transcrito do
jornal O Tempo)
Fonte: Tribuna da
Imprensa
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