"Não deve haver tolerância com corrupção, seja ela de farda, de terno, de macacão ou de saia."
Por Ronald Barata
Tem havido algumas
manifestações pedindo a volta dos militares ao poder, para deter a corrupção.
São pessoas assustadas (com muitas razões) com a corrupção nos governos civis
eleitos. Esperam que os militares acabem com essa miserável prática, que não é somente
dos políticos, pois os grandes empresários são os maiores corruptores. Aliás,
não só os grandes.
O fantasma do anticomunismo,
que alguns querem ressuscitar não cola, pois não nenhum partido comunista no
governo. O PT, que não fez sequer uma reforma, já renunciou à sua aura de ético
e de esquerda. Pela experiência que tive com os petistas no Movimento Sindical,
posso afirmar que é um misto de organização política e criminosa. O PCdoB, de
comunista tem apenas o nome e seu oportunismo e carreirismo já o colocou no
limbo dos demais partidos fisiológicos.
A ética é a principal
questão de princípio de uma organização de esquerda, o que não ocorre em nenhum
partido da base governamental. Não deve
haver tolerância com corrupção, seja ela de farda, de terno, de macacão ou de
saia. Todas nós sabemos da corrupção em
associações, sindicatos, ONGS, igrejas, condomínios residenciais. Abominável.
Porém, alguns
aprendizes de udenismo, não devem ter conhecimento dos grandes golpes contra o
erário nos governos da ditadura.
Não vou falar dos
governos Collor, FHC, LULA e DILMA, cujo comportamento antiético já foi muito
badalado. E deve ser cada vez mais mostrado. Mas, querer idear uma aura de
probos, honestos, éticos aos governos da ditadura é, no mínimo, grande heresia.
Gostam de se enganar apenas porque o principal pretexto alardeado para o golpe
era o combate à corrupção e extirpar o comunismo. Era palavra de ordem, que
perdurou durante toda a ditadura.
Mas era pura falácia,
protegida pela férrea censura aos meios de comunicação, a entidades
associativas e ao Parlamento. Jornalista que ousasse denunciar sofria graves
consequências. Parlamentar que usasse a tribuna para isso, era sumariamente
cassado, além de outras punições.
Os militares
restringiam a visão de corrupção a um ato de desonestidade específica com o dinheiro
público; prática de furtos motivada por vícios adquiridos na política.
Expelindo os viciados, o problema estaria resolvido. Visão simplista,
moralista.
Vejamos:
Após a criação da
Comissão Geral de Investigação e instalação de dezenas de Inquéritos
Policiais-Militares, o primeiro governo militar (Castelo Branco), anunciou a
criação de um “Livro Branco da Corrupção”, que seria amplamente divulgado.
Promessa arquivada, pois havia militares envolvidos. Alimentou-se na época, uma
visão heroica para os políticos decentes; o que era, e é, obrigação, passou a
ser uma honraria.
Enquanto isso,
escudados nas medidas coercitivas e de severa censura, corruptos conviviam e
participavam dos governos.
Apesar disso, devido à
magnitude, o escândalo dos desvios de verbas para a construção da PONTE
RIO-NITERÓI, veio à tona.
Na construção da
RODOVIA TRANSAMAZÔNICA, a corrupção vicejou. Não eram apenas desvios ocorridos
nos diversos acampamentos, como o de Marabá, no Pará, onde se falava à boca
pequena que militares adquiriam bens para suas casas e de uso pessoal com
dinheiro público. Havia notícia de grandes roubalheiras. Por causa da repressão
não se apurou o real valor da obra que fora orçada em US$ 2 bilhões, nem as
irregularidades em licitações.
Uma concorrência
viciada beneficiou a CAPEMI-CAIXA DE PECÚLIO DOS MILITARES para, com
exclusividade, através da subsidiária Agropecuária Capemi Ind. e Com.,
comercializar toda a madeira da região onde se localizaria o lago da
Hidrelétrica de Tucuruí, no rio Tocantins. Essa subsidiária tinha sido recém
criada e não possuía know-how. Apesar disso, o Banco Nacional de Crédito
Cooperativo, sem garantias, deu aval à empresa recém-criada, para aquisição de
empréstimo de US$ 100 milhões num banco norte-americano. A empresa faliu. Uma
CPI instalada em 1980 apurou vários atos de corrupção envolvendo o governo e a
Agropecuária. A represa causou desastre ambiental, pois a vegetação foi
inundada, causando o fenômeno “eutrofização” que é a liberação dos gases
carbônico e metano, devido à decomposição da matéria orgânica inundada,
aumentando o efeito estufa em milhões de toneladas. Gerou também problemas
sociais: transferiram as famílias que habitavam a região, para áreas infestadas
de insetos perigosos.
