Para diplomacia norte-americana,
manter supremacia sobre América do Sul continua sendo essencial. Por isso,
prosseguirá tentativa de enfraquecer governos que Washington vê como “populistas”
Por José
Luís Fiori
“A new
form of nationalism may emerge, seeking national or regional
identity by confronting the United States. In its deepest sense,
the challenge of Western Hemisphere policy for the United States is
whether it can help bring about the world
envisioned by Free Trade Area of the Americas,
or whether the Western Hemisphere, for the first time in its history,
will break up into competing blocs;
whether democracy and free markets
will remain the dominant institutions
or whether there is a gradual relapse into populist authoritarianism.”
Henry.
Kissinger “Does America Need a Foreign Policy?”
Henry Kissinger foi um
formulador estratégico menos original do que Nicholas Spykman, mas em
compensação ocupou inúmeras posições de governo e participou de algumas
decisões internacionais que o transformaram numa das figuras mais importantes
da política externa norte-americana, da segunda metade do século XX. Ele deixou
a academia e se transformou em conselheiro governamental, no primeiro governo
de Eisenhower, em 1953, e manteve presença nos governos republicanos até o
final das administrações de Richard Nixon e Gerald Ford, de quem foi
Conselheiro de Segurança, e Secretario de Estado, respectivamente. Neste último
período, Henry Kissinger teve papel decisivo na redefinição da estratégia
internacional dos EUA, depois da crise econômica do início dos anos 70, e
depois da derrota americana no Vietnã, em 1973. Foi quando ele concebeu ou
participou de algumas decisões norte-americanas que deixaram marcas profundas
na história da diplomacia internacional. Entre elas, a das negociações de paz,
no Vietnã, que levaram à assinatura dos Acordos de Paris, em 1973; e a das
negociações secretas com Chou en Lai e Mão Tse Tung , em 1971 e 1972, que
levaram à reaproximação dos Estados Unidos com a China, e a reconfiguração
completa da geopolítica mundial antes e depois do fim da Guerra Fria.
Mas ao mesmo tempo,
Kissinger também tomou inúmeras decisões “sangrentas”, e cruciais, como foi o
caso da ordem de bombardeio aéreo do Camboja e do Laos, sem a autorização do
Congresso Americano, em 1969; do apoio à guerra do Paquistão com a Índia, no
território atual de Bangladeshi, em 1971; do apoio e financiamento ilegal da
invasão do Chipre, pela Turquia, em 1974; do apoio à invasão sul-africana de
Angola, em 1975; e finalmente, também em 1975, do apoio à invasão do Timor
Leste, pela Indonésia, que se transformou numa ocupação de 24 anos, e custou
200 mil vidas. Com relação à América do Sul, Kissinger teve um envolvimento
direto na preparação e execução dos violentos golpes militares que derrubaram
os governos eleitos do Uruguai e do Chile, em 1973, e da Argentina, em 1976. E
existem evidencias inapeláveis de que também teve injunção direta na Operação
Condor, que integrou os serviços de inteligência das Forças Armadas da
Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, para seqüestrar, torturar e
assassinar personalidades políticas da oposição, nestes países.
Já haviam passado três
décadas da publicação da obra de Nicholas Spykman, “America’s Strategy in
World Politics”, de 1942, mas a estratégia hemisférica do EUA seguia sendo
a mesma. Kissinger, como Spykman, seguia considerando a América Central e o
Caribe, como zona de influencia imediata dos EUA, e considerava inaceitável o
surgimento de um poder hemisférico alternativo, no Cone Sul do continente, e
ainda menos se fosse liderado por governos comunistas ou de esquerda, razão
pela qual apoiou diretamente os golpes militares dos anos 70. Sua contribuição
pessoal ao projeto de Spykman, foi substituir a proposta de uma intervenção
militar externa, em caso de ameaça à hegemonia americana na região, por uma
forma mais sutil de intervenção civil e militar “interna”, através da divisão
ativa das elites locais e do incentivo à intervenção golpista das forças
armadas locais. Um método de intervenção que havia sido utilizado amplamente
pelos ingleses, nas suas colônias, domínios e zonas de influencia, para
enfrentar e manipular ameaças e “adversidades” locais.
Nas décadas de 80 e
90, Henry Kissinger afastou-se da diplomacia direta, mas manteve sua influencia
pessoal e intelectual dentro do establishment americano e dentro das
elites conservadoras sul-americanas. Em 2001, bastante depois do fim da Guerra
Fria e da “ameaça comunista”, Kissinger publicou um livro sobre o futuro
geopolítico do mundo, e sobre a defesa dos interesses americanos no século XXI.
Sua posição com relação à América do Sul, é mais sutil, mas mantem o mesmo
objetivo central de Spykman: para Henry Kissinger, a América do Sul segue sendo
essencial para os interesses americanos, e os Estados Unidos não podem abrir
mão de sua supremacia hemisférica. Mas hoje a ameaça já não vem mais do
comunismo, vem dos projetos de integração regional que excluem ou se opõem aos
projetos de integração propostos pelos EUA, tipo ALCA; e vem sobretudo, dos
governos que Kissinger chama de “populistas” e “nacionalistas” — ou seja quase
todos os governos atuais da América do Sul.
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