Não podemos abrir mão das relações com o resto do mundo, mas
os laços que nos ligam a Moscou, Pequim, Nova Délhi e Pretória são pilar
essencial de nossas relações externas
Por Mauro Santayana
Saímos de uma Copa do
Mundo para uma “copa” política – a Sexta Cúpula Presidencial dos Brics –, à
qual se seguirá uma reunião entre os lideres do Brics e da Unasul. Se tudo der
certo, do encontro entre líderes do Brasil, Rússia, Índia, China e África do
Sul, sediado em Fortaleza no dia seguinte ao da final do Mundial, será
anunciada a criação do Banco do Brics e de um fundo de reservas, no valor de
US$ 150 bilhões. Será um banco de fomento, nos moldes do Banco Mundial. O fundo de reservas servirá
como embrião de uma espécie de FMI próprio, com a missão de socorrer qualquer
membro que tenha dificuldade de obter financiamento em outras instituições
multilaterais.
A reunião dos Brics
ocorre em um momento extremamente importante. A crise da Ucrânia contribuiu
para afastar do Ocidente o presidente russo, Vladimir Putin, e levou-o a
estreitar, ainda mais, seus laços com Pequim e os outros membros do grupo. Essa
nova fase de aproximação com os chineses foi sacramentada com a assinatura do
“tratado do século”, para a venda, ao longo dos próximos 30 anos, de gás russo
à China, pela respeitável quantia de US$ 400 bilhões.
Por maior que pareça,
não se trata, no entanto, de um mero negócio. O estabelecimento de um corredor entre o urso russo e o dragão chinês,
que se assentará em extensa rede de gasodutos e obras de infra-estrutura,
abrirá caminho para a construção de gigantesco polo econômico e demográfico, a
Eurásia. Um continente virtualmente novo, no qual se dará a ocupação planejada
de milhões de hectares de planícies e montanhas, hoje desocupadas, com um
projeto que envolverá também outras nações, como o Cazaquistão e a Mongólia, e,
a longo prazo, também a Índia.
A radicalização das
relações entre a Rússia e o Ocidente, com a imposição de sanções pelos Estados
Unidos, tende a levar Moscou a buscar outros fornecedores para os alimentos que
importa, privilegiando o Brasil e a Argentina. Mas as oportunidades para o
nosso país vão além disso. Nos últimos anos, temos estreitado a cooperação
tecnológica e militar com os Brics.
Já fazemos, há alguns
anos, satélites de monitoramento de recursos terrestres com a China – o último
teve 50% de conteúdo nacional. A Embraer fornece aviões radares para a Índia. A
Avibras e a Mectron estão desenvolvendo, para as Forças Aéreas brasileira e
sul-africana, moderníssimo míssil ar-ar A-Darter em associação com a Denel.
Compramos helicópteros MI-35, e baterias anti-aéreas Pantzir dos russos, que
nos convidaram a dividir com eles, e os indianos, o projeto e a fabricação do
caça bombardeiro de quinta geração T-50.
Como qualquer proposta
dirigida para mudar o status quo vigente, o Brics tem sofrido intensa campanha
nos meios de comunicação ocidentais, voltada para desacreditar o grupo,
reduzindo-o à condição que tinha, no inicio, de mera sigla econômica. A China
já é o maior sócio comercial do Brasil. Temos tido, como membro do Brics, e
também do Mercosul, superávits em nosso comércio com os chineses e a América do
Sul, enquanto com a Europa e os Estados Unidos têm aumentado nossos déficits e
piorado nossas relações de troca.
É claro que não
podemos abrir mão de nossas relações com o resto do mundo, mas, qualquer que
seja o próximo governo, os laços que nos ligam a Moscou, Pequim, Nova Délhi e
Pretória deverão permanecer como pilar essencial de nossas relações externas.
Isso vale para a
economia, com o atendimento, pelo Brasil, do imenso mercado que surgirá, nos
próximos anos, com a incorporação de dezenas de milhões de indivíduos ao
consumo, na China e na Índia, condição que dificilmente encontraríamos em
outras regiões do mundo. Mas também vale para a política, com o estabelecimento
de uma aliança estratégica mundial com países que podem nos ajudar a queimar
etapas nas áreas de tecnologia, diplomacia e defesa nos próximos anos.
Fonte: www.maurosantayana.com
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