"Senhores, eu não tenho nenhuma intenção de
matar Hitler e Goebbels, assassinar Göring e Bormann, para não mencionar ganhar
a guerra sozinho para os aliados, para só depois encontrar-me diante de um
tribunal judaico. Se
você quer ganhar a guerra, hoje à noite... nós temos que fazer um acordo.”
– Coronel Hans Landa, o “Caçador de
Judeus” de Bastardos Inglórios.
Oscarino Arantes
A liberdade já foi um
valor ocidental, tão presente em nossa cultura e filosofia que permitiu uma
produção de inigualável criatividade desde o Renascimento até pelo menos a
década de 60 do século XX, a ponto de Oscar Wilde dizer que a vida imitava a
arte. Hoje, conspurcada por um emaranhado jurídico e teses sociológicas, que a
submeteram ao senso comum do “politicamente correto”, a liberdade quando muito,
é uma pálida retórica de políticos, intelectuais e artistas. Justamente dessa
palidez que surgiu Quentin Tarantino. Como um Houdini redivivo, a cada filme que
lança Tarantino celebra uma nova escapada do cerco da mediocridade ideológica
que se julga engajada. Uma espécie de ativismo inativo, muito comum em nossa
sociedade. Hollywood segue a tradição de impor padrões do ‘politicamente
correto’. Muitos artistas, diretores e críticos, posam de progressistas e
liberais, mas enxergam discriminação em qualquer produção que ouse trilhar por
temas ‘delicados’ sem lançar mão dos modelos pré-aprovados de abordagem. Traduzem
a paranóia de uma civilização esgotada em sua força criativa, amarrada em suas
culpas passadas. Um cerco que só piora na medida em que nada é abertamente proibido,
mas tudo é cuidadosamente vigiado. Ninguém é perseguido, apenas rotulado.
É exorcizando esses
fantasmas que Tarantino produz vigor em sua filmografia. Em “Django Livre”
encara o tabu da escravidão nos EUA e entra na mira do ativismo racial
americano. Tarantino provoca, debocha, mas não busca a ruptura, nem celebra a
contracultura. Passeia pela cultura pop com a mesma liberdade sem culpa com que
faz da violência uma estética cinematográfica, enxergando em seu fascínio sobre
o público a meta-linguagem que define nossa era. Seu descompromisso e não
engajamento produz uma obra hedonista, livre das amarras dos modelos aceitáveis.
Ao mesmo tempo sua obra consegue ser pós-moderna e celebrar os referenciais do
passado, sem paradoxo. Em Tarantino a arte imita a arte, nada mais. Apenas um
sopro de extravagância criativa num deserto de cupidez semântica.
Tarantino
não banaliza a violência, apenas mostra a hipocrisia de nossa cultura banal,
que há muito internalizou a violência. Ainda hipnotiza a desenvoltura aética de
seu personagem Cult, Cel. Hans Landa, o “Caçador de Judeus” de Bastardos
Inglórios, interpretado magistralmente por Christoph Waltz, criminoso e anti-herói
da trama, que consegue escapar da justiça dos vitoriosos, mas não da marca dos
vencidos. Não à toa, que a vingança é o tema recorrente de seus filmes. Ela é a
explosão da violência contida e ao mesmo tempo libertação da passividade do
homem, personagem de seu próprio drama. Serve assim como um catalisador que
exuma no inconsciente coletivo o arquétipo da culpa. Com essa ousadia, Tarantino
expõe a discriminação do patrulhamento na produção cultural, sempre pronto a
empurrar para ‘outro lado’ os rebeldes e desajustados. Acontece que até agora
ele não aceitou esse ‘outro lado’ e sua recusa desvela nossa própria covardia. Vitória
da vingança.
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