quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

O Brasil, os EUA e o “Hemisfério Ocidental” (2)

Para diplomacia norte-americana, manter supremacia sobre América do Sul continua sendo essencial. Por isso, prosseguirá tentativa de enfraquecer governos que Washington vê como “populistas”

Por José Luís Fiori

“A new form of nationalism may emerge, seeking national or regional
identity by confronting the United States. In its deepest sense,
the challenge of Western Hemisphere policy for the United States is
whether it can help bring about the world
envisioned by Free Trade Area of the Americas,
or whether the Western Hemisphere, for the first time in its history,
will break up into competing blocs;
whether democracy and free markets
will remain the dominant institutions
or whether there is a gradual relapse into populist authoritarianism.”


Henry. Kissinger “Does America Need a Foreign Policy?”


Henry Kissinger foi um formulador estratégico menos original do que Nicholas Spykman, mas em compensação ocupou inúmeras posições de governo e participou de algumas decisões internacionais que o transformaram numa das figuras mais importantes da política externa norte-americana, da segunda metade do século XX. Ele deixou a academia e se transformou em conselheiro governamental, no primeiro governo de Eisenhower, em 1953, e manteve presença nos governos republicanos até o final das administrações de Richard Nixon e Gerald Ford, de quem foi Conselheiro de Segurança, e Secretario de Estado, respectivamente. Neste último período, Henry Kissinger teve papel decisivo na redefinição da estratégia internacional dos EUA, depois da crise econômica do início dos anos 70, e depois da derrota americana no Vietnã, em 1973. Foi quando ele concebeu ou participou de algumas decisões norte-americanas que deixaram marcas profundas na história da diplomacia internacional. Entre elas, a das negociações de paz, no Vietnã, que levaram à assinatura dos Acordos de Paris, em 1973; e a das negociações secretas com Chou en Lai e Mão Tse Tung , em 1971 e 1972, que levaram à reaproximação dos Estados Unidos com a China, e a reconfiguração completa da geopolítica mundial antes e depois do fim da Guerra Fria.


Mas ao mesmo tempo, Kissinger também tomou inúmeras decisões “sangrentas”, e cruciais, como foi o caso da ordem de bombardeio aéreo do Camboja e do Laos, sem a autorização do Congresso Americano, em 1969; do apoio à guerra do Paquistão com a Índia, no território atual de Bangladeshi, em 1971; do apoio e financiamento ilegal da invasão do Chipre, pela Turquia, em 1974; do apoio à invasão sul-africana de Angola, em 1975; e finalmente, também em 1975, do apoio à invasão do Timor Leste, pela Indonésia, que se transformou numa ocupação de 24 anos, e custou 200 mil vidas. Com relação à América do Sul, Kissinger teve um envolvimento direto na preparação e execução dos violentos golpes militares que derrubaram os governos eleitos do Uruguai e do Chile, em 1973, e da Argentina, em 1976. E existem evidencias inapeláveis de que também teve injunção direta na Operação Condor, que integrou os serviços de inteligência das Forças Armadas da Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, para seqüestrar, torturar e assassinar personalidades políticas da oposição, nestes países.

Já haviam passado três décadas da publicação da obra de Nicholas Spykman, “America’s Strategy in World Politics”, de 1942, mas a estratégia hemisférica do EUA seguia sendo a mesma. Kissinger, como Spykman, seguia considerando a América Central e o Caribe, como zona de influencia imediata dos EUA, e considerava inaceitável o surgimento de um poder hemisférico alternativo, no Cone Sul do continente, e ainda menos se fosse liderado por governos comunistas ou de esquerda, razão pela qual apoiou diretamente os golpes militares dos anos 70. Sua contribuição pessoal ao projeto de Spykman, foi substituir a proposta de uma intervenção militar externa, em caso de ameaça à hegemonia americana na região, por uma forma mais sutil de intervenção civil e militar “interna”, através da divisão ativa das elites locais e do incentivo à intervenção golpista das forças armadas locais. Um método de intervenção que havia sido utilizado amplamente pelos ingleses, nas suas colônias, domínios e zonas de influencia, para enfrentar e manipular ameaças e “adversidades” locais.

Nas décadas de 80 e 90, Henry Kissinger afastou-se da diplomacia direta, mas manteve sua influencia pessoal e intelectual dentro do establishment americano e dentro das elites conservadoras sul-americanas. Em 2001, bastante depois do fim da Guerra Fria e da “ameaça comunista”, Kissinger publicou um livro sobre o futuro geopolítico do mundo, e sobre a defesa dos interesses americanos no século XXI. Sua posição com relação à América do Sul, é mais sutil, mas mantem o mesmo objetivo central de Spykman: para Henry Kissinger, a América do Sul segue sendo essencial para os interesses americanos, e os Estados Unidos não podem abrir mão de sua supremacia hemisférica. Mas hoje a ameaça já não vem mais do comunismo, vem dos projetos de integração regional que excluem ou se opõem aos projetos de integração propostos pelos EUA, tipo ALCA; e vem sobretudo, dos governos que Kissinger chama de “populistas” e “nacionalistas” — ou seja quase todos os governos atuais da América do Sul.

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