terça-feira, 29 de junho de 2010

A Farra do Mundo é Nossa: Senado antecipa a comemoração e faz a festa de seus servidores e nomeados

Em meio a euforia da “pátria de chuteiras”, nosso Senado demonstra mais uma vez seu compromisso verde-e-amarelo: sem alarde, na ansiedade do hexa, nossos senadores aprovaram o plano de cargos e salários dos servidores do Senado.

Esse plano com reajuste em média de 25% dos salários, representará um gasto extra de R$ 217 milhões no segundo semestre e de R$ 464 milhões no ano que vem. Segundo o Diretor-Geral do Senado, Haroldo Tajra, o impacto em 2010 será da ordem de 10,13% na folha de pagamento. "Mas acaba dando impacto de 17% cumulativo, o que vai totalizar para o ano que vem R$ 464 milhões.", entrega logo a seguir. Com o reajuste, alguns salários irão ultrapassar R$ 26.000,00.

Que maravilha viver no país pentacampeão do mundo, não?



DA VERGONHA À REVOLTA

Até quando nós, cidadãos brasileiros, iremos aceitar passivamente a verdadeira orgia com o dinheiro público por parte de nossos representantes? É inaceitável, é vergonhoso, é absurdo! A manutenção de privilégios e mordomias a custa do sacrificado contribuinte.

Suportamos uma carga tributária que beira 40% do PIB (e nosso presidente acha pouco), sem receber em contrapartida sequer 5% de retorno correspondente em serviços públicos. Por isso, somos obrigados a manter planos de saúde, escolas particulares e outros gastos familiares, simplesmente porque a máquina pública (executivo, legislativo e judiciário), insiste em manter a pompa e os privilégios dos cargos, além da remuneração desigual.

Conviver com uma realidade institucional de frotas de carros oficiais, dezenas de assessores, verbas de representação, verbas de gabinete, viagens, além dos incontáveis benefícios funcionais (férias de 60 dias, por exemplo, além de gratificações incorporadas, licenças prêmios, aposentadorias especiais, etc), é uma afronta ao cidadão brasileiro que trabalha e produz nesse país.

O abismo que separa as condições de trabalho e os “direitos” funcionais do setor público e do setor privado, é cada vez maior. E não é o funcionário público comum que desfruta disso. São os ocupantes de cargos de confiança, os políticos e as “autoridades” de plantão que sangram o país.

Como justificar que o orçamento de nosso Congresso seja maior do que o orçamento de oito Estados. O Congresso nenhuma riqueza produz, aliás, sequer cumpre a sua finalidade institucional. Estudo do Portal Transparência Brasil, mostra que o Congresso brasileiro é o que mais pesa no bolso da população na comparação com os Parlamentos de diversos países.

Uma república implica acima de tudo, valores republicanos, dentre os quais se destaca a austeridade no trato com a coisa pública. Mas aqui no Brasil, mantivemos os inaceitáveis privilégios herdados da monarquia e construímos uma ordem institucional apenas formalmente republicana. O título pessoal, o abuso de autoridade, a pompa e o cerimonial do cargo, o uso pessoal da coisa pública, o tráfico de influência, todos são práticas recorrentes e tumores difíceis de extirpar.

Mas não só nossos políticos estão mergulhados nessa cultura de fazer uso da coisa pública, também nossos magistrados, autoridades de todo tipo e até mesmo, por incrível que pareça, o nosso povo, que aceita passivamente esse rescaldo cultural, através de generalizações que a todos redime do tipo: “todo mundo rouba mesmo!”, “nesse país só tem ladrão!”, “tem que entrar no esquema...”. Por isso, é preciso fundar uma nova cultura republicana, fundamentalmente democrática no Brasil e, isso, só conseguiremos através da educação de nossas crianças.
Oscarino Arantes


"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto".


(Rui Barbosa)





















segunda-feira, 28 de junho de 2010

QUE DEMOCRACIA? GOVERNO CENSURA AVALIAÇÃO CRÍTICA DE POLÍTICAS PÚBLICAS


Oscarino Arantes


Um dia após o lançamento na internet do Portal do Planejamento pela Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos (SPI), do Ministério do Planejamento, o portal foi retirado do ar por pressão de diversos ministros que reagiram a matéria do jornal Valor econômico.

O Portal do Planejamento apontava diversos exemplos de resultados, digamos, pouco satisfatórios em programas e políticas públicas. O jornal Valor Econômico fez matéria destacando essas avaliações, chamando-as de “balanço crítico” do Planejamento sobre o governo.

