Oscarino
Arantes
A onda de protestos que se espalhou pelo Brasil, em
poucos dias, pôs abaixo o mito da passividade do povo brasileiro, construído
pela grande mídia a partir da estabilização da economia nos anos 90, então
interessada em promover uma ‘governabilidade’ com política previsível e a
tecnocracia na administração pública.
Mas a despeito de seu mérito, o que essa onda de
protestos tem em amplitude falta-lhe em profundidade. Segue o senso comum das
insatisfações pontuais da classe média, misturadas a um sentimento difuso de
desconfiança do Estado e repúdio às instituições políticas. Daí o seu anti
partidarismo atávico. Os partidos estão ligados ao modelo político vigente,
visto como falido, mesmo os de esquerda, que hoje são associados ao governo
federal.
Por isso, essa onda de manifestações se assemelha em
muitos aspectos à uma revolta mais até do que a um movimento. Impossível negar
a falta de credibilidade de nossas instituições, após décadas de escândalos e
imposturas. Além da corrupção endêmica, o descaso e a omissão do poder público,
muito contribuiu para a desconstrução do referencial de autoridade no Brasil.
Em muitos sentidos a autoridade no Brasil está desmoralizada e, desta forma, o
recurso à violência passa a ser sua principal expressão de poder. Há um
desprestígio do Estado que não cumpre suas mais básicas obrigações, mas abriga
todo tipo de desvios e privilégios. Como então cobrar do manifestante o respeito
pelo patrimônio público?
Toda revolta popular se manifesta em atos de maior ou
menor violência. Sempre que o aparato de repressão do Estado busca conter a
expressão direta da soberania popular, choques violentos são esperados. Em
qualquer parte do mundo é assim. Por isso, a pedra arremessada no confronto com
a polícia, também é uma forma de expressão política, gostemos ou não. Os
ataques às sedes e representações do poder constituído, também expressam a
revolta crescente contra um poder público divorciado da sociedade. No nível de
cinismo e falta de compromisso de nossos políticos e governantes, é impossível
negar a força da mensagem enviada por esses ataques.
É preciso, portanto, distinguir os manifestantes que
respondem à repressão violenta e entram em confronto com a polícia, dos
saqueadores, que são criminosos e devem ser presos. Esses não atiram pedras,
nem chamam a atenção da polícia. Não são manifestantes, apenas se aproveitam do
tumulto causado para furtar. Também é preciso distinguir os atos de vandalismo
contra o patrimônio público e privado, da depredação causada por manifestantes
envolvidos no confronto com o aparato de repressão do Estado.
Devemos também considerar que uma manifestação de rua,
aberta e ampla como as que estão ocorrendo no Brasil, possibilita a infiltração
de todo tipo de indivíduo ou grupo com as mais diversas intenções. Mas não
existe nenhuma “minoria radical” responsável pela violência nos protestos, como
a mídia liberal enfatiza, buscando revolver os temores recônditos da classe
média. Isso é claro, tem o propósito de desviar o foco dos protestos, dividindo
os manifestantes e criando clima de 'caça as bruxas'. Além disso, como sempre,
o fantasma da subversão serve ainda para justificar o aumento da repressão
policial, que é a única resposta de um Estado fracassado, incapaz de
compreender a mensagem que vem das ruas. Já vimos isso por aqui.
O governo cometerá um grande erro se decidir
criminalizar esses confrontos, pois irá legitimar o aparelho policial repressor
na escalada da violência e perderá a oportunidade de interlocução com parcela
significativa da sociedade. Estamos a um passo da convulsão social e uma
atitude impensada pode precipitar o pior.
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