O caso LUTFALLA,
envolvendo o ex ministro Reis Veloso, o ex governador Paulo Maluff e outras
autoridades, queimou centenas de milhões
de dólares “emprestados” pelo BNDE à empresa em situação falimentar, contra
parecer do presidente do banco, que afirmou só liberaria o empréstimo se
houvesse ordem superior, por escrito. A determinação chegou. O prejuízo é
grande e ninguém foi punido. Maluf é autoridade cortejada pelo PT.
O primeiro presidente
eleito indiretamente declarou: “O problema mais grave do Brasil não é a
subversão. É a corrupção, muito mais difícil de caracterizar e comprovar, punir
exemplarmente e erradicar.”
A primeira CGI foi
extinta e outra criada após o AI-5. Tinha poderes administrativos, de polícia,
de judiciário, sem prestar contas, nem subordinação, a nenhum organismo ou
autoridade. E dispondo de poderosos órgãos de informação, além do SNI:
CENIMAR-Centro de Informações da Marinha, CISA-Centro de Informações e Segurança
da Aeronáutica e CIE-Centro de Informações do Exército, além de ter instituído
a delação.
O AI-5 conferiu ao
presidente o poder de confiscar bens adquiridos ilicitamente. Ao ser extinta,
por Geisel, em 1978, a CGI tinha instalado 1.153 inquéritos. Entretanto, em
apenas 58 houve decisão de confiscar bens. Acabou em mediocridade, abrindo
inquérito para apurar atraso de salários de professores no município de S. Jose
do Mitibu-RN, compra de adubo pela Secretaria de Agricultura de MG e
irregularidades em entidades de futebol.
Verdadeira paranoia
tomou conta dos inquisidores. Simples denúncia, muitas vezes sem nenhum
fundamento e até por picuinhas, eram transformadas em inquérito e, mesmo sem
nada apurado, os indiciados não obtinham retratação.
A certeza de nada ser
levado a público, o poder de calar possíveis denunciantes, cassação de
mandatos, prender indiscriminadamente e sem “habeas corpus”, levaram ao
cometimento de vários desmandos e privilégios. E ainda contando com a prática
da tortura, quando os torturadores eram agraciados com promoções,
agradecimentos públicos e outros tipos de recompensa, como a concessão da
Medalha do Pacificador ao torturador Sérgio Fleury. Além das prebendas
oferecidas por alguns empresários.
Inquéritos abertos
contra Paulo Maluf, ACM, José Sarney e
prefeitos serviçais da ditadura, eram arquivados em menos de três meses
e seus sigilos respeitados, mesmo havendo provas documentais. Leonel Brizola,
Jango, Juscelino e Arraes sofreram devassas, suas vidas vasculhadas, sem
autorização judicial. O inquérito de Brizola durou 438 dias e nada apurou.
Espero que os
saudosistas dos militares reflitam. É obvio que não se pode deixar de punir os
corruptos dos governos civis. É preciso dar um basta a essa situação que já
chegou às raias do absurdo. Porém, não é fora da democracia que se irá curar
esse câncer. Pelo contrário, somente ampliando as formas de a sociedade poder
fiscalizar, denunciar os ladrões, exigir punição com confisco do produto do
roubo, é que se poderá obter sucesso.
Em abril de 2014.
RONALD SANTOS BARATA
P.S. – Nos livros do
escritor José Carlos de Assis “A Chave do Tesouro” e “A Dupla Face da
Corrupção”, podemos ver uma enorme relação de escândalos no período da
ditadura, a saber: Caso Coroa-Brastel combinado com a Metalúrgica Castor do
bicheiro Castor de Andrade, Corretora Laureano, Caso Halles, Econômico, Lume,
Ipiranga, Eletrobras, BUC, Áurea, Delfin, Abdalla, Atalla, UEB-Riosul etc.
Nota: Aproveitei alguns
dados dos trabalhos da professora da UFMG Heloisa Maria Murgel Starling e de
Guilherme Amado.
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