Após a reação de diversos ministros, o portal foi retirado do ar – censurado na verdade – para “correções”. Cabe perguntar cadê o compromisso democrático do governo petista? Afinal democracia pressupõe transparência, principalmente sobre os dados e avaliações sobre as políticas implementadas. Na impossibilidade (por enquanto) de censurar o jornal, censura-se a fonte da informação: o próprio órgão público, cuja atribuição é justamente avaliar o resultado da administração pública.

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, promete que o Portal do Planejamento voltará a funcionar assim que forem resolvidos todos os problemas (?). Afirmou o ministro:

“Na minha opinião, volta. O portal causou uma incompreensão que nos colocou numa situação meio constrangedora”.

Lembra aquela história do marido que pegou a mulher transando com o vizinho no sofá da sala e decidiu resolver o problema, vendendo o sofá.

O governo perde uma boa oportunidade de reafirmar a maturidade política e institucional de nosso Estado Democrático de Direito.



PLANEJAMENTO FAZ 1º BALANÇO CRÍTICO DO GOVERNO
(Matéria do jornal Valor Econômico de 18/06/2010)

Autor(es): Ribamar Oliveira, de Brasília

Em portal na internet, o Ministério do Planejamento apresenta, pela primeira vez, avaliações críticas das diversas políticas públicas em execução pelo governo federal. O documento diz que a política de reforma agrária do governo Lula não alterou a estrutura fundiária do país, afirma que a produção de biodiesel não será economicamente viável e contesta a proposta de reconstrução de uma indústria nacional de defesa voltada para o mercado interno. O portal levou um ano e meio para ser desenvolvido e tem cerca de três mil páginas, abordando 53 temas.

Em portal na internet, o Ministério do Planejamento, resgastando sua função de planejamento e avaliação da gestão, apresenta, pela primeira vez, avaliações críticas das diversas políticas públicas em execução pelo governo federal, junto com um conjunto abrangente de informações sobre temas econômicos, sociais e de infra-estrutura. Entre outras críticas, o portal diz que a política de reforma agrária do governo Luiz Inácio Lula da Silva não alterou a estrutura fundiária do país e nem assegurou, aos assentamentos, assistência técnica, qualificação, infraestrutura, crédito e educação. Afirma que, em futuro próximo, a produção de biodiesel não será economicamente viável e contesta a proposta de reconstrução de uma indústria nacional de defesa voltada para o mercado interno, prevista na Estratégia Nacional de Defesa. A situação é dramática também para a área da Educação, onde os problemas permanecem inalterados, com mudanças imperceptíveis.

O "Portal do Planejamento" levou um ano e meio para ser desenvolvido pela Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos (SPI), do Ministério do Planejamento, e possui cerca de três mil páginas, abordando 53 temas. Além de destacar o insucesso da política agrária, o texto do portal informa que essa área do governo está, desde 2007, sem plano de voo e sem metas. O diagnóstico, feito pelo Ministério do Planejamento, afirma que a qualidade dos assentamentos é "muito baixa".

O Planejamento diz que, apesar dos esforços feitos pelo governo por meio de programas como o Pronera e o Crédito-Instalação, além de ações do programa de Desenvolvimento Sustentável de Projetos de Assentamento, a qualidade de vida das populações assentadas "permanece muitas vezes a mesma que era antes" de elas terem sido assentadas. Outra crítica feita é a de que os programas oficiais não conseguiram elevar a renda dos agricultores mais frágeis, hoje beneficiários de políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família.

Na reflexão sobre a política agrícola, o portal diz que o modelo brasileiro se, por um lado, gerou um agronegócio eficiente e produtivo, por outro contribuiu para criar grande concentração de renda e riqueza que, aliada às restrições impostas pela legislação trabalhista ao meio rural, estimularam o fluxo migratório de trabalhadores para os centros urbanos. Segundo a avaliação, além da concentração de terras, "há no setor agropecuário uma concentração de dívidas". O problema do endividamento, acrescenta, "permanece sem solução".

Na avaliação da SPI, embora o Ministério da Agricultura tenha várias iniciativas voltadas para a sustentabilidade ambiental e o BNDES disponibilize linhas de financiamento específicas para a recuperação de áreas degradadas e melhor aproveitamento do solo e da água, "não foi possível identificar como essas iniciativas são monitoradas nem quais são os seus efetivos resultados". O texto diz que a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) ainda não definiu uma política de curto ou médio prazo para a formação de um estoque estratégico e regulador de produtos agrícolas.

