Por Cristovam Buarque
Vem desde os gregos a ideia de que o homem é um animal político. Os
outros animais se movem por instinto, os homens pela conversa. Cada vez que
três pessoas tentam decidir algo fazem política. Mas, olhando para os
brasileiros de hoje, pode-se dizer que o político é um animal parecido ao
avestruz. A exemplo desta ave há uma preferência por esconder a cabeça para não
ver os problemas ao redor.
Nesse momento, o animal político brasileiro debate sobre fazer ou não
uma CPI para apurar os desmandos na Petrobras. Os que não querem a CPI escondem
as cabeças para não descobrir o que está acontecendo; os que desejam descobrir
o que está ocorrendo na Petrobras não percebem o problema maior da crise
energética que enfrentamos.
Diante da grave crise energética que se abaterá sobre o mundo inteiro,
nas próximas décadas, os políticos se comportam como avestruz. Não despertam
para os limites da disponibilidade de petróleo que se esgotará, esgotando
também a Petrobras, qualquer que seja a competência e honestidade de sua
direção depois de uma CPI séria. Nem despertam para o enorme potencial que
temos para gerar energia a partir de novas fontes, tal como a energia solar, e
ainda a relegada e criativa experiência do etanol.
O animal político brasileiro se comporta como avestruz para não ver a
gravidade da violência espalhada, profunda e destruidora sobre todo o tecido
social brasileiro. Não percebe que vivemos um tempo de guerra, com mais de 50
mil mortos por ano, vítimas de assassinatos. Com a cabeça escondida, deixamos
de ver a violência e o medo generalizado nas ruas das cidades.
Escondemos a cabeça para não identificar e entender as causas da
guerrilha de grupos organizados por meio de celulares e de computadores para
queimar ônibus, impedir o trânsito, paralisar serviços. E, tal como avestruz,
decidimos enfrentar parte dessa guerra espalhada envolvendo localmente as
Forças Armadas; não ver os riscos de soldados serem mortos por traficantes
dentro do território nacional ou de soldados matarem acidentalmente crianças no
meio de tiroteio. O que em guerra se chama de efeito colateral, dentro do território
nacional será chamado de assassinato.
Não vemos os riscos de nossas cidades degradadas, da economia baseada em
produtos primários, enquanto os outros países investem em produtos de alta
tecnologia.
O avestruz prefere não ver o triste futuro de um país que não cuida de
suas crianças, abandonando-as e jogando-as em escolas sem aulas, sem
equipamentos, sem professores e sem avaliação, onde não conseguem concluir o
ensino fundamental. Só um avestruz não vê o triste futuro do Brasil retratado
na cara de suas escolas de hoje.
Também é comportamento de avestruz não perceber a falta de credibilidade
nos políticos, vistos como um tipo especial de avestruz que, além de esconder a
cabeça, enfia as mãos no chão para trocar favores com recursos públicos. Continuar
agindo dessa forma é o comportamento de avestruz suicida.
Fonte: O Globo, 19 de abril de 2014.
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