Não é o momento de
chorar pela derrota das revoluções iniciadas no final de 2010
Immanuel Wallerstein | Nova York
Immanuel Wallerstein | Nova York
Na Tunísia, em
dezembro de 2010, um único indivíduo acendeu a chama da revolução popular
contra um ditador corrupto. A revolta foi prontamente seguida por uma explosão
similar no Egito, contra um tirano parecido. O mundo árabe estava atônito e a
opinião pública mundial tornou-se imediatamente muito simpática a essas
expressões-“modelo” das lutas ao redor do planeta por autonomia, dignidade e um
mundo melhor.
Três anos depois, ambos países estão atolados em lutas políticas acirradas. A violência interna cresce rapidamente; há grande incerteza sobre onde tudo irá parar, e em benefício de quem. Existem particularidades em cada país, aspectos que repercutem em outras revoltas pelo mundo árabe e árabe-islâmico, e outros que podem ser comparados ao que está acontecendo na Europa – e, até certo ponto, em todo o mundo.
O que aconteceu? Devemos começar com o levante popular inicial. Como ocorre muitas vezes, ele foi iniciado por jovens corajosos, que protestavam contra atos arbitrários dos poderosos — localmente, nacionalmente, internacionalmente. Nesse sentido, eram anti-imperialistas, anti-exploração e profundamente igualitários. É possível estabelecer uma clara comparação com os tipos de manifestações que se espalharam pelo mundo entre 1966 e 1970, e que se tornaram conhecidas como a “revolução mundial de 1968”. Como naquela época, os protestos tocaram algo profundo em seu país e atraíram vasto apoio popular, espraiando-se muito além do pequeno grupo que os iniciou.
O que aconteceu em seguida? Uma revolução antiautoritária generalizada é uma coisa muito perigosa para os que detêm autoridade. Quando as medidas de repressão iniciais pareceram não funcionar, muitos grupos procuraram domesticar as revoluções unindo-se a elas, ou fingindo se unir. Tanto na Tunísia quanto no Egito, o exército entrou em cena, recusando-se a atirar nos manifestantes, mas também procurando controlar a situação após a deposição dos dois ditadores.
Em ambos países, existira um forte movimento islâmico, a Irmandade Muçulmana. Ela fora banida da Tunísia e cuidadosamente controlada e restringida no Egito. As revoluções permitiram-lhe emergir de duas maneiras. Ela ofereceu assistência social para os pobres que haviam sofrido com a negligência do Estado. E decidiu formar partidos políticos para conquistar a maioria nos Parlamentos e controlar a redação das novas Constituições. Na primeira eleição de cada país, a Irmandade Muçulmana emergiu como o partido político mais forte.
Tanto a Irmandade Muçulmana quanto as forças seculares estão muito divididas
internamente, em especial sobre as estratégias que desejam seguir. Os muçulmanos
moderados vivem os mesmos dilemas enfrentados, nos últimos anos, pelos partidos
de centro-direita europeus. Seus países enfrentam problemas econômicos severos
e persistentes. Isso dá origem a (e ou fortalece) partidos da extrema-direita —
o que ameaça a capacidade dos partidos centro-direita mainstream vencerem
futuras eleições. Nessa situação, surge, em toda parte, gente que tenta atrair
os eleitores da extrema direita adotando uma “linha dura” em relação à esquerda
ou às forças seculares. E há os chamados “moderados”, para os quais o partido
deve mover-se ao centro para reconquistar seus votos.
Três anos depois, ambos países estão atolados em lutas políticas acirradas. A violência interna cresce rapidamente; há grande incerteza sobre onde tudo irá parar, e em benefício de quem. Existem particularidades em cada país, aspectos que repercutem em outras revoltas pelo mundo árabe e árabe-islâmico, e outros que podem ser comparados ao que está acontecendo na Europa – e, até certo ponto, em todo o mundo.