No setor de infraestrutura, os textos do portal oficial criticam, principalmente, a falta de gestão integrada sobre os diferentes temas. Um exemplo é a falta de articulação entre os ministérios de Minas e Energia, Transportes e Meio Ambiente no uso das bacias hidrográficas.

Ganhou destaque, no trabalho do Planejamento, o capítulo da Educação. Não são registrados avanços significativos nesta área, repetindo-se agora, com pouca nuance, os problemas identificados em 2003. Também ontem, na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que reúne empresários e governo, a Educação foi tema central, com indicações de que deve merecer das autoridades investimentos prioritários. A educação básica sofre dos mesmos males que sofria em 2003: dificuldades de acesso, notadamente à educação infantil (creches) e ao ensino médio, baixa qualidade da educação oferecida, alta repetência, ainda uma evasão elevada, além de recrudescimento do antigo problema de defasagem idade-série.

Está baixa a freqüência a creches, pois, até os 3 anos, apenas 18,1% das crianças as freqüentam. No ensino fundamental, onde a escolaridade é quase universal, a ampla cobertura ainda convive com problemas de evasão (6,9%) e repetência (20,1%). No ensino médio, a freqüência líquida está em 50,4%, ou seja, apenas a metade dos jovens na faixa etária apropriada estão na escola.

Os técnicos e gestores do Planejamento deixam claro, no seu amplo estudo, que é baixa a qualidade da educação em todos os níveis, os que concluem os cursos não têm o domínio dos conteúdos e as comparações com indicadores internacionais mostram deficiências graves no Brasil.

O analfabetismo funcional, entre jovens e adultos, está em 21% na PNAD de 2008, uma redução pequena com relação à PNAD de 2003, que era de 24,8%. O número absoluto de analfabetos reduziu-se, no mesmo período, de 14,8 para 14,2 milhões, o que aponta a manutenção do problema.

No capítulo sobre Defesa, embora, em sua conclusão, a análise sobre a Estratégia nacional de Defesa afirme ser "positiva" a tentativa de "mudança de paradigma" nas Forças Armadas e no ministério do setor, com maior controle civil, o documento traz uma crítica severa ao classificar de "altamente custosa" a exigência de dinheiro e pessoal prevista pelos responsáveis pelos planos militares do governo Lula. O documento prevê o possível fracasso, por erro de planejamento e falta de verbas públicas, da política de reconstrução da indústria de defesa. Critica também a criação do serviço militar obrigatório que, segundo os analistas do Planejamento, deveriam ter sido discutidas com a sociedade.

Procurado pelo Valor, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, disse, por meio da assessoria, que não tomou conhecimento antecipado de todo o conteúdo do portal. O ministério sustenta que o objetivo do portal não é fazer críticas, mas instrumentalizar o debate das políticas públicas. (Colaboraram Rosângela Bittar, Sergio Leo, Cristiano Romero e Danilo Fariello)











sexta-feira, 25 de junho de 2010

O Governo Lula para além de Lula

Não nego os sucessos do governo Lula, principalmente quando comparado com os recentes governos de FHC, que é sua auto-referência recorrente. Se bem que substancialmente, principalmente na condução macroeconômica, pouco se diferenciaram, a verdade é que não se deve subestimar esse “pouco”, onde algumas prioridades foram invertidas, sucessos alcançados e fracassos marcados. O primeiro ponto diferencial era que o governo FHC não tinha nenhum senso de interesse nacional. A “privataria” realizada por FHC, não redundou em nenhum avanço sócio-econômico para o país, como prometido. Bilhões em ativos foram transferidos das mãos do Estado para a iniciativa privada, principalmente estrangeira, enquanto a dívida pública se multiplicou em escala crescente, a carga tributária disparava e o salário mínimo permaneceu abaixo de 100 dólares.

Por pouco FHC não privatizou a Petrobrás que, aliás, em seu governo, passou a ter a maior parte de seu capital nas mãos de investidores privados e estrangeiros (o governo brasileiro manteve apenas o controle das ações com direito a voto da Cia). Chegou-se a pensar inclusive na troca do nome da Petrobrás para “Petrobrax”, para torná-la uma marca internacional, disseram na ocasião. A falta de compromisso nacional só não era maior que o cinismo pedante do intelectual ex-presidente. Tivesse FHC concluído a privatização da Petrobrás e feito a privatização do Banco do Brasil, como queria, e nosso país teria se atolado na crise internacional de 2008, por falta de meios de intervenção direta do governo para reativar a economia.

