Por
Adriano Benayon
01. Em artigo
recente, assinalei que, no Brasil, os déficits
nas transações correntes com o exterior vêm se avolumando. Somaram US$ 204,1
bilhões de 2008 a 2012 (US$ 54,2 bilhões só em 2012).
02. Em janeiro/fevereiro
de 2013 houve espantosa aceleração: US$ 18 bilhões, ou seja, 83% a mais que no
mesmo período de 2012.
03. Escrevi
naquele artigo: “os déficits fazem
acelerar ainda mais a desnacionalização e o endividamento”. E
citei Carlos Lopes (HP 24.01.2013): “de 2004 a 2011, foram
desnacionalizadas 1.296 empresas brasileiras, e as remessas
oficiais de lucros ao exterior montaram a US$ 405 bilhões”. As
remessas de lucros disfarçadas em outras contas são um múltiplo disso.
04. A aquisição
de empresas de capital nacional (desnacionalização em sentido estrito) é apenas
uma parte dos investimentos estrangeiros diretos (IEDs). Estes incluem a
criação de novas subsidiárias ou entrada de capital nas já estabelecidas. Tudo
isso é desnacionalização em sentido lato, implicando controle da economia
brasileira por empresas estrangeiras. Boa parte dos IEDs vem de lucros obtidos
no próprio país.
05. A
desnacionalização é um processo cumulativo: cresce sempre, porque leva à
transferência de recursos para o exterior, a qual causa os déficits nas
transações correntes, e esses têm que ser cobertos por endividamento ou IEDs.
06. Os IEDs são
considerados remédio para “equilibrar” o Balanço de Pagamentos (BP), mas, na
realidade, agravam enormemente a doença: o desequilíbrio do BP, decorrente dos
próprios IEDs.
07. Incrível,
mas verdade: desde agosto de 1954, a desnacionalização foi promovida por
governos do país. Mas não tão incrível, porque o foi por governos militares e
civis, egressos de golpes militares sob direção estrangeira, ou de eleições
comandadas pela pecúnia, no quadro de instituições políticas adrede
constituídas.
08. Isso se deu
por meio de cooptação e de corrupção e também por efeito da dependência
cultural, formada através da mídia e de universidades, reforçada pelo
deslumbramento diante dos requintes da “civilização” dos países imperiais e
através da difusão das realizações destes, sem cogitar que muito de tais
“maravilhas” resultou do saqueio das periferias.
09. O governo
militar-udenista, egresso do golpe de 1954, regido por serviços secretos
estrangeiros, instituiu vantagens absurdas em favor do capital estrangeiro,
inauguradas com a Instrução 113 de 17.01.1955, da SUMOC (Superintendência da
Moeda e do Crédito).
10. Essa
Instrução propiciou às multinacionais importar máquinas e equipamentos usados,
sem cobertura cambial, registrando o valor a eles atribuído pela multinacional
como investimento estrangeiro direto, em moeda. Nada menos que 1.545 licenças
para esses “investimentos” foram concedidas pela Carteira de Comércio Exterior
(CACEX), entre 1955 e 1963, mantidas e ampliadas que foram as vantagens no
governo de JK.
11. Desse modo,
os bens de capital entraram no Brasil mais que amortizados com as vendas em
vários mercados de dimensões, cada um dos quais dezenas de vezes maior que o
brasileiro.
12. Em
consequência, as promissoras indústrias de capital nacional, formadas na
primeira metade do século 20, foram sendo dizimadas, impossível que era
concorrer com grandes empresas transnacionais, ainda por cima operando no
Brasil com capital e tecnologia a custo zero.
13. Assim, a
Volkswagen apossou-se de mais de 50% do mercado de automóveis, com o Fusca, de
tecnologia desenvolvida nos anos 30, produzido para o mercado europeu vinte
anos antes de o ser no Brasil. Ora, a amortização dos equipamentos ocorre em
cerca de cinco anos.
14. A
implantação da Fiat, nos anos 70, com recursos do governo de Minas e incentivos
federais, é um dos exemplos escandalosos do modelo de dependência tecnológica,
financeira e cultural prevalecente no Brasil. A “proeza” está sendo repetida,
pois mais de 70% da nova fábrica da Fiat em Pernambuco é montada com dinheiro
público.
