Estranhíssima resolução da Justiça Eleitoral determina coleta de dados
físicos dos cidadãos. Medida não tem justificativa razoável e pode prestar-se a
fins obscuros e antidemocráticos
Por Mauro Santayana
É necessário refletir sobre Estado, Sistema e indivíduo, neste momento
em que o TSE está implementando — por simples Resolução – o Recadastramento
Biométrico obrigatório da população brasileira.
Bakunin nos recorda que, na maioria das vezes, a cada aumento da
autoridade do Estado, corresponde igual ou maior diminuição da liberdade do
cidadão. John Locke, na mesma linha, reflete que a finalidade da justiça – e da
Lei – não pode ser nunca a de abolir ou restringir a Liberdade, mas sim, de
fortalecê-la e aumentá-la.
E lembra que cada homem é proprietário de sua própria pessoa, e, com
relação a ela, a ninguém poderá ser dado o direito de estar acima dele.
Há que se tomar cuidado com a biometria. Os nazistas a usavam para
medir o crânio de ciganos e judeus, Mengele arrancava os olhos de crianças
gêmeas para classificá-los pela cor da íris. Membros masculinos de prisioneiros
de campos de extermínio eram amputados e guardados em vidros, cheios de formol,
no “museu” de biologia racial de Munique.
O objetivo era catalogar e separar – como se fosse possível em
compartimentos estanques – toda a herança genética humana estabelecida pelo
acaso, durante milhares de anos.
No mundo inteiro, as mentes mais lúcidas estão se perguntando qual
será o próximo passo, no controle do indivíduo pelo Sistema. Os governos
espionam nossas comunicações. Softwares de reconhecimento facial são usados
para reconhecer-nos na multidão. Sinais de celular são usados por drones para
localizar, via satélite, seus alvos, matando, no processo, dezenas de civis
inocentes.
Quando o Estado nos obrigará a deixar que nos registrem o fundo da
pupila, ou recolherá o DNA de nossas bocas?
O que será feito desse banco de dados, quando concluído? Há poucos
meses, não fosse pronta intervenção da Ministra Cármen Lúcia, dados pessoais de
todos os eleitores brasileiros teriam sido entregues, graciosamente, pelo TSE,
ao Serasa, instituição privada de controle de crédito.
O que irá ocorrer se a polícia pedir uma cópia desses arquivos? O
cidadão saberá que dados recolhidos para fazer seu novo título poderão ser
usados um dia contra ele? E se formos invadidos por outro país, ou, por causa
de uma tentativa de golpe, voltarmos a mergulhar no autoritarismo?
Onde se esconderão nossos heróis, no futuro, se os repressores puderem
identificar qualquer um, em segundos, com um simples toque do dedo de um
suspeito, na passagem de uma barreira ou no meio de uma manifestação?
Quantos inocentes não teriam sido capturados, antes de conseguir
escapar da Europa nazista, caso seus algozes tivessem acesso à internet, a um
scanner de dedo e a um banco de dados como esse?
A essência da democracia está na possibilidade de se resistir ao
Sistema quando o Sistema erra. Cada vez que tolhemos e aumentamos o controle
sobre o indivíduo, fazemos o mesmo com nossos filhos e netos, e com o destino
da liberdade, amanhã.
Fonte: www.maurosantayana.com
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