Mas avaliar o governo Lula, deve ir além de simplesmente compará-lo ao governo de FHC. Aliás, não se trata de uma tarefa fácil. É preciso primeiramente fugir dos clichês da crítica pueril e do preconceito elitizado, sempre a espreita, sem cair na tentação do ufanismo lulista. Nem o Brasil foi “inventado” em 2003, nem o Estado está refém de um aparelhamento sindical-bolchevique para implantar o bolivarianismo. Somos uma nação que amadureceu o suficiente para conduzir o debate político de nossa democracia para além dos reducionismos classistas. Não devemos cair na armadilha do pensamento maniqueísta-pragmático, muito comum da cultura política norte-americana. Daí o perigo da falsa polarização entre PT e PSDB, urdindo um bipartidarismo fleumático e inerte sobre a realidade complexa da sociedade. É o que chamo de fábula do pensamento único que hoje tenta engessar nossa política.

“Nunca na história desse país...”

O erro comum que muitos críticos cometem é avaliar o governo Lula através do próprio Lula. Nosso carismático presidente é a pior fonte possível para uma avaliação de seu governo, para o bem ou para o mal. Mas abstraindo sua figura central e contextualizando os dados, atos e políticas do seu governo, podemos alcançar um esboço, não definitivo, que revela a fragilidade de seu relativo sucesso. Em oito anos, o governo não produziu uma única realização que possa ser projetada nas gerações futuras como seu legado. Seu maior erro, a meu ver, foi a falta de um investimento maciço em educação. Pouco foi feito e mesmo assim de forma pontual. Era de se esperar uma vigorosa política educacional, que o país tanto necessita, aliás, desesperadamente. Apostar em desenvolvimento econômico sem educação é como apostar no vôo de uma galinha. O maior entrave hoje para mantermos uma taxa razoável de crescimento anual é a carência de mão-de-obra qualificada. Dados sobre o analfabetismo funcional de 2009 demonstram que apenas 25% dos brasileiros estão em condições de serem capacitados, pois dominam a escrita, a leitura e a matemática, suficientemente para se expressarem. Isso é um atestado de falência governamental que o governo Lula compartilha com seus antecessores.

Além disso, ouvimos muitas vezes sobre os “gargalos” da infra-estrutura de nossa economia, que limitam nossa capacidade de desenvolvimento sustentado. Não é possível para nosso país continuar a depender, quase que exclusivamente, do transporte rodoviário para escoar sua produção a um custo monumental. Somos o único grande país do mundo, em escala continental, que prescinde de uma malha ferroviária em sua infra-estrutura econômica. Também passamos oito anos falando de nossa carência aéreo-portuária e nenhuma solução foi implantada nos principais portos e aeroportos do país. A burocracia fiscal e a exorbitante carga tributária que beira 40% do PIB, são fatores que extenuam nossa capacidade de investimento, mas que não foram corrigidas pelo governo, mesmo após o auge da crise econômica. Alguns poucos setores da economia sofreram uma desoneração nominal, mas nosso pesado e caótico sistema tributário foi mantido. Aliás, somos o único país do mundo que continua a tributar pesadamente o investimento produtivo e o trabalho. A pesquisa e o desenvolvimento tecnológico esbarram na falta de uma política de incentivos e no desamparo de nossas universidades públicas. Os principais programas do governo como o Fome Zero, o Bolsa Família e o PAC, apesar de louváveis, foram politizados ou utilizados como meros expedientes de propaganda, sem resultados substanciais e confiáveis.

Os bons índices alcançados por nossa economia nos últimos três anos de governo podem ser creditados à conta da persistência na política de estabilidade macroeconômica herdada de FHC, somando-se uma rara conjuntura internacional coincidentemente favorável, com a inversão de prioridade no investimento governamental para um enfoque mais nacionalista. A reativação da indústria naval é um exemplo do êxito dessa inversão de prioridade, o que por si, não pode ser subestimado. Este sim um traço significativo de distinção desse governo, mas que foi prejudicado por sua inequívoca falta de visão de Estado e a completa inexistência de programas estruturais. Na verdade de 2003 a 2009 (Governo Lula) o Brasil teve uma taxa média de crescimento do PIB de 3,57% ao ano, que é 18,68% menor do que a taxa média de crescimento no Governo Sarney (4,39% ao ano), período de moratória e hiperinflação (Fonte IBGE).

