Por Inês Castilho
Uma amiga poeta do Rio
de Janeiro expressou há alguns dias, em visita a São Paulo, quão espantoso é para
ela, há anos sem tevê, ver todo mundo: o pobre, o rico e o remediado,
analfabeto ou letrado, sentar-se diariamente diante do televisor para assistir
ao jornal e/ou novela (e esticar o assunto em conversa com amigos). Não menos
que 91 milhões de almas, 45% dos brasileiros, sintoniza na Globo todo dia, todo
santo dia. Assustador, observou.
Até The Economist
sabe, como mostra em reportagem (edição de 07.06), mas nós fingimos não
perceber o poder que o Brasil confere às Organizações Globo. E olhe que a revista
inglesa, conservadora, nem entrou nos detalhes sórdidos da sonegação fiscal do
Grupo, nem na parte do leão de publicidade oficial que recebe do governo.
Falou, isso sim, que muita gente no país começa a inquietar-se com tanto poder
concentrado nas mãos de tão poucos. (A consciência vem em ondas, parece.)
“É o tipo de audiência
que, nos Estados Unidos, pode ser alcançada apenas uma vez por ano, e somente
pela rede que venceu a competição pelos direitos de transmissão do campeonato
de futebol americano Super Bowl”, diz a revista em “Globo Domination”. Sua
principal concorrente, a Record, não tem mais que 13% da audiência. Já a
principal rede dos Estados Unidos, a CBS, alcança não mais que 12% nos picos, e
as concorrentes, uma média de 8%. Isso parece mais democracia.
A concentração de
poder, claro, vem junto com a concentração de dinheiro. A família Marinho é a
mais bilionária entre os 65 bilionários brasileiros, aponta ranking da Forbes
de 2014. Roberto Irineu Marinho, João Roberto Marinho e José Roberto Marinho,
os três irmãos, juntos, têm fortuna estimada em US$ 28,9 bilhões. “É a maior
companhia de mídia da América Latina, com receitas que alcançaram 14,6 bilhões
de reais ($6.3 bilhões) em 2013, valor que cresceu impressionantemente na
última década”.
E então, finalmente,
chega ao ponto. Lembrando que na Argentina o poder do Grupo Clarín está sendo
reduzido para no máximo 35% de audiência, como determinou a recente Lei de
Meios, e o México tenta reduzir o peso da Televisa, a revista põe o dedo na
ferida: “Mas o governo brasileiro é mais dócil com os donos da mídia.”
A matéria lembra ainda
que há hoje no Brasil número maior de celulares que de habitantes, e a média de
tempo dos brasileiros on line nas redes sociais, em abril, era de 12,5 horas
semanais. E prevê: pela primeira vez um concorrente ameaça as Organizações, em
publicidade e audiência. “Cada vez mais, a disputa pelo mercado publicitário
será entre dois Gs: Globo e Google.”
The Economist já
desenhou. Resta agora à presidente Dilma Roussef e seu secretário de
comunicação, Thomas Traumann, encarar a realidade gritante. Especialmente
depois das vaias transmitidas com fervor à vastíssima audiência da família
Marinho e repercutida com sangue os olhos pela mídia corporativa, justo aqueles
que, num jogo perverso, são sempre reverenciados pela publicidade
governamental.
Fonte: Outras Palavras
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