“Tudo isso vai
continuar, enquanto for apoiado por Washington e tolerado pelo Ocidente – para
nossa vergonha infinita”
Por Noam
Chomsky | Tradução: Antonio Martins
Às três da madrugada (horário de Gaza), de 9 de julho,
em meio ao último exercício de selvageria de Israel, recebi um telefonema de um
jovem jornalista palestino em Gaza. Ao fundo, podia ouvir o lamúrio de seu
filho pequeno, entre sons de explosões de de jatos, atirando sobre qualquer
civil que se mova e sobre casas. Ele acabava de ver um amigo, num carro
claramente identificado como “imprensa”, voar pelos ares. E ouvia gritos ao
lado de sua casa, após uma explosão — mas não podia sair, ou seria um alvo
provável. É um bairro calma, sem alvos militares – exceto palestinos, que são
presa fácil para a máquina militar de alta tecnologia de Israel, abastecida
pelos Estados Unidos. Ele contou que 70% das ambulâncias haviam sido destruídas
e, até aquele momento, mais de 70 pessoas [o número subiu para 120 na sexta,
11/7, segundo o Guardian] haviam sido mortas e 300 feridas – cerca de 2/3,
mulheres e crianças. Poucos ativistas do Hamas, ou instalações para lançamento
de foguetes, haviam sido atingidas. Apenas as vítimas de sempre.
É importante entender como se vive em Gaza, mesmo
quando o comportamento de Israel é “moderado”, no intervalo entre crises
fabricadas, como esta. Um bom retrato está disponível num relatório da UNRWA (a
agência da ONU para refugiados palestinos) preparado por Mads Gilbert, o
corajoso médico norueguês que trabalhou extensivamente em Gaza, mesmo durante
os ataques mortíferos de Israel. A situação é desastrosa, por todos os ângulos.
Gilbert narra: “As crianças palestinas em Gaza sofrem imensamente. Uma vasta
proporção é afetada pelo regime de desnutrição imposto pelo bloqueio israelense.
A prevalência de anemia entre menores de dois anos é de 72,8%; os índices
registrados de síndrome consuptiva, nanismo e subpeso são de 34,3%, 31,4% e
31,45%, respectivamente”. E estão piorando.
Quando Israel está em fase de “bom comportamento”, mais
de duas crianças palestinas são mortas por semana – um padrão que se repete há
14 anos. As causas de fundo são a ocupação criminosa e os programas para
reduzir a vida palestina a mera sobrevivência em Gaza. Enquanto isso, na
Cisjordânia os palestinos são confinados em regiões inviáveis e Israel tomas as
terras que quer, em completa violação do direito internacional e de resoluções
explícitas do Conselho de Segurança da ONU – para não falar de decência.
E tudo isso vai continuar, enquanto for apoiado por
Washington e tolerado pela Europa – para nossa vergonha infinita.
Fonte: Outras Palavras
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