À sombra de Vargas

O Brasil de hoje, definitivamente não nasceu com Lula. Foi desenhado há mais 60 anos por Getúlio Vargas, este sim um estadista, no rigor da acepção da palavra. Foi Vargas que, mais do que sonhar, acreditou no Brasil potência e lançou as bases da industrialização nacional em um país predominantemente agrário. Foi muitas vezes incompreendido, mas ainda assim pensou o país 50 anos à frente de seu tempo. Nesse impulso visionário criou os motores que impulsionam o Brasil de hoje: Petrobrás, Eletrobrás, BNDES, CSN, a previdência social, as leis trabalhistas, etc. Isso tudo mantendo uma carga tributária de menos de 16% do PIB, um salário mínimo equivalente ao dobro do atual e uma taxa média de crescimento do PIB de 6% ao ano. Portanto, a despeito do carisma, não há como comparar Lula a Getúlio Vargas.

Por isso ouso dizer que as pesquisas de opinião, que hoje revelam a incrível aprovação do governo Lula em torno de 80%, traduzem em grande parte o carisma pessoal do presidente e não uma refletida avaliação objetiva sobre seu governo. Lula é um fenômeno midiático de empatia instantânea em plena era de conexão e popularização da comunicação. Algo como um presidente “reality show”, subproduto de uma cultura de consumo de massa, onde o vulgo anônimo é alçado a protagonista de um mundo virtual. Mas tudo leva a crer que o governo Lula, com seus méritos e equívocos, não deixará um legado significativo de realizações para nosso país, como se poderia supor pelos índices de sua grande popularidade e pela jactância ufanista de seus inflamados discursos.


Oscarino Arantes

terça-feira, 22 de junho de 2010

Um design ecológico para a democracia

Leonardo Boff

A democracia é seguramente o ideal mais alto que a convivência social historicamente elaborou. O princípio que subjaz à democracia é este:" o que interessa a todos, deve poder ser pensado e decidido por todos".

Ela tem muitas formas, a direta. como é vivida na Suiça, na qual a população toda participa nas decisões via plebiscito.

A representativa, na qual as sociedades mais complexas elegem delegados que, em nome de todos, discutem e tomam decisões. A grande questão atual é que a democracia representativa se mostra incapaz de recolher as forças vivas de uma sociedade complexa, com seus movimentos sociais. Em sociedades de grande desigualdade social, como no Brasil, a democracia representativa assume características de irrealidade, quando não de farsa. A cada quatro ou cinco anos, os cidadãos têm a possibilidade de escolher o seu "ditador" que, uma vez eleito, faz mais a política palaciana do que estabelece uma relação orgânica com as forças sociais.

Há a democracia participativa que significa uma avanço face à representativa. Forças organizadas, como os grandes sindicatos, os movimentos sociais por terra, teto, saúde, educação, direitos humanos, ambientalistas e outros cresceram de tal maneira que se constituiram como base da democracia participativa: o Estado obriga-se a ouvir e a discutir com tais forças as decisões a tomar. Ela está se impondo por todas as partes especialmente na América Latina.

Há ainda a democracia comunitária que é singular dos povos originários da América Latina e pouco conhecida e reconhecida pelos analistas. Ela nasce da estruturação comunitária das culturas originárias, do norte até o sul de Abya Yala, nome indígena para a América Latina. Ela busca realizar o "bem viver" que não é o nosso "viver melhor" que implica que muitos vivam pior. O "bem viver" é a busca permanente do equilíbrio mediante a participação de todos, equilíbrio entre homem e mulher, entre ser humano e natureza, equilíbrio entre a produção e o consumo na perspectiva de uma economia do suficiente e do decente e não da acumulação. O "bem viver" implica uma superação do antropocentrismo: não é só uma harmonia entre os humanos mas com as energias da Terra, do Sol, das montanhas, das águas, das florestas e com Deus. Trata-se de uma democracia sociocósmica, onde todos os elementos são considerados portadores de vida e por isso incluidos na comunidade e com seus direitos respeitados..

Por fim estamos caminhando rumo a uma superdemocracia planetária. Alguns analistas como Jacques Attalli (Uma breve historia do futuro, 2008) imaginam que ela será a alternativa salvadora face a um superconflito que poderá, deixado em livre curso, destruir a humanidade. Esta superdemocracia resultará de uma consciência planetária coletiva que se dá conta da unicidade da família humana e de que o planeta Terra, pequeno, com recursos escassos, superpovoado e ameaçado pelas mudanças climáticas obrigará os povos a estabelecer estratégias e políticas globais para garantir a vida de todos e as condições ecológicas da Terra.

