Ainda que efetivação
do novo tratado seja cercada de dúvidas, países sul-americanos devem ficar
atentos ao movimento de Washington
Jeferson Miola |
Montevidéu
Na esteira da mais
profunda crise no centro do capitalismo, EUA e União Europeia dão um passo
arrojado com a assinatura do acordo de livre comércio entre essas duas regiões
dominantes da economia mundial. O anúncio não significa a efetiva viabilidade
do acordo, pois as vantagens competitivas dos EUA na agricultura, nos serviços
e na indústria são enormemente desiguais, fator que pode eventualmente
desencorajar sua adoção por uma Europa que efervesce na crise.
Nos últimos meses, os EUA têm dado mostras de estar conseguindo manejar, ainda
que tibiamente, a situação da sua economia, “passando da UTI para a
enfermaria”; ao passo que a Europa continua enfrentando ameaças formidáveis,
que vão da recessão duradoura às possibilidades de dissolução institucional e monetária.
As escolhas políticas aplicadas tanto nos EUA como na UE, que preservam os
fundamentos especulativos do capital financeiro e priorizam medidas recessivas
e supressoras de direitos sociais [o emprego é a principal evidência],
enfraquecem a eficácia do enfrentamento da crise. Na UE, devido à moeda única,
as dificuldades são ainda maiores.
Neste contexto de alternativas limitadas pelo revigoramento dos venenos
neoliberais, o acordo entre os EUA e a UE adquire especial transcendência para
ambos, e impacta fortemente a dinâmica do comércio mundial. O fluxo de comércio
entre as duas regiões é nada menos que superlativo: aproximadamente 2 bilhões
de dólares diários. Ou seja, em um único mês supera o comércio interno anual do
Mercosul, que ronda os 53 bilhões de dólares.
No fundo, a aliança EUA-UE concretiza importantes prioridades da política externa estadunidense. Significa a expansão do seu domínio na Europa para, desse modo, ombrear com a China na disputa por mercados e para assim também preservar sua enorme capacidade de determinação dos rumos dos assuntos internacionais.
O acordo com a UE é o segundo movimento significativo dos EUA no período recente. Em 2012, logrou criar a Aliança do Pacífico entre Chile, Colômbia e Peru com o México, seu sócio latino-americano no Nafta. A Aliança do Pacífico é o principal êxito da política estadunidense no hemisfério americano desde o fracasso retumbante da Alca. É um enclave dos seus interesses na América do Sul, justo no momento histórico de maior potencial de conformação de uma comunidade de nações sul-americanas.
Esses dois movimentos combinados, que estendem “as asas” dos EUA de oeste a
leste, do Pacífico aos Atlânticos Norte e Sul, conformam a mais extensa área de
atuação de um único país em todo o Ocidente. E representa o fortalecimento da
hegemonia ocidental liderada pela potência imperial justo no momento de levantes
e turbulências no mundo islâmico.
Esta realidade coloca os países sul-americanos em posição de defesa e resistência, da mesma maneira que obriga a uma intensificação das relações Sul-Sul no comércio, na política e na cooperação. O Mercosul, que é o epicentro do processo de integração sul-americana, assume uma importância ainda mais transcendental nesta etapa do jogo geopolítico. A incorporação imediata da Bolívia e do Equador como sócios plenos e a manutenção dos atuais países integrantes são um imperativo para a expansão territorial, econômica e política do bloco. É pura miragem imaginar acordos benéficos do Mercosul e seus países com as potências mundiais e seus blocos regionais.
A formulação de uma estratégia sul-americana de desenvolvimento a partir do Mercosul, que seja baseada em uma visão de economia política, aprofundando convergências em investimentos, infraestrutura, tecnologias, ciência e políticas sociais, é condição essencial para a defesa da região frente à crise e à nova realidade.
Nunca antes a exigência de uma economia política em lugar das visões livre-comercistas e tecnocráticas foi tão aguda como no presente.
*Jeferson Miola exerce a função de Diretor da Secretaria do Mercosul em Montevidéu. Este texto expressa opiniões de caráter pessoal que não devem ser consideradas como sendo da Instituição.
**Texto publicado originalmente em Carta Maior
Esta realidade coloca os países sul-americanos em posição de defesa e resistência, da mesma maneira que obriga a uma intensificação das relações Sul-Sul no comércio, na política e na cooperação. O Mercosul, que é o epicentro do processo de integração sul-americana, assume uma importância ainda mais transcendental nesta etapa do jogo geopolítico. A incorporação imediata da Bolívia e do Equador como sócios plenos e a manutenção dos atuais países integrantes são um imperativo para a expansão territorial, econômica e política do bloco. É pura miragem imaginar acordos benéficos do Mercosul e seus países com as potências mundiais e seus blocos regionais.
A formulação de uma estratégia sul-americana de desenvolvimento a partir do Mercosul, que seja baseada em uma visão de economia política, aprofundando convergências em investimentos, infraestrutura, tecnologias, ciência e políticas sociais, é condição essencial para a defesa da região frente à crise e à nova realidade.
Nunca antes a exigência de uma economia política em lugar das visões livre-comercistas e tecnocráticas foi tão aguda como no presente.
*Jeferson Miola exerce a função de Diretor da Secretaria do Mercosul em Montevidéu. Este texto expressa opiniões de caráter pessoal que não devem ser consideradas como sendo da Instituição.
**Texto publicado originalmente em Carta Maior
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