Mauro Santayana
A
família de João Goulart autorizou a exumação de seus ossos, a fim de que se
averigúe a causa de sua morte – atribuída a um ataque cardíaco. O presidente
deposto era, desde jovem, cardiopata, e isso facilitou a versão oficial para o
óbito prematuro. Jango morreu aos 57 anos. Sobre o assunto tenho depoimentos a
dar. O primeiro deles é sobre a personalidade serena de Jango. Conheci-o em
seus primeiros meses como Ministro do Trabalho, em visita a Belo Horizonte.
Como
repórter, acompanhei-o em seus encontros com os líderes sindicais de Minas. Eu
o veria várias vezes nos anos seguintes, antes de com ele conviver no exílio em
Montevidéu. Jango foi fiel à memória de Vargas, a quem dedicava afeto de filho.
Suas idéias eram as de Getúlio. A ele devo manifestações fortes de
solidariedade naqueles anos sombrios.
Quando
Lacerda morreu, Tancredo Neves comentou comigo suas suspeitas. Era curioso que
as três personalidades mais fortes da oposição ao regime militar, e que haviam
estabelecido uma aliança para a recuperação republicana do Brasil, morressem
uma depois da outra: Juscelino em agosto e Jango em dezembro de 1976, e Lacerda
em maio do ano seguinte. “Se todos morreram por acaso, isso só pode ser
proteção de Deus ou do Diabo aos militares”. Como já estivéssemos no
processo conspiratório para a redemocratização do país, Tancredo abriu a
camisa, mostrou a medalha que trazia no peito, e disse contar com seus santos
protetores, entre eles São Francisco de Assis.
Os
inúmeros depoimentos conhecidos mostram que os Estados Unidos não hesitam em
livrar-se de seus inimigos, reais ou imaginários, por todos os meios. Quando
lhes convêm, contratam sicários para a tarefa sórdida, como fizeram, ainda no
festejado governo Roosevelt, ao recrutar o sargento Somoza para matar Sandino
e, em seguida, entregar-lhe o governo da Nicarágua. Da mesma forma atuaram, ao
apoiar, ostensivamente, o general Pinochet a fim de dar o golpe, bombardear o
Palácio de La Moneda e dar fim a Salvador Allende, presidente do Chile. Quando
isso não é recomendável, ou não dispõem de assassinos confiáveis, usam seus
próprios agentes. Eles o fazem no “interesse da pátria”.
Conhecer
a verdade sobre a morte de Jango, se ainda é possível descobrir as provas
de possível assassinato, 36 anos depois, é um direito de seus familiares, e,
mais do que seu direito, direito da nação. Se isso ocorreu, provavelmente os
responsáveis pelo assassinato ainda poderão ser localizados – e pagar
pelo seu crime. Se forem agentes estrangeiros, só um vazamento nos revelará a
agressão.
Mas
o conhecimento do crime será advertência severa contra aqueles que, em nome da
“ordem”, ou de qualquer outra idéia, pregam a supressão da liberdade e
submissão dos povos ao terror do Estado ditatorial.
Fonte www.maurosantayana.com
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