Por Paulo Nogueira
Uma sociedade movida pela busca
de status é insustentável, diz o acadêmico Morris Berman.
Os americanos estão muito mais
para as filas de desempregados que para Bill Gates.
Morris
Berman, 67 anos, é um acadêmico americano que vale a pena conhecer.
Acabo de ler “Por Que os Estados Unidos Fracassaram”, dele. A primeira
coisa que me ocorre é: tomara que alguma editora brasileira se interesse por
este pequeno – 196 páginas — grande livro.
A questão do título é respondida amplamente. Você fecha o livro com uma
compreensão clara sobre o que levou os americanos a um declínio tão dramático.
O argumento inicial de Berman diz tudo. Uma sociedade em que os
fundamentos são a busca de status e a aquisição de objetos não pode funcionar.
Síndrome da falta de
solidariedade
Berman cita um episódio que viu na televisão. Uma mulher desabou com o
rosto no chão em um hospital em Nova York. Ela ficou tal como caiu por uma hora
inteira, sob indiferença geral, até que finalmente alguém se movimentou. A
mulher já estava morta.
“O psicoterapeuta Douglas LaBier, de Washington, tem um nome para esse
tipo de comportamento, que ele afirma ser comuníssimo nos Estados Unidos:
síndrome da falta de solidariedade”, diz Berman. “Basicamente, é um termo
elegante para designar quem não dá a mínima para ninguém senão para si próprio.
LaBier sustenta que solidariedade é uma emoção natural, mas logo cedo perdida
pelos americanos porque nossa sociedade dá foco nas coisas materiais e evita
reflexão interior.”
Berman afirma que você sente no ar um “autismo hostil” nas relações
entre as pessoas nos Estados Unidos. “Isso se manifesta numa espécie de
ausência de alma, algo de que a capital Washington é um exemplo perfeito. Se
você quer ter um amigo na cidade, como Harry Truman disse, então compre um cachorro.”
O americano médio, diz ele, acredita no “mito” da mobilidade social.
Berman nota que as estatísticas mostram que a imensa maioria das pessoas nos
Estados Unidos morrem na classe em que nasceram. Ainda assim, elas acham que um
dia vão ser Bill Gates. Têm essa “alucinação”, em vez de achar um absurdo que
alguém possa ter mais de 60 bilhões de dólares, como Bill Gates.
O suicídio de uma nação
“Estamos assistindo ao suicídio de uma nação”, diz Berman. “Um país
cujo propósito é encorajar seus cidadãos a acumular mercadorias no maior volume
possível, ou exportar ‘democracia’ à base de bombas, é um navio prestes a
afundar. Nossa política externa gerou o 11 de Setembro, obra de pessoas que
detestavam o que os Estados Unidos estavam fazendo com os países delas. A nossa
política (econômica) interna criou a crise mundial de 2008.”
A soberba americana é sublinhada por Berman em várias situações.
Ele cita, por exemplo, uma declaração de George W Bush de 1988: “Nunca peço
desculpas por algo que os Estados Unidos tenham feito. Não me importam os
fatos.” Essa fala foi feita pouco depois que um navio de guerra americano
derrubou por alegado engano um avião iraniano com 290 pessoas a bordo, 66 delas
crianças. Não houve sobreviventes.
A guerra do Vietnã
Berman evoca também a Guerra do Vietnã. “Como entender que, depois de
termos matado 3 milhões de camponeses vietnamitas e torturado dezenas de
milhares, o povo americano ficasse mais incomodado com os protestos antiguerra
do que com aquilo que nosso exército estava fazendo? É uma ironia que, depois
de tudo, os reais selvagens sejamos – nós.”
Você pode perguntar: como alguém que tem uma visão tão crítica – e tão
justificada – de seu país pode viver nele?
A resposta é que Berman desistiu dos Estados Unidos. Ele vive hoje no
México, que segundo ele é visceralmente diferente do paraíso do narcotráfico
pintado pela mídia americana — pela qual ele não tem a menor admiração. “Mudei
para o México porque acreditava que ainda encontraria lá elementos de uma
cultura tradicional, e acertei”, diz ele. “Só lamento não ter feito isso há
vinte anos. Há uma decência humana no México que não existe nos Estados
Unidos.”
Fonte: Diário do Centro do Mundo