Ao chegar ao poder em janeiro de 2003, o governo Lula projetava, a
princípio, a perspectiva de distanciamento das diretrizes neoliberais,
executadas durante quase uma década com primor pela gestão antecessora, de
matiz oficialmente socialdemocrata.
Contudo, isto não ocorreria, não obstante o fracasso da ideologia em
todo o continente latino-americano, especialmente no México e, mais tarde, na
Argentina. O Brasil mesmo, ao aplicá-la no alvorecer dos anos 90, passou por um
dos momentos políticos mais difíceis da história republicana. A inédita
destituição de um presidente, através de desgastante processo parlamentar,
assinala bem aquele período.
Sem atentar para a própria história, os trabalhistas na presidência
decidiram manter o conservadorismo e, desta maneira, não possibilitaram
viabilizar segmentos da administração com norte progressista, a não ser na
forma de prestidigitação perante o esperançoso eleitorado.
Nesse sentido, um dos setores governamentais onde se poderia enevoar
aos olhos da opinião pública a ideologia neoliberal, fincada e aceita com
surpreendente acolhida pelo trabalhismo, seria a política externa.
Ela seria de modo ilusório o contrapeso à política econômica. À população
local, caberia a convivência com a sacrificante ortodoxia executada pelos
Ministérios da Fazenda e do Planejamento e Orçamento, ao passo que restaria aos
estrangeiros o contato com a heterodoxia na prática incorpórea efetuada pelo
Ministério das Relações Exteriores de um novo país.
Como consequência da representação da imagem no exterior de um Brasil
distinto do real, haveria um reflexo interno com efeitos entorpecedores na
sociedade, notadamente na classe média: a desfocada percepção de que o país
obtinha mais e mais respeito entre as grandes potências.
A materialização disso se representaria de dois modos, via: o
exercício de uma diplomacia de caráter lúdico, voltada a transformar o Brasil
de maneira gradativa de arena esportiva regional – XV Jogos Pan-Americanos de
julho de 2007 – a mundial – Copa do Mundo de julho de 2014 e Jogos Olímpicos de
julho de 2016.
Se bem planejadas e executadas, as três competições atrairiam a
atenção de todo o globo e proporcionariam ao Brasil incremento econômico
duradouro, através do turismo, por exemplo, e publicidade positiva.
Contudo, encerradas as duas fases do percurso esportivo, o balanço não
é favorável, em vista dos altos custos e do descaso governamental com a
infraestrutura de que se poderia beneficiar a maioria da população como o
transporte ferroviário e metroviário;
Em segundo lugar, a laboração contínua destinada a obter um assento
permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. Malgrado
faltarem ao país condições militares, econômicas e culturais, a aspiração
tornou-se uma obsessão. Se atingida, seria naturalmente o ápice da atuação
internacional do poder Executivo.
No entanto, as demais potências não vislumbram a necessidade de
viabilizar o pleito do governo. Na visita cancelada aos Estados Unidos, o
Brasil pretendia solicitar o apoio ao seu ingresso no Conselho de Segurança em
hipotética reforma onusiana, uma vez que Washington havia reconhecido isto a
Nova Déli em 2010.
Na recente Cúpula dos BRICS, Brasília novamente se frustrou, ao não
lograr de forma aberta a consideração dos demais membros na defesa de uma nova
composição do Conselho de Segurança, dado que há restrições atuais à ampliação
por parte de Moscou e de Pequim.
Ante o quadro, o Brasil deveria centrar-se a partir de 2015 em
iniciativas de alcance regional, onde as possibilidades de liderança lhe seriam
mais favoráveis e, destarte, lhe assegurariam melhores condições de
desenvoltura para sua projeção.
Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela
Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações
Internacionais da mesma instituição.
Fonte: Correio da Cidadania
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