Oscarino Arantes
“A solução democrática está na democracia radical, um movimento constante de socialização da vida pública, um fortalecimento da condição civil, humanizadora, solidária, do exercício democrático.” (Carlos Fuentes)
Subestimamos a democracia no Brasil. Costumamos confundi-la com o
direito e a reduzi-la ao processo eleitoral. A história política de nosso país demonstra
que tanto a direita, quanto a esquerda, em regra, mantiveram restrições, até
ideológicas, aos valores democráticos. Tanto assim que, em nossos partidos
políticos, células mater de nossas instituições, vigoram ainda hoje, modelos de
autocracia e oligarquia que se perpetuam em suas direções e se reproduzem em
todos os níveis partidários no chamado cartorialismo. O déficit democrático daí
decorrente se estende até os mandatos eletivos e cargos políticos, gerando uma
cultura de posse da ‘coisa pública’, que se manifesta nos esquemas de corrupção
e perpetuação do poder. Essa carência de valores democráticos também se
reproduz em todos os grupos e instituições da sociedade civil, onde é comum vermos
seus dirigentes alterando estatutos, simulando assembléias ou manipulando
quórum para manter o poder. O respeito às minorias, a estabilidade das regras e
a alternância democrática, são princípios ignorados em quase todas as relações sócio-políticas
em nosso país.
Mas o desapreço pelo ideal democrático em nosso país, parte também de
uma visão deturpada de setores da esquerda, que relaciona a democracia com o
aparato institucional. Talvez uma herança do lento processo de redemocratização
iniciado ainda na ditadura militar. Acontece que deste modo concebida a
democracia é percebida como uma concessão do Estado. Ao se sucederem as
frustrações das pautas dos movimentos sociais, é comum o processo democrático ser
prontamente desqualificado. Com isso o desgaste do nosso meio político
institucional viciado torna-se o desgaste de nossa própria democracia.
Quem sabe por isso, ainda é preciso lutar pela democracia no Brasil de
hoje, submerso na fábula do pensamento único, onde não se ausculta voz
dissonante, nem se diferenciam os matizes ideológicos dos partidos políticos. Não
há debate de idéias, nem confronto ideopolítico, tudo se resolve nos gabinetes
do governismo, onde o ‘poder da caneta’ mantém o clientelismo e o
patrimonialismo como pontas de uma corda esticada sobre um abismo, enquanto
nossa democracia debilmente se equilibra. O continuísmo é celebrado como
virtude e em nome de uma governabilidade é suprimido o dissenso. Assim a crise
da democracia representativa tornou o ativismo do Poder Judiciário uma necessidade,
que certamente aumenta nosso déficit democrático. Fala-se em ‘judicialização da
política’, quando o verdadeiro problema é a politização do judiciário. Eleições
são decididas antes das urnas por juízes muitas vezes comprometidos. Também não
se deve perder de vista, que o estamento dominante se articula em todos os
setores para aprimorar o controle das vias democráticas, aproveitando-se do
estranhamento de nosso povo pela participação política e se justificando com um
proeminente discurso ético-legalista. Como sempre e a história confirma, todo
atentado à democracia se inicia com uma forte retórica de austeridade.
Foi desta forma, incorporando as piores práticas de nossa política, que
o lulismo no poder cooptou os partidos e aparelhou os movimentos sociais,
engessando-os num falso consensualismo sob um triunfalismo-ufanista, em
estreita aliança com as oligarquias mais atrasadas do país e o capital
financeiro. Usando de programas assistenciais e políticas compensatórias, Lula conquistou
amplos bolsões de aderência eleitoral nas camadas mais pobres da sociedade. E é
assim, que a era Lula está levando nossa democracia ao abismo sem corda de uma
política despolitizada.
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