Cria corvos
Por Leo Lince
Renan Calheiros, prócer na turma da moral
homogênea do PMDB, recuperou a presidência do Senado Federal e está com a corda
toda. Diante do manifesto de mais de um milhão e meio de assinaturas pedindo o
seu afastamento, ele disse que, se fosse jovem, assinaria o documento,
considerado “saudável”. Atitude que levou Ricardo Noblat, em sua coluna regular
de “O Globo” (18/2/2013), a classificá-lo como excessivamente, abusivamente,
descaradamente, insolentemente cínico. Em suma, um tremendo cara de pau.
Em artigo assinado na página de opinião da
Folha de S.Paulo (5/2/2013), o atual presidente do Senado cuida de definir o
seu novo lugar no condomínio de poder. Chama para si responsabilidades e expõe
com meticuloso cuidado a sua, por assim dizer, plataforma de ação. O título do
artigo – “O Parlamento mais próximo da sociedade” – parecia indicar uma
aspiração positiva de quem se dispõe a ouvir os clamores da cidadania. Ledo
engano.
Logo no primeiro parágrafo do artigo, fica
claro com qual tipo de sociedade ele pretende aproximar o Parlamento. Está lá,
com todas as letras: “devemos trabalhar como facilitadores dos investimentos no
Brasil”. Reforma política? Fim do fator previdenciário? Redução da
jornada de trabalho? Democratização dos meios de comunicação? Nem pensar.
A agenda prioritária é outra: “proposições que facilitem o ambiente de
investimentos, o chamado Brasil mais fácil”.
Os “vendedores do Brasil” estão na moda.
Os chefes dos executivos – presidentes, governadores, prefeitos – já
operam de acordo com a máxima “governar é intermediar negócios”. Ao legislativo
compete afastar os obstáculos aos desígnios da máquina mercante. A primazia
absoluta do mercado e a hegemonia do intestino grosso da pequena política são o
verso e o reverso do modelo dominante. Tempos bicudos.
Mais de dois terços do artigo em pauta é
ocupado por um tema onde o autor se oferece para eventuais futuras
necessidades. Em tal parte, Calheiros busca respaldo e sintonia com os poderosos
oligopólios que dominam os grandes meios de comunicação de massa. Ao se definir
como baluarte na luta em defesa da liberdade de expressão, ele se oferece ao
conservadorismo sempre refratário ao controle democrático dos meios de
informar.
Sem citar diretamente qualquer país ou fato
concreto, ele se coloca de forma clara no território dos que tomam a liberdade
de empresa por liberdade de expressão. Um viés ideológico assumido de maneira
categórica. Fala em criar barreiras contra os calafrios, trincheira sólida para
“barrar a passagem desses ares gélidos e soturnos”. Até slogan de luta pode ser
retirado do artigo: “o inverno andino não ultrapassará as nossas fronteiras!”.
Os petistas, que apoiam Renan e se dizem
preocupados com o golpismo da imprensa burguesa, talvez devessem prestar
atenção redobrada nesta parte do artigo. Tentativas frustradas na Venezuela e
bem sucedidas em Honduras e no Paraguai já tiraram patente do novo formato de
golpe, no qual se articulam os potentados da economia e da mídia globalizada
com os reacionários que controlam o parlamento. Barbas de molho, afinal
“passarinho que dorme com morcego acorda de cabeça para baixo”. Não é
necessário ter lido Edgar Allan Poe para saber o destino de quem cria corvos...
Léo Lince é sociólogo.
Fonte:
Correio da Cidadania
Nenhum comentário:
Postar um comentário