Esta superdemocracia planetária não anula as várias tradições democráticas, fazendo-as complementares. Isso se alcança melhor mediante o bioregionalismo. Trata-se de um novo design ecológico, quer dizer, uma outra forma de organizar a relação com a natureza, a partir dos ecossistemas regionais. Ao contrário da globalização uniformizadora, ele valoriza as diferenças e respeita as singulariedades das bioregiões, com sua cultura local, tornando mais fácil o respeito aos ciclos da natureza e a harmonia com a mãe Terra.

Temos que rezar para que este tipo de democracia triunfe senão ignoramos totalmente para onde seremos levados.

(Leonardo Boff é Teólogo e autor do livro Ecologia, Mundialização e Espiritualidade, Record 2008)

Fonte: Portal do Meio Ambiente (http://www.portaldomeioambiente.org.br)





















segunda-feira, 21 de junho de 2010

Eu assisti, eu li, eu recomendo...

Peça: O DIÁRIO DE ANNE FRANK


Para quem está no Rio, programa imperdível é assistir a peça “O Diário de Anne Frank”, nova adaptação de Wendy Kesselman e direção de Robert Castle, de quinta à domingo no Teatro Maison de France. A peça é excelente e a história – de oito judeus que se escondem num sótão em Amsterdã durante a II Guerra para escapar da barbárie nazista – traduz uma vitalidade universal de humanismo e esperança em meio ao terror. O elenco foi muito bem escolhido, com destaque para atuação emocionante e emocionada de Milton Gonçalves como Otto Frank. Não deixe de assistir.



Livro: A ERA DO INCONCEBÍVEL

A todos que precisam e querem compreender melhor o mundo em que vivemos, com toda sua multiplicidade de interações dinâmicas e instantâneas, onde a única certeza é a falta de certeza, recomendo a leitura de “A ERA DO INCONCEBÍVEL” de Joshua Cooper Ramo (Companhia das Letras).

O autor, economista, jornalista e analista internacional, demonstra como o mundo atual com seu dinamismo e interconexão, fez da mudança o único parâmetro confiável, surpreendendo os formuladores de políticas tradicionais e estrategistas de plantão.

O livro perpassa exemplos desde o Hizbolah no Líbano, a empresários bem sucedidos no mundo dos negócios, que fizeram da dificuldade momentânea (crise) um impulso de criatividade e originalidade, desenvolvendo o conceito de resiliência.

A idéia central do livro é entender a instabilidade de sistemas complexos, levando-nos a romper com os padrões tradicionais de pensamento linear, para nos tornarmos, nós mesmos, parte da mudança do contexto, incorporando o movimento como processo criativo. Sem se dar conta, o autor formula diversas proposições das categorias do pensamento dialético. Excelente leitura para empresários, profissionais liberais, estudantes e orientadores.



Livro: OS DEUSES TÊM SEDE

Outro livro que li recentemente e recomendo é “OS DEUSES TÊM SEDE” de Anatole France (Ed. Boitempo). Não bastasse um mergulho na excelência da literatura francesa, pelas mãos de um de seus melhores representantes, esse clássico nos presenteia com uma estória de profunda dramaticidade, ambientada na Paris de 1791, em pleno estupor sanguinário da revolução francesa.

O livro nos traz o drama de personagens tão diferentes quanto reais em suas contradições humanas, cercados cada um a seu modo, pela loucura de um momento político e social caótico, que engolia os homens e suas paixões, com a mesma voracidade com que reescrevia a História de um novo mundo.

Uma importante reflexão, mais do que nunca atual, sobre como valores e princípios rigidamente erigidos e objetivados pelo homem fora do homem, se convertem em escoimo e imolação da própria humanidade. Uma advertência de como bons ideais e os grandes propósitos nascem do homem e não podem ter vida fora do homem, nem além dele.


Oscarino Arantes

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Saudade de Saramago: aos 87 anos morre o grande escritor português

José de Sousa Saramago
(16 de Novembro de 1922 - 18 de Junho de 2010)

“Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é so um dia mais.”

Socialista, escritor, argumentista, jornalista, autodidata, dramaturgo, contista, romancista e poeta português, José Saramago apenas concluiu estudos secundários, dadas as dificuldades econômicas familiares. Desenvolveu um percurso profissional do jornalismo à política, com experiências em serralharia, produção e edição literária, assim como em tradução.

Em 1976, foi o desemprego que o levou a dedicar-se à literatura. Publica em 1947 "Terra do Pecado", mas não o inclui na sua extensa obra. Da poesia ao romance, passando pelo conto, crônica, viagem e teatro, é um dos autores portugueses contemporâneos mais conhecido e distinguido internacionalmente.

