"Há quem passe pelo bosque e só veja lenha para a
fogueira"
(Leon Tolstói)
Oscarino Arantes
No mundo real, o jogo
do poder costuma desafiar as análises mais ortodoxas e as ficções mais
inspiradas. Tudo parece blefe até que a banca quebra. A crise na Ucrânia não foge
ao enredo. O empenho da Casa Branca em se manter como superpotência hegemônica
nas últimas décadas é a grande causa de instabilidade de nossa era, basta ver nos
conflitos que se sucederam nesses últimos 20 anos o selo dominante da águia.
Também por esse motivo, a Guerra Fria permanece ainda como ameaça, se não real
ao menos retórica. Não podemos esquecer que o Empire mantém amplo domínio do front
midiático, com o qual costuma manipular sua população através do medo. Como disse Marx, a História se repete como farsa.
No complexo tabuleiro
geopolítico, é verdade que Washington sofreu revezes com as guerras do Iraque e
do Afeganistão, mas continua firme em seu propósito de um novo século
norte-americano. Para isso precisa garantir o controle do acesso às reservas mundiais
de petróleo e recursos naturais, além de conter a iniciativa de qualquer
desafiante. Evidente que hoje, somente Rússia e China possuem dimensão
geoestratégica e efetivo poderio tecnológico-militar para contrapor os EUA no
cenário mundial. Isso para não dizer que um grande arsenal nuclear ajuda muito.
Afinal, no fim das contas, “manda quem
pode, obedece quem tem juízo” continua a ser a única regra internacional vigente.
O ressurgimento da
Rússia como player global, corresponde
apenas a um ajuste histórico, equivalente ao seu peso político e diplomático.
Para o mundo, é salutar o equilíbrio de poder. É óbvio que Putin não quer
ressuscitar a Guerra Fria, muito menos a União Soviética, da qual só lhe interessa
a mística de superpotência. A Rússia está bem inserida no sistema econômico globalizado,
para o bem e para o mal. No entanto, o Kremlin logo percebeu a distância que
separa os discursos das ações na Casa Branca. O compromisso norte-americano de
não estender a OTAN aos países da antiga URSS foi quebrado em 2008 na Geórgia,
obrigando a intervenção russa na Ossétia do Sul e Abkházia.
A Rússia reestruturou suas forças armadas, ampliou sua presença no Ártico e se aproximou da China. Em 2013 reativou
sua Frota Naval do Mediterrâneo, com base em território sírio. Com isso
estendeu sua influência no Oriente Médio. Passou a incomodar o Empire. Seria coincidência, não fosse isso um
jogo de poder, que logo após o êxito diplomático da Rússia no Irã e na Síria,
ambos avalizados pela ONU, frustrando a intervenção militar dos EUA
e OTAN, a situação na Ucrânia começou a se deteriorar rapidamente. Derrubado o
presidente eleito e usurpado o governo pela oposição de extrema direita, o
Ocidente se apressou em proclamar a “vitória da democracia”. Mas veio a reação
de Moscou e quando o povo da Criméia aprovou por 96.8% um referendo de retorno à
Rússia, Mr. Obama classificou como “ilegal” e acusou Putin de intervenção. Já não
importava, sem contestação, a Rússia assegurou um espaço estratégico para seu
controle do Mar Negro.
Mas a crise na Ucrânia
se intensificou com a ação imprevisível de grupos separatistas pró-Rússia no
Leste do país e a reação violenta das forças de segurança de Kiev. As digitais da CIA estão em toda parte. O incêndio
criminoso em Odessa matando dezenas de militantes pró-Rússia, pressiona Moscou
a reagir. A situação se agravou e Putin parece ter percebido que está sendo
conduzido a um perigoso beco sem saída. Se der a resposta que se espera, fará o
jogo da Casa Branca, incendiará a Ucrânia criando uma zona de instabilidade
próxima demais de regiões importantes, além de justificar a presença da OTAN em
sua fronteira. Um atoleiro inaceitável. Putin deve agora ser o homem de gelo e
não pagar pra ver. Por pior que cheire, nunca se deve subestimar a capacidade
aerodinâmica do que é jogado no ventilador.
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