O que aconteceu? Devemos começar com o levante popular inicial. Como ocorre muitas vezes, ele foi iniciado por jovens corajosos, que protestavam contra atos arbitrários dos poderosos — localmente, nacionalmente, internacionalmente. Nesse sentido, eram anti-imperialistas, anti-exploração e profundamente igualitários. É possível estabelecer uma clara comparação com os tipos de manifestações que se espalharam pelo mundo entre 1966 e 1970, e que se tornaram conhecidas como a “revolução mundial de 1968”. Como naquela época, os protestos tocaram algo profundo em seu país e atraíram vasto apoio popular, espraiando-se muito além do pequeno grupo que os iniciou.
O que aconteceu em seguida? Uma revolução antiautoritária generalizada é uma coisa muito perigosa para os que detêm autoridade. Quando as medidas de repressão iniciais pareceram não funcionar, muitos grupos procuraram domesticar as revoluções unindo-se a elas, ou fingindo se unir. Tanto na Tunísia quanto no Egito, o exército entrou em cena, recusando-se a atirar nos manifestantes, mas também procurando controlar a situação após a deposição dos dois ditadores.
Em ambos países, existira um forte movimento islâmico, a Irmandade Muçulmana. Ela fora banida da Tunísia e cuidadosamente controlada e restringida no Egito. As revoluções permitiram-lhe emergir de duas maneiras. Ela ofereceu assistência social para os pobres que haviam sofrido com a negligência do Estado. E decidiu formar partidos políticos para conquistar a maioria nos Parlamentos e controlar a redação das novas Constituições. Na primeira eleição de cada país, a Irmandade Muçulmana emergiu como o partido político mais forte.
No momento seguinte,
havia basicamente quatro grupos disputando a arena política. Além do partido da
Irmandade Muçulmana (Ennahda na Tunísia e Partido da Liberdade e Justiça, no
Egito), destacavam-se as forças seculares mais ou menos à esquerda; as forças
salafistas, na extrema direita, lutando pela adoção de uma versão muito mais
rigorosa da sharia[a lei islâmica] que a desejada pelos partidos da Irmandade;
e os apoiadores ainda fortes, mas quase ocultos, dos antigos regimes.
As forças de esquerda, ou secularistas, reúnem por sua vez uma ampla gama de
grupos: setores de esquerda verdadeira (porém múltiplos) e democratas de classe
média, que procuram encorajar laços econômicos mais fortes com grandes forças
de mercado na Europa e América do Norte. Em questões econômicas, esses grupos
de classe média estão muito próximos, na verdade, daquilo que as forças
islâmicas moderadas propõem.
Enquanto isso, as foças ainda leais aos antigos regimes mantêm controle sobre
uma instituição chave: a polícia. É a polícia quem atira nas manifestações das
forças seculares. Quando estas protestaram contra assassinato de Chokri Belaid,
um líder secularista chave, o primeiro-ministro da Tunísia, Hamadi Jebali, um
islamista moderado, respondeu que estava igualmente chocado com o assassinato.
Diante disso, os grupos seculares replicam que os partidos islâmicos, e
especialmente seus chamados linha-dura, são, de qualquer forma, responsáveis —
por terem suscitado o ambiente necessário para que assassinato ocorresse.
Mais: Tunísia e Egito não são países isolados. Seus vizinhos no mundo árabe e
além estão também agitados. A intromissão geopolítica de forças de fora é muito
grande. Ambos países são relativamente pobres e precisam de ajuda financeira
estrangeira para lidar com o crescente e persistente desemprego, que se torna
ainda mais severo devido à perda do turismo – antes, uma fonte central de
receita.
Para onde isso tudo está se encaminhando? Existem apenas dois caminhos
possíveis. Um é o fim da revolução, pelo menos por enquanto. Os dois países
poderiam ter governos de direita fortemente enraizados, apoiados (e talvez até
controlados) pelos militares, com Constituições socialmente conservadoras e
políticas externas cautelosas. Outro é o começo de uma revolução, no qual o
espírito inicial de 1968 recupera suas forças e tanto a Tunísia quanto o Egito
tornam-se novamente casos emblemáticos de transformação social — para si
próprios, para o resto do mundo árabe e para todo o planeta.
No momento, parece que as forças que pressionam pelo fim da revolução estão
vencendo. Mas nesse mundo caótico, é cedo demais para fechar as cortinas e
pensar que já não há espaço para uma força revolucionária renovada nos dois
países.
(*) texto originalmente publicado em Outras Palavras
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