15. Desde os
anos 90, com Collor e FHC – ademais da desnacionalização efetuada através de
privatizações, em que a União, em vez de receber, gastou centenas de bilhões de
reais para entregar estatais de grande porte –, a esbórnia entreguista
tornou-se ainda mais desenfreada, com mais subsídios federais, estaduais e
municipais concedidos às montadoras estrangeiras, como, de resto, às
transnacionais de outros setores.
16. Deu-se
devastadora guerra fiscal para atrair investimentos estrangeiros, na qual
governadores entreguistas oferecem vantagens cada vez mais desmedidas, à custa
dos contribuintes e da economia brasileira.
17. O engenheiro
Glauco Arbix, da USP, em estudo de 2011, apontou que isso foi "puro
desperdício de dinheiro público": nos EUA os incentivos para gerar um
emprego seriam de US$ 4 mil, enquanto no Brasil chegaram, em média, a US$ 174,3
mil (sem contar os subsídios e benefícios fiscais federais).
18. Arbix
verificou que a fábrica da Ford em Guaíba (RS), cujo projeto foi transferido
para a Bahia, sairia para estado e município por US$ 180,3 mil por emprego dos
1.500 previstos. O Rio Grande do Sul, entretanto, concedeu incentivos de US$
174,3 mil por emprego nos 1.300 da fábrica da General Motors em Gravataí. Na
Mercedes, em Juiz de Fora (MG), estado e município investiram US$ 152 mil por
emprego.
19. Até os anos
80, o capital estrangeiro predominou no setor industrial, além do comércio
exterior. Depois, estendeu-se nos serviços privados e públicos e no setor
financeiro. Tornou-se dominante na mineração, tem adquirido grande parte do
setor sucroalcooleiro e penetrou na agricultura, condenando seu futuro, ao
introduzir as sementes transgênicas e os agrotóxicos complementares.
20. Além dos
subsídios fiscais e outros, nos últimos anos, os bancos públicos elevaram seu
financiamento aos concentradores e transnacionais. Empreiteiras, grupos
siderúrgicos, processadores de alimentos, agronegócio e até bancos estrangeiros
têm sido subsidiados pelos juros favorecidos nos empréstimos do BNDES.
21. Mauro
Santayana assinala que quem está colocando o dinheiro somos nós mesmos. Diz em
resumo: “A Telefónica da Espanha recebeu do BNDES mais de 4 bilhões de
reais em financiamento nos últimos anos e mandou mais de 1,6 bilhão de dólares
para seus acionistas espanhóis, que controlam 75% da Vivo, nos sete primeiros
meses do ano passado”. “A OI, que também recebeu dinheiro do BNDES,
emprestado, e era a última esperança de termos um ‘player’ de capital
majoritariamente nacional, corre o risco de se tornar portuguesa, com a entrega
de seu controle à Portugal Telecom ...”
22. Evaristo
Almeida aponta que, desde a privatização do sistema Telebrás, em 1998, as
empresas tiveram receita de dois trilhões de reais e dizem ter investido só 390
bilhões, grande parte dos quais financiados pelo BNDES “a juros de mãe
amorosa”.
23. Santayana
anota: “Empresas estatais estrangeiras, como a francesa ADP
(Aeroportos de Paris) ou a DNCS, que montará os submarinos comprados à França,
pertencem a consórcios financiados com dinheiro público brasileiro. Esse será
também emprestado às multinacionais que vierem participar das concessões de
rodovias (com cinco anos de carência para começar a pagar) e de ferrovias,
incluindo o trem-bala Rio-São Paulo”. “A Caixa Econômica Federal adquiriu, por
sete mil reais, em julho, pequena empresa de informática e depois nela se
associou minoritariamente à IBM. No mês seguinte, celebrou com a IBM, sem
licitação, contrato de mais de um bilhão e meio de reais ...”.
24. O esquema
das PPPs (parcerias público-privadas) faz com que o poder público banque
investimentos que se transformam em patrimônio privado, tanto das empresas
privadas, inclusive as privatizadas, como das que estão sendo objeto de novas
privatizações, rotuladas pelo nome de concessões. Quase sempre privatização
implica desnacionalização.
