Um grupo de ex-agentes dos serviços de vigilância sobre cidadãos
propõe a seus colegas: Denunciem a espionagem. Ajudem a salvar a democracia…
Por Thomas Drake, Daniel Ellsberg, Katharine Gun, Peter Kofod, Ray
McGovern, Jesselyn Radach e Collen Rowley | Tradução: João Aroldo
Pelo menos desde Setembro de 2001, os governos ocidentais e agências
de inteligência estão trabalhando duro para expandir o escopo de seu próprio
poder, enquanto corroem a privacidade, liberdades civis e controle público da
política. O que era visto como fantasias conspiratórias paranoicas, orwellianas
parece, após Snowden, ser apenas parte de uma história real.
O que é realmente notável é que há anos avisávamos que essas coisas
estavam acontecendo: vigilância completa de populações inteiras, militarização
da internet, o fim da privacidade. Tudo é feito em nome da “segurança
nacional”, o que se tornou mais ou menos uma ladainha para evitar o debate e
garantir que os governos não sejam responsabilizados – que não possam ser
responsabilizados – porque tudo é feito no escuro. Leis secretas, interpretações
secretas de leis secretas por tribunais secretos e nenhum controle do Poder
Legislativo.
Em geral a mídia deu pouca atenção , mesmo cada vez mais corajosas e
de princípios revelassem segredos. A perseguição sem precedentes daqueles que
contam verdades, iniciada pelo governo Bush e acelerada pelo governo Obama, foi
ignorada, enquanto gente bem intencionada, em grande número, é acusadas de
graves delitos simplesmente por dizer a seus concidadãos o que está
acontecendo.
É uma das amargas ironias de nosso tempo que enquanto o ex-agente da
CIA John Kiriakou está na prisão por revelar a tortura dos EUA, os torturadores
e seus responsáveis estão livres.
Do mesmo modo, a fonte do WikiLeaks, Chelsea (antes, Bradley) Manning,
foi acusada de – entre outros sérios crimes – ajudar o inimigo (leia-se: o
público). Manning foi sentenciada a 35 anos de prisão, enquanto as pessoas que
planejaram a guerra ilegal e desastrosa do Iraque em 2003 ainda são tratadas
como dignitários.
Diversos ex-analistas da NSA vieram a público na década passada,
revelando fraude em massa, vastas ilegalidades e abuso de poder na agência
citada, incluindo Thomas Drake, William Binney e Kirk Wiebe. A resposta foi
100% perseguição e 0% responsabilização, tanto pela NSA quanto pelo resto do
governo. Revelar segredos de facções poderosas não é algo divertido, mas apesar
do pobre histórico da mídia ocidental, a divulgação ainda é a última via para
um debate verdadeiro e equilibrado em defesa da democracia – essa frágil
construção que, segundo Winston Churchill, é “o pior tipo de governo, com exceção
de todos os outros”.
Desde o verão de 2013, o público tem testemunhado uma mudança no
debate sobre esses assuntos. A razão é uma pessoa corajosa: Edward Snowden.
Snowden não só revelou a série de abusos do governo mas forneceu uma
avalanche de documentos comprobatórios para alguns poucos jornalistas
confiáveis. Os ecos de suas ações ainda estão sendo ouvidos pelo mundo – e
ainda há muitas revelações por vir.
Para cada Daniel Ellsberg, Drake, Binney, Katharine Gun, Manning ou
Snowden, há milhares de funcionários públicos que continuam com seu trabalho
diário de espionar todo mundo e fornecer informações fabricadas ou mesmo
inventadas ao público e ao Legislativo, destruindo tudo o que nós como
sociedade defendemos.
Alguns deles podem se sentir favoráveis ao que estão fazendo, mas
muitos deles são capazes de ouvir sua voz interior sobre a voz de seus líderes
e políticos desonestos – e das pessoas cuja comunicação íntima eles estão
monitorando.
Escondidos em escritórios de vários departamentos governamentais,
agências de inteligência, forças da polícia e forças armadas há dezenas de
pessoas que estão muito irritadas com aquilo em que nossas sociedades estão se
transformando: no mínimo, tiranias completas.
Uma delas é você.
Você está pensando:
· Meu contrato de trabalho não me obriga a minar a democracia e a
corroer liberdades civis.
· Eu cresci numa sociedade democrática e quero continuar assim.
· Eu fui ensinado a respeitar o direito das pessoas comuns, de viver
em privacidade.
· Eu não quero um sistema de vigilância estratégica institucionalizada
que deixaria verde de inveja a temida Stasi. (Ou quero?!)
· Por que me preocupar? O que uma pessoa pode fazer?
O que uma pessoa pode fazer?! Bem, Edward Snowden mostrou justamente o
que uma pessoa pode fazer. Ele se sobressai como revelador tanto pela
severidade dos crimes como pela má conduta que está divulgando ao público – e a
enorme quantidade de documentos que ele nos apresentou até agora – ainda há
mais. Mas Snowden não deveria ser o único, e suas revelações não deveriam ser
as únicas.
Você pode ser parte da solução; forneça a jornalistas confiáveis –
tanto da velha mídia (como este jornal) ou da nova mídia (como WikiLeaks)
documento que provem que atividades ilegais, imorais ou dispendiosas estão
acontecendo no seu trabalho.
Há poder na quantidade. Você não será o primeiro – ou o último – a
seguir sua consciência e divulgar o que está sendo feito em nossos nomes. A
verdade está a caminho – ela não pode ser parada. Políticos desonestos serão
responsabilizados. Está em suas mãos estar no lado certo da história e acelerar
o processo.
A coragem é contagiosa.
Assinado por:
Peter Kofod, ex-Escudo Humano no Iraque (Dinamarca)
Thomas Drake, ex-analista sênior da NSA (EUA)
Daniel Ellsberg, ex-analista militar (EUA)
Katharine Gun, , ex-GCHQ (Reino Unido)
Jesselyn Radack, ex-Departamento da Justiça (EUA)
Ray McGovern, ex-analista sênior da CIA (EUA)
Coleen Rowley, ex-agente do FBI (EUA)
Fonte: Outras Palavras