POR JOSÉ BENEDITO
PIRES TRINDADE E OTTO FILGUEIRAS
O ano de 2014 começa
com a esperança de mudanças e que ruas e praças do Brasil serão retomadas, a
exemplo do que aconteceu no ano que findou, quando estudantes, trabalhadores,
jovens excluídos, negros e pobres das periferias das grandes cidades fizeram
manifestações pelo país.
Os capitães da
indústria, capitães do mato, a mídia comercial e a direita representada em
vários partidos do sistema – PSDB, DEM, PP, PMDB e até no PT, nos comunistas de
logotipo e outros mais - também estão animados com o novo ano que se inicia.
Do seu lado, a
oposição de esquerda, incluindo partidos e movimentos sociais, aposta na virada
e acredita poder avançar em direção à conquista de um governo socialista ou
pelo menos democrático e popular.
Os mais consequentes
sabem que há uma crise capitalista no mundo, provocada pelo próprio capitalismo,
e que não haverá solução douradora se não for pela conquista do modo de
produção socialista, mais eficiente do que o capitalismo.
Há unidade genérica
nas críticas aos governos sociais-liberais de Lula/Dilma, à política econômica
que engorda bancos, que ceva o sistema financeiro, que cultiva com papas finas
os capitalistas nacionais e internacionais.
No entanto, se quiser
avançar seus peões no tabuleiro das realidades brasileira e mundial, a oposição
de esquerda, e particularmente os vários agrupamentos da esquerda marxista que
continuam acreditando no sonho socialista e sabem que a utopia não tem nada ver
com o socialismo dito científico, precisa de tática e estratégia
adequadas para a complexa e atual situação.
Não por acaso, muitos
dos antigos militantes do passado, sejam os defensores do estado de direito
burguês e da ordem democrática capitalista ou os que estão na, hipoteticamente,oposição
de esquerda ao atual governo social-liberal, defendem o foquismo e o
militarismo da época da ditadura. E criticam as atrocidades do
regime militar. Dizem que o AI 5, por exemplo, foi fruto da perversidade do
sistema ou resultado da necessidade da brutal acumulação capitalista no Brasil.
Sabemos que o ódio,
mesmo contra a degradação, contorce as feições, que a ira, mesmo contra a
tirania, deixa a voz áspera. Da mesma forma sabemos que antigos militaristas e
foquistas fraudam a história quando dizem que lutavam apenas por liberdades
democráticas e pelo estado de direito.
Essa é mais uma das
tantas tragédias da esquerda brasileira: a recusa à autocrítica. Enquanto os
antigos foquistas e militaristas não reconhecerem o gravíssimo e trágico erro,
trágico porque levou os nossos melhores combatentes, enquanto o PCdoB não
reconhecer que o Araguaia foi a consequência catastrófica de uma equivocada
análise de classe da sociedade brasileira (aquela estultícia do maoísmo mal
deglutido de relações semifeudais e semicoloniais e, em decorrência, o cerco
das cidades pelo campo, coisa que a APML já havia abandonado), enquanto
ficarmos cirandando, negaceando a história, não iremos a lugar algum. Quem sabe
seja isso mesmo que o coletivo da Papuda deseje.
De pouco adianta
falarmos que as crises capitalistas são provocadas pelo próprio capitalismo, se
não falamos dos nossos erros. Por isso, antes de apontar os erros dos outros é
fundamental reconhecer e falar dos nossos próprios equívocos.
O princípio vale tanto
para casais, relações de pais com os filhos e entre amigos, como para o
processo econômico, político, ideológico e social que vivemos desde o princípio
dos tempos, em particular desde a revolução de 1917, que fundou a União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
As contradições
ficaram no passado, é difícil analisar os problemas que existiam fora do
contexto da época e precisamos levar em conta as transformações produtivas e
tecnológicas que ocorreram no mundo, e no sistema capitalista em particular.
O fato é que as
experiências socialistas na União Soviética, China e em outros países não deram
certo. Não por acaso surgiu a República Popular da China, questionando o
“revisionismo” e sua influência em vários partidos comunistas espalhados pelo
mundo.
Os graves erros no
nosso campo redundaram em alternativas antimarxistas e reformistas, e os
defensores do capitalismo o apresentam como o fim da história.
Hoje temos, de um
lado, o aprofundamento do nacional-desenvolvimentismo na China, que PCCH chama
de socialismo de mercado, e até tentativas desvairadas no
Brasil pelos governos sociais liberais de Lula e Dilma, e defendidos pelos
comunistas de logotipo. Mas no campo da oposição de esquerda temos problemas
como a influência do militarismo e do doutrinarismo.
Para concretizar o
sonho socialista é fundamental que mulheres e homens batam de porta e porta
chamando o povo para a luta, e também estudem a complexidade da realidade,
confrontem seus sonhos com o mundo real, para só depois então realizar as suas
fantasias, vermelhas.
José Benedito Pires
Trindade e Otto Filgueiras são jornalistas; Otto está lançando o livro Revolucionários
sem rosto: uma história da Ação Popular.
Fonte: Correio da
Cidadania
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