Agraciado com o Nobel de Literatura de 1998, também ganhou o Prémio Camões, o mais importante prémio literário da língua portuguesa. Saramago é considerado o responsável pelo efectivo reconhecimento internacional da prosa em língua portuguesa.

Fragmentos de Saramago:

"Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória".

“Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar.”

“A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam.”

"Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo."

"O Socialismo não produziu socialistas".

"O Socialismo é um estado de espírito".

“O que as vitórias têm de mau é que não são definitivas. O que as derrotas têm de bom é que também não são definitivas.”

“Se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia.”



Na ilha por vezes habitada


Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.


José Saramago
 




Deputada Cidinha Campos denuncia Presidente do Tribunal de Justiça do Rio

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Voto do Brasil no Conselho de Segurança não isola o país


É um erro crasso a opinião de comentaristas e colunistas sobre um possível ônus que o Brasil assumiu ao votar, junto com a Turquia, contra a nova rodada de sanções impostas ao Irã. A visão corrente é que esse voto contrário isolou o país no cenário internacional e o afastou da tão sonhada cadeira permanente no Conselho de segurança da ONU. Mas essa visão simplista é, por demais, embaraçosa. Por 50 anos o Brasil tem participado intermitentemente do CS, como membro eleito (é o país que mais vezes foi eleito para o CS), sempre mantendo uma participação discreta, sem se opor aos interesses do império, e nem por isso podemos dizer que esteve mais perto de obter uma vaga permanente, reivindicada há décadas. Além disso, é preciso compreender que o mundo de hoje não comporta mais as posturas de alinhamento automático ou de não-alinhamento, tão comum nos idos da Guerra Fria. Esse é o significado prático do multilateralismo que todos anunciam, mas que poucos se dispõem a praticar.

É um desatino pensar que um país como o Brasil, com crescente peso nas relações internacionais, não pode firmar posição de dissenso num tema que está longe de ser uma unanimidade. Por qualquer ângulo que se examine o assunto, abstraindo as bravatas de Armadinejad, não se justifica as sanções impostas. O Irã não pode ser tido como um país “fora-da-lei”, como rotulam americanos e israelenses. Goste ou não do regime dos Aiatolás, a verdade é que o Irã não invadiu nenhum país, não provocou nenhuma guerra, não bombardeou nenhum país vizinho, muito menos mantém ocupação militar de territórios alheios. O seu apoio ao grupo Hizbolah do Líbano e ao Hamas em Gaza, não é diferente do apoio que a CIA deu a Osama Bin Laden e outros radicais islâmicos na luta contra a URSS no Afeganistão na década de 80.

Fato é que no acordo com Brasil e Turquia, o Irã sinalizou de forma positiva, aceitando os termos básicos que lhe eram exigidos. Foram os EUA e seus aliados no CS que viraram as costas para essa via diplomática, preferindo aplicar sanções que, por seu conteúdo, pouco ou nada resultarão contra o programa nuclear iraniano. Pelo contrário, o sinal para Teerã é claro: construa a bomba o mais rápido, caso contrário será destruído. Tivesse Saddan Hussein realmente construído Armas de Destruição em Massa e os americanos não se meteriam a invadir o Iraque. Essa lógica distorcida é o resultado da política paranóica de segurança que o império americano dita ao mundo e que não tem tornado nem o mundo, nem os EUA, mais seguros. Obama havia dito em sua campanha que não se furtaria em sentar para conversar com os chamados inimigos dos EUA. Eleito, parece que Obama esqueceu essa boa disposição e assumiu o papel que sempre cabe ao inquilino da Casa Branca.

Oscarino Arantes

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Carga Tributária diminui para 36% do PIB, mas arrecadação aumenta


A carga tributária brasileira caiu 0,95 ponto percentual no primeiro semestre em relação ao mesmo período do ano anterior, correspondendo a 36,04% do Produto Interno Bruto (PIB), frente a 36,99% em 2008. O estudo foi feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). Esta é a primeira queda de carga tributária no primeiro semestre desde 2003.

Apesar da queda da carga tributária, a arrecadação total (incluindo Estados e municípios) teve leve aumento nominal de R$ 3,12 bilhões (0,60%), tendo sido arrecadados R$ 519,24 bilhões de tributos, diante de R$ 516,13 bilhões no primeiro semestre de 2008.

O estudo aponta que cada brasileiro pagou R$ 2.711,22 de tributos no primeiro semestre, período em que a arrecadação média por dia foi de R$ 2,868 bilhões, ou R$ 33.203,16 por segundo. De janeiro a junho, os tributos federais atingiram R$ 350,11 bilhões (67,43%), os estaduais R$ 140,59 bilhões (27,08%) e os municipais R$ 28,55 bilhões (5,5%).

Entre esses, os que tiveram crescimento nominal foram a contribuição ao INSS (R$ 9,59 bilhões) e o FGTS (R$ 2,68 bilhões). Nominalmente, o tributo federal que apresentou maior queda foi a Cofins, com R$ 5,28 bilhões. O presidente do IBPT, Gilberto Luiz do Amaral, diz que "houve crescimento nominal da arrecadação porque somente a União promoveu medidas de desoneração tributária. Os Estados nada fizeram para auxiliar a sociedade no combate à crise."

Fonte: NetMarinha

terça-feira, 1 de junho de 2010

Ataque israelense ao comboio humanitário desafia a razão: existe um direito internacional?


O ataque das forças de segurança de Israel ao chamado “Comboio da Liberdade” em águas internacionais, é uma crua demonstração do que a cultura de intolerância e a manipulação do sectarismo étnico-religioso podem produzir. O saldo de mortos e feridos neste caso não importa tanto quanto a constatação de que o Estado Hebreu perdeu completamente o senso de responsabilidade, trocando a paz pela arrogância de quem aposta cegamente nas armas. Israel se tornou não só dependente da aliança estratégica com os EUA, mas “viciado” por essa aliança.
O mundo assiste incrédulo nos últimos anos, sucessivos governos de Tel’Aviv dominados pela lógica da intolerância. Desde o assassinato de Yitzhak Rabin por radicais israelenses, que não vemos um só governante de Israel dar um passo na direção do entendimento e da conciliação. Indigna ver que a mesma cegueira desumana do nazismo seja hoje reproduzida por aqueles que sofreram a barbárie de sua intolerância.
Não se pode dizer que esse triste episódio seja um fato isolado ou minimizá-lo com a retórica da segurança pela ameaça terrorista. Os soldados israelenses abordaram uma embarcação civil estrangeira em águas internacionais e abriram fogo contra civis ‘armados’ com “bolas de gude”!!! Que ameaça representava a flotilha? Cidadãos de diversas nacionalidades, inclusive europeus e americanos testemunharam essa agressão estúpida. No barco havia deputados europeus, uma cidadã irlandesa prêmio Nobel da Paz e até um judeu sobrevivente do Holocausto, certamente incrédulo com o que via.
O Estado de Israel sempre se orgulhou de ser uma democracia em meio a uma região dominada por autocracias. Uma luz de civilidade e direito, em meio ao conturbado ambiente do Oriente Médio, essa era a auto-referência israelense, que a cada dia fica mais difícil sustentar. É impossível deixar de reconhecer que Israel é hoje muito mais um elemento de instabilidade na região do que um agente estabilizador. A perda da auto-referência está levando à própria perda de identidade. O sionismo substituiu o judaísmo como ideologia dominante em Israel, isso é claro e cada vez mais preocupante. A moral judaica com seu profundo humanismo, que moldou com a ética grega os valores cristãos da civilização Ocidental, há muito deixou de ser a base cultural da política de Israel.
Hoje Israel corre o risco do isolamento, este sim o maior risco para o seu futuro. Mas esse isolamento vem do muro de desconfiança que ergueu em torno de si ao longo de décadas. Israel se perdeu na política da supremacia militar que não garante futuro, muito pelo contrário. Nenhum reino ou império conseguiu se manter por longo período com inimigos à toda sua volta. Que é preciso criar pontes de entendimento e compreensão para construir a paz, isso todo mundo sabe e repete, mas os líderes israelenses parecem não se importar e caminham, ou melhor, marcham decididamente para o abismo.
O fato ocorrido é grave e lança um sério desafio ao chamado direito internacional, justo no momento em que o Conselho de Segurança da ONU pressiona o Irã com sanções por mera suspeita de que seu real interesse na tecnologia nuclear seja militar. Entre as sanções contra a suspeita iraniana e a declaração condenando a estupidez do ataque israelense, a balança do direito internacional continua a se inclinar ao sabor do contexto geopolítico do momento. O mundo já demonstrou que está comprometido com a existência de Israel, mas Israel precisa demonstrar que tem compromisso com o mundo e não se esconder atrás da supremacia militar que a aliança com os EUA, por enquanto, ainda lhe assegura.
Oscarino Arantes