25. Os
portos são objeto da recente medida provisória (MP 595), a qual,
segundo o senador Roberto Requião, inventa novo marco regulatório inexistente
em qualquer lugar do mundo e provocará enfraquecimento e quebras dos portos
públicos, entregando seu controle a armadores transnacionais.
26. Além disso,
o Estado terá de arcar com a infraestrutura de transportes até os portos, de
acordo com as exigências destes, e as obras portuárias serão realizadas por
empresas privadas contratadas mediante licitação. O Estado esbanja
capital para privatizar, embora digam que a ele falta capital e por isso
precisaria privatizar.
27. Ao mesmo
tempo, o Estado incrementa as renúncias fiscais, mas só em favor de
concentradores e transnacionais, jamais de contribuintes comuns. Dilma
prorrogou, até o fim do ano, a isenção de IPI para automóveis e
caminhões.
28. Já liberou
67 setores da contribuição previdenciária de 20% sobre a folha de pagamento,
substituída pelo recolhimento de 1% a 2% do faturamento. Os setores automotivo
e o da linha branca já se beneficiavam disso, e a presidente incluiu na lista
(MP 612): serviços aeroportuários; transporte aéreo de passageiros; transporte
metroviário; engenharia e arquitetura; construtoras de obras de infraestrutura;
transportes marítimos e rodoviários de cargas.
29. Governadores
e prefeitos entreguistas, com aval do governo federal, têm projetos de privatizar
a água e o saneamento. As grandes transnacionais do setor prometem
investir, mas, em geral, só o fazem na água, pois o investimento é menor e os
lucros maiores. Esse bem estratégico passa a ser explorado em função dos lucros
e sem cuidado com preservação e qualidade.
30. Até
mesmo o petróleo – que, em todo país soberano, tem de estar sob
controle nacional – está sendo entregue às companhias estrangeiras.
Desde a campanha do “petróleo é nosso” e a criação da Petrobrás, em 1953, o
monopólio estatal ficou intocado, enquanto a nação manteve algum resquício de
independência, até ter ele sido derrogado, de fato, por FHC, com a Lei 9.478,
de 1997.
31. Como
alertam os engenheiros Paulo Metri e Ricardo Maranhão, o Brasil
sofrerá perda colossal no leilão que a Agência Nacional do Petróleo marcou
para 14/15.05.2013. Poderão ser arrematadas áreas totalizando de 20 a
30 bilhões de barris, ou seja, de 1,8 a 2,7 trilhões dólares aos preços atuais.
32. Os royalties
determinados pela legislação são de 10% do valor da produção, e as
transnacionais ficam donas do petróleo, podendo exportá-lo sem qualquer
limitação, como atender prioritariamente as necessidades internas ou restringir
a exploração por razões de estratégia política ou econômica.
33. Os royalties
são baixíssimos, e o Brasil se coloca, assim, em situação rebaixada não só em
relação aos países soberanos – cujas companhias exploram o petróleo –, mas até
em relação a pequenos países, protetorados das potências hegemônicas
desprovidos de tecnologia de exploração, os quais obtêm royalties muito acima
daquele percentual.
34. A grande
mídia, sempre a serviço da oligarquia imperial, faz intensa campanha sobre
fracassos e dificuldades da Petrobrás, visando evitar que ela, como em leilões
passados, arremate o grosso das áreas. A Petrobrás descobriu as jazidas,
verdadeiro bilhete premiado para as transnacionais, propiciado pela Agência
Nacional de Petróleo, constituída, desde sua fundação, para favorecê-las. Não
estão ainda em pauta áreas do Pré-Sal, para as quais vige a lei 12.351/2010,
que tampouco preserva os interesses do país.
34. Fomentada
que é a ignorância quanto a tudo que seja de grande interesse nacional, o que
suscitou intensa polêmica política foi o repasse dos royalties para estados e
municípios, uma bagatela diante do que o Brasil está perdendo.
35. Tão
estúpida, ou desonesta, é a atitude de governadores e parlamentares, que nem
falam em revogar a Lei Kandir, o que lhes proporcionaria mais que o dobro das
receitas dos royalties, em disputas nas quais se engalfinham. Essa lei isenta
as exportações do ICMS.
Adriano
Benayon é doutor em Economia e autor do livro Globalização versus
Desenvolvimento.
Fonte: Correio